A passagem do século XIX para o XX foi cheia de promessas. Estava-se em plena Belle Époque – nome que por si só evoca o brilho, o requinte e a segurança daqueles tempos – e um futuro cor-de-rosa parecia sorrir para a humanidade.

Quão diferente foi a virada do milênio!

Festejou-se com muita técnica e alarido a significativa mudança no calendário, mas não se pode dizer que as mentes e os corações transbordassem otimismo ante a expectativa de uma era de felicidade que se abria.

O mundo atravessava diversas crises – no campo das finanças, da política, das relações familiares e sociais – e temia-se seu agravamento.

Hoje, decorrida já quase uma década, podemos melhor medir a diferença entre esta transição e a de cem anos antes.

Ao iniciarmos 2010, a atmosfera geral continua sendo de apreensão, sem corresponder nem de longe aos sonhos, fundados ou não, de épocas anteriores.

Em face disso, o que devemos esperar: catástrofes ou alegrias? Como essa perspectiva afeta nossas vidas?

Houve um tempo em que cada um de nós foi imensamente feliz. “Oh! que saudades eu tenho da aurora da minha vida, da minha infância querida que os anos não trazem mais!” – canta um famoso poeta brasileiro. Bem soube ele exprimir em seu poema o tempo da nossa inocência primaveril.

Naqueles dias, tudo nos encantava: as cores das asas de uma borboleta, os esforços de uma formiguinha para carregar uma folha muito maior do que ela, os cambiantes desenhos das nuvens, formando ora um rosto, ora a silhueta de algum animal; mais ainda, as árvores de Natal, carregadas de luzinhas e bolas coloridas.

Em outras ocasiões, nos maravilhávamos com uma cerimônia na igreja paroquial, ou com um presépio no qual, silenciosos e recolhidos, estavam São José e Nossa Senhora velando o Menino Deus.

Verdade é que, naquele ditoso tempo nossa inocência ainda não enfrentara a luta, a qual se introduz de modo paulatino em nossa vida já nos primeiros anos de escola: o esforço para cumprir o dever, o estar longe do lar, o comportamento agressivo de certas amizades.

Com o correr dos anos, outros interesses vão absorvendo nossa atenção, e por fim nosso mundo encantador é, hélas, com frequência quebrado e manchado por nossas próprias faltas.

Conservar a inocência até a idade adulta é um dom de Deus, e hoje poucos o conseguem. Contudo, recuperá-la talvez seja dádiva ainda mais preciosa, e isso está ao alcance de todos, por meio do confessionário e da emenda de vida.

Através desse prisma pessoal, podemos considerar devidamente a situação do mundo e nos perguntar, uma vez mais, o que trará este novo ano: catástrofes ou alegrias?

Se trilharmos as vias do pecado, correremos um sério risco de sermos abalados e arrastados pelos turbilhões amargos dos acontecimentos.

Todavia, se nos mantivermos na inocência, ainda que apareçam situações trágicas diante de nós e as calamidades rujam ao nosso redor, conservaremos a alegria, a paz interior e a verdadeira felicidade, na certeza inabalável de que Deus vela por nós.