Cada um dos Apóstolos era único, diferente dos demais.
Embora compartilhassem muitas semelhanças, possuíam virtudes primordiais profundamente distintas, pelas quais – segundo alguns autores – representavam o gênio próprio a cada uma das doze tribos e, de forma mais genérica, o de todos os homens.
O colégio apostólico nos aparece, pois, como uma microssociedade paradigmática, síntese da humanidade, e constitui o fundamento da Igreja simbolizado pelo Apocalipse (cf. Ap 21, 14).
Neste conjunto, uma das personalidades mais expressivas coube a São Tomé, de quem São João Evangelista recorda que era “chamado Dídimo” (Jo 11, 16), do grego Δίδυμος, que significa duplo ou gêmeo.
Segundo Alcuíno (cf. Catena Aurea. In Ioannem, c.XX, v.19-25), ele era assim denominado por causa da vacilação de seu coração para crer, mas sua alcunha também tem o sentido de abismo, porque penetrou a profundidade dos abismos de Deus.
Neste antagonismo de São Tomé, entre a incredulidade inicial e a posterior confissão, está seu demérito e sua glória.
Suas intervenções no Evangelho são escassas – e só São João as relata –, mas sempre coerentes: pragmático e positivo, Tomé gosta de saber onde pisa, o que faz e para onde está sendo conduzido (cf. Jo 14, 5).
É o patrono de quem, senhor da própria razão, só aceita agir logicamente… inclusive contra a fé, pois esta começa onde acaba aquela, como ensina Santo Agostinho.
São João Crisóstomo observa que Tomé, mais tosco que os outros, procurava a fé pelo sentido do tato, sequer acreditando nos seus próprios olhos, pois exige, para crer, colocar a mão no lado de Jesus (cf. Jo 20, 25).
O Mestre atende com clemência à exigência do discípulo, mas antes o deixa esperando oito dias, ensinando-nos que os incrédulos retardam, por culpa própria, seu aproveitamento espiritual. Ao longo desses dias, quantas insistências dos apóstolos e quantas resistências de Tomé…
Finalmente, Jesus convida Dídimo a comprovar sua ressurreição, valendo-Se das mesmas palavras usadas por este para manifestar sua dúvida (cf. Jo 20, 27).
Demonstra assim identidade e onisciência, mas sobretudo abre o coração do apóstolo incrédulo para que ele abrace com a determinação da vontade o que sua razão lhe vela.
Tomé hauriu o tesouro da fé do próprio costado do Salvador: o materialista inveterado, após tocar na sagrada chaga, se converte no melhor teólogo, ao afirmar a dupla natureza – divina e humana – de Cristo, numa só Pessoa. Como comenta São Gregório Magno, ele viu a humanidade e proclamou sua fé na divindade!
Deus nos quis, e quer, lógicos. A razão é o chão firme sobre o qual nos apoiamos para subir a montanha. Contudo, Ele não tolera que anteponhamos nosso raciocínio ao nosso amor e à nossa fé.
Quando o coração do homem voa para Deus, a lógica humana não é descartada, mas superada. E de joelhos, no cimo do mais alto monte que ajudou a escalar, ela se alegra em contemplar aquela flecha de fogo que sobe à busca de Deus, rasgando o céu azul. Não pode acompanhá-la, mas a admira e a venera…