Nunca como em nossos dias a humanidade necessitou tanto de misericórdia. Talvez seja esta o único remédio para os males espirituais e materiais de nossa época.
Contudo, é extremamente difícil conseguir aplicá-la de modo conveniente, pois isto exige um equilíbrio, uma exatidão, uma firmeza só possível com o auxílio divino.
Geralmente, quando se ouve falar da misericórdia divina, a primeira ideia que ocorre é a da anulação da justiça e, até mesmo, da revogação de certos preceitos da lei de Deus, mais árduos de praticar. Afinal, se Deus fosse tratar o mundo apenas segundo os ditames da justiça, há muito um novo dilúvio teria lavado a face da Terra de tantos pecados e crimes com que os homens a mancharam.
Entretanto, Ele não o fez, porque leva em conta as fraquezas humanas, como tão bem lembrou o Papa Francisco, no Angelus de 17 de março, com aquele exemplo da velhinha, que afirmou: “Se o Senhor não perdoasse tudo, o mundo não existiria”.
Então, deve-se tolerar tudo, em nome da misericórdia?
É esse o difícil equilíbrio: como exercê-la de modo a reconduzir o pecador ao bom caminho?
A passagem do Evangelho da mulher adúltera (Jo 8, 1-11), surpreendida em flagrante e arrastada pelos fariseus até aos pés de Jesus, é um admirável exemplo desse equilíbrio divino.
A lei mosaica determinava a lapidação imediata dos culpados. Era a aplicação rigorosa da justiça, sem lugar ao perdão, à misericórdia.
Comenta São Tomás de Aquino que os fariseus esperavam que Jesus, por coerência com seus ensinamentos, perdoaria a pecadora, dando-lhes assim argumento para acusá-Lo de transgredir a Lei de Moisés.
Eles O puseram à prova em dois pontos: quanto à justiça e quanto à misericórdia. Jesus soube preservar uma e outra.
É belíssimo o simbolismo do gesto de escrever com o dedo, na terra.
Com efeito, a lei antiga tinha sido escrita em tábuas de pedra, imagem de sua dureza; nosso Redentor escreve na terra branda, para significar a doçura e flexibilidade da nova lei por Ele promulgada.
No entanto, Cristo pronunciou a sentença de acordo com a justiça: “Quem de vós estiver sem pecado, atire-lhe a primeira pedra” (Jo 8, 7). Respeitou, pois, a Lei mosaica e foi mais longe ainda no rigor da justiça, como se dissesse: se quereis condená-la, sofrei com ela a mesma pena, pois também sois pecadores.
Ninguém teve coragem de tomar a dianteira…
Jesus aplica então a misericórdia: “Também Eu não te condeno. Vai e doravante não tornes a pecar” (Jo 8, 11). Impõe-lhe apenas uma condição: “não tornes a pecar”.
É muito significativo que num dos primeiros atos públicos de seu auspicioso pontificado o Papa Francisco tenha falado sobre a misericórdia, comentando esta passagem da mulher adúltera.
Falou espontaneamente, da abundância de seu coração de pastor e pai, oferecendo à humanidade sofrida o remédio de que ela tanto precisa para voltar à casa do Pai: a misericórdia, a paciência de Deus com o pecador, seu incansável desejo de perdoar quem se volta para Ele de coração contrito.
Deus nunca Se cansa de perdoar, lembrava o Papa, somos nós que nos cansamos de pedir perdão.
Se confiarmos na misericórdia de Deus, acharemos esse difícil equilíbrio entre a lei e o perdão, que regenerará nossa época, como dizia o Papa: sentir a misericórdia “transforma tudo, transforma o mundo” (Angelus, 17/3/2013).