Faz pouco a liturgia trazia à tona – na festa de Santa Isabel da Hungria – o sagrado pranto de Jesus sobre Jerusalém: “Se tu também compreendesses hoje o que te pode trazer a paz! Agora, porém, isso está escondido aos teus olhos!” (Lc 19, 42).

Certamente Ele pronunciava essas palavras, entre comovedores soluços, enquanto suas divinas lágrimas Lhe escorriam pela face, infiltrando-se pelas barbas adentro.

Uma das mais emocionantes passagens do Evangelho.

Sendo Deus, o Cristo é também homem com todos os sentimentos próprios à nossa natureza, se bem que totalmente isento do pecado. Seu Coração possui uma sensibilidade perfeita e acabada, e, com um insuperável instinto de sociabilidade, transbordava dos melhores anseios de fazer bem a todos e a cada um.

Aquele era o seu povo e ali estava a cidade da “beleza perfeita, alegria do universo” (Lm 2, 15). Nela se encontrava o Templo no qual Ele havia sido oferecido ao Pai por Simeão, e resgatado por Maria e José. Por suas paredes e colunas ainda ecoavam seus ensinamentos de Mestre e Profeta.

Ruas, vielas, casas e praças, todos os edifícios haviam sido acariciados pelas luzes da presença do Salvador, embelezados por seus incontáveis olhares e vivificados pelas suas palavras de plena sabedoria.

Seu Coração necessitava de reciprocidade, era indispensável que Jerusalém aceitasse a paz oferecida com tanta exuberância.

Nessa hora de tristeza o Redentor recordaria sua encarnação, seu nascimento na gruta em Belém, seu empenho enquanto Deus, desde toda a eternidade, de oferecer a paz aos seus, mesclado agora com os anseios de seu humano e sagrado Coração.

Jesus talvez já houvesse chorado em sua tenra infância, na manjedoura onde seu delicado Corpo repousava; e, como já conhecia todo o seu futuro, via com antecedência, nessa ocasião, o pranto sobre Jerusalém.

Feria-O também, e muito, o considerar os trágicos efeitos dessa recusa:

Dias virão em que os inimigos farão trincheiras contra ti e te cercarão de todos os lados. Eles esmagarão a ti e a teus filhos. E não deixarão em ti pedra sobre pedra, porque não conheceste o tempo em que foste visitada (Lc 19, 43-44).

Mas essa é a paz oferecida a toda e qualquer cidade ao longo da História, até o fim do mundo.

Jesus, em nenhum momento, deixa de oferecê-la a cada um de nós, aos povos e às nações. Ela sempre está à nossa disposição, porém, de maneira muito especial mais em certas ocasiões do que em outras. É o caso deste Natal de 2005.

Em meio às crises múltiplas, universais e crescentes, o Menino Deus estará no presépio convidando-nos a abraçar a verdadeira paz. Ali – não em lágrimas, mas sorridente – de braços abertos acolherá nossas súplicas e nos concederá a paz, não como no-la oferece o mundo. Dispõe-se a saciar-nos de nossa sede de infinito, aquietando nossas paixões na temperança do amor à virtude e à santidade.

Mais forte e penetrante será sua ação ao serem pronunciadas as palavras da consagração pelo sacerdote, durante a Missa do Galo.

Com sua presença real renovará não só o sacrifício do Calvário, mas também o oferecimento de sua paz.

Saibamos nós, nossas cidades e nações aproveitar essa tão excelente ocasião para resolver todas as crises de nossos dias, amando e vivendo essa tranquilidade de alma e de circunstâncias entregue a nós na noite de Natal. E assim reconheceremos “o tempo em que fomos visitados”.