Impressionam-nos, na leitura de várias passagens do Antigo Testamento, algumas manifestações da severidade de Deus, motivadas pela rudeza de alma dos homens daquela época, na qual vigorava a estrita justiça.
Eloquente exemplo disso é o episódio de Oza: tendo ele estendido a mão para segurar a Arca da Aliança, que ameaçava cair, foi fulminado com a morte no mesmo instante, enchendo de temor o próprio Davi (I Cr 13, 9-11).
No Novo Testamento, ao contrário, logo ressalta a nossos olhos a prevalência da misericórdia, da caridade e da bondade sem limites, trazidas ao mundo pelo Verbo Divino.
Encarnando-Se no seio puríssimo da Virgem Maria e operando nossa Redenção, tornou-nos deuses. Pela graça, deixamos de ser servos para ser amigos e, mais do que isso, verdadeiros filhos que, enquanto tais, participam da natureza divina!
Ora, ante essa inefável manifestação de amor, a retribuição dos homens qual foi? Infelizmente, não a que merecia tal amor.
Quantas infidelidades, ingratidões e indiferenças ao longo da História, quando não ódio explícito!
Recorreu, então, a Divina Providência à justiça e ao castigo, como se deveria esperar? Não.
A cada ingratidão dos homens, Deus como que Se requintou em bondade, outorgando novas graças para a sua Igreja.
São Ordens Religiosas que nascem e mudam os rumos dos acontecimentos; novas vias de piedade que nos aproximam do Céu, como o Rosário e a adoração eucarística; ou Santos que iluminam a Teologia, revelando novos aspectos das perfeições divinas.
Em várias aparições ao longo de dois anos, a partir de 1673, o Divino Salvador revelou a Santa Margarida Maria Alacoque a devoção ao seu Sagrado Coração. E o que anunciou Ele nessa oportunidade? Punições, ameaças? Quão merecidas seriam!
Entretanto, o Criador do universo veio em Paray-le-Monial suplicar dos homens apenas um pouco de amor. “Se eles Me retribuíssem alguma coisa que fosse, numa reciprocidade de amor, Eu consideraria pouco tudo o que fiz por eles, e quereria fazer ainda muito mais” – afirmou Jesus à santa vidente.
E, na oitava da festa de Corpus Christi de 1675, acrescentou:
Eis o Coração que tanto amou os homens, que nada poupou, até Se esgotar e Se consumir para lhes testemunhar seu amor. Como reconhecimento, não recebo da maior parte deles senão ingratidões, pelas suas irreverências, sacrilégios, e pela tibieza e desprezo que têm para comigo na Eucaristia.
Como verdadeiro Deus e verdadeiro Homem, nutria Jesus pela humanidade um amor ao mesmo tempo divino e humano, espiritual e sensível.
Como Homem, tinha os sentimentos próprios à nossa natureza: entristeceu-Se ao contemplar Jerusalém, teve compaixão da multidão que O seguia, encheu-Se de cólera ao ver o Templo profanado pelos cambistas e padeceu atrozmente na Paixão.
O Divino Redentor, afirma Pio XII:
…foi crucificado mais pela força do amor do que pela violência dos algozes, e o seu holocausto voluntário é dom supremo feito a cada um dos homens, segundo a incisiva expressão do Apóstolo: “Amou-me e entregou-Se por mim” (Gal 2, 20) (Pio XII, Haurietis aquas, n.38).
Somente Deus poderia agir dessa maneira desconcertante, contrária a todos os padrões de comportamento humano.
E eu, o que faço por Ele?