O caro leitor já se perguntou alguma vez por que razão Jesus veio ao mundo naquela época? Não poderia Ele ter nascido logo após o pecado de Adão e Eva? Ou, pelo contrário, por que não adiou sua vinda para o fim do mundo, pouco antes da volta de Henoc e Elias?
No primeiro caso, pareceria haver várias vantagens.
Por exemplo, a efusão das graças da Redenção já no início da humanidade poderia evitar morticínios, crueldades, crimes e calamidades comuns no tempo do paganismo.
Teria evitado mesmo? É muito de se duvidar…
Basta analisar a História do Ocidente cristão, especialmente nos últimos três séculos, para verificar que a vinda de Nosso Senhor – embora tenha suavizado notavelmente o relacionamento entre os homens – não evitou esses males.
Quanto à hipótese da vinda de Cristo no fim do mundo, os benefícios seriam menos claros, mas uma análise meticulosa não deixará de encontrá-los.
Uma coisa, porém, é certa: Deus faz tudo perfeito. Logo, Jesus só pôde ter nascido no momento mais adequado, em todos os sentidos.
Comentando esta questão, o renomado teólogo espanhol Pe. Antonio Royo Marín, OP, confirma a tese acima, baseando-se no ensinamento de São Paulo de que Deus enviou seu Filho ao mundo “quando chegou a plenitude dos tempos” (Gl 4, 4).
O que significa “plenitude dos tempos”?
Na homilia de abertura da Quaresma de 2001, o Papa João Paulo II explicou que significa “tempo favorável […], isto é, o tempo em que Deus, através de Jesus, ‘satisfez' e ‘socorreu' o seu povo, realizando plenamente as promessas dos profetas”.
Do ponto de vista histórico – continuou o Santo Padre – aquele era o momento favorável para se anunciar o Evangelho a todos os povos.
Realmente, o mundo antigo se sentia decrépito e esgotado, afundado numa corrupção de costumes nunca vista, desgastado por escândalos, corroído pela idolatria, dureza de coração, ganância, crueldade, trato impiedoso entre os homens, tirania, etc. Caminhava, pois, inexoravelmente para a ruína.
Segundo os comentadores, com base no Evangelho de São João, essas eram as trevas nas quais brilhou a luz do Salvador.
Recordações da Luz que brilhou nas trevas
Todo Natal recorda essa Luz que brilhou nas trevas há dois mil anos.
De cada vez, a comemoração é feita com características próprias, com graças particulares, quase sempre relacionadas com a situação da Igreja e da Cristandade na respectiva época.
As graças de Natal no tempo das catacumbas, por exemplo, deviam ter aspectos especiais que as diferenciavam muito daquelas da época de Carlos Magno. E as da Idade Média – tempo assinalado por um auge de fervor católico – foram diferentes das do século XX, um século “caracterizado de maneira particular pelo mistério da iniquidade”, conforme as palavras do Papa João Paulo II na homilia de 18/08/2002.
Neste segundo ano do terceiro milênio, a comemoração do Natal se dá numa conjuntura muito feliz. Está ele aureolado pela Carta Apostólica de João Paulo II, “O Rosário da Virgem Maria”.
Estreita relação com o Natal
Compêndio do Evangelho, o Rosário nos recorda os principais episódios da vida de nosso Redentor.
No seu primeiro terço, ele nos conduz a meditar precisamente sobre o Natal e as circunstâncias que o envolveram: a Anunciação e a Encarnação do Verbo no seio puríssimo de Maria; a visita da Santíssima Virgem à sua prima Santa Isabel; o próprio nascimento de Jesus em Belém; a apresentação do Menino Jesus no Templo.
Esses sublimes fatos – e todos os demais da vida do Salvador – nós os acompanhamos através dos olhos da Virgem Maria, recitando o Rosário.
Ele é propriamente uma “oração evangélica, centrada sobre o mistério da Encarnação redentora”, diz o Papa, segundo a experiência vivida pela Santíssima Virgem, que trouxe em seu seio, nutriu, criou e acompanhou os passos de seu Divino Filho.
Em sua oportuna Carta Apostólica, o Santo Padre mostra ainda que Maria é para nós a Mestra que melhor conhece seu Filho Jesus e pode levar-nos ao conhecimento d’Ele:
Percorrer com Ela as cenas do Rosário é como frequentar a “escola” de Maria para ler Cristo, penetrar nos seus segredos, compreender a sua mensagem. Uma escola, a de Maria, ainda mais eficaz, quando se pensa que Ela a dá obtendo-nos os dons do Espírito Santo com abundância e, ao mesmo tempo, propondo-nos o exemplo daquela “peregrinação da fé”, na qual é Mestra inigualável.
Nas situações aflitivas da Igreja
Se – como dizem São Luís Maria Grignion de Montfort e Santo Afonso Maria de Ligório – o Rosário é um poderoso meio para alcançar graças de santificação pessoal, auxílio para a salvação das almas, não é só no plano individual que ele se mostra eficaz. Também no nível dos povos e das nações ele ganha um brilho especial nos momentos em que a Igreja está em aflitiva situação.
Foi assim já no seu nascedouro, quando Nossa Senhora o recomendou a São Domingos de Gusmão.
No ano de 1214, a heresia dos maniqueus, ou albigenses, estava se espalhando por todo o Languedoc, região meridional da França, arrancando à Igreja Católica multidões de fiéis.
A doutrina maniqueísta não causava dano apenas no campo espiritual, mas estendia seus malefícios também a toda a sociedade temporal.
Uma cruzada, da qual participaram cavaleiros de toda a Europa, não foi suficiente para estancar o mal.
Como obter de Deus o fim dessa grave situação e a conversão daquele pobre povo?
O grande São Domingos – fundador da Ordem dos Irmãos Pregadores (os frades dominicanos) – mediu toda a extensão da tragédia e sentiu-se inspirado a intervir. Retirou-se para um local ermo, próximo de Tolosa (capital do Languedoc), onde passou três dias e três noites em oração e penitência, implorando ao Senhor que interviesse para salvar aquelas populações.
Em consequência de seu esforço, acabou por cair desfalecido. E eis que apareceu-lhe Maria Santíssima, resplandecente de glória, dizendo-lhe que, pelo Rosário, ele poderia ganhar para Deus aqueles “corações endurecidos”.
E assim foi. Pregando essa devoção, São Domingos não só obteve numerosas conversões, como também uma grande mudança nos costumes religiosos e morais dos habitantes da região.
São Domingos mereceu passar para a História como o primeiro grande pregador do Santo Rosário e, praticamente, seu instituidor.
Na Batalha de Lepanto
Mas não só nos tormentos da Idade Média ficou provada a eficácia do Rosário. No século XVI vamos novamente encontrar Maria defendendo, por meio dele, seus filhos.
Em 1571, os turcos maometanos devastavam os Bálcãs, e sua enorme frota de guerra espalhava o terror no Mar Mediterrâneo. Uma invasão sobre a Europa Ocidental estava iminente e o único modo de evitá-la seria quebrar o poderio naval islamita.
Era urgente formar uma aliança dos príncipes católicos e armar uma esquadra capaz de fazer frente ao inimigo da Fé Cristã.
Com este objetivo, o Papa São Pio V fez o que pôde nos terrenos diplomático, logístico e militar. Mas pôs sua confiança sobretudo na intervenção da Auxiliadora dos Cristãos, à qual recorria por meio do Rosário, levando os outros a imitá-lo.
No dia 7 de outubro daquele ano, ao largo do Estreito de Lepanto, no litoral grego, travou-se a maior batalha naval da História até então. A esquadra católica, composta de pouco mais de duzentos navios e oitenta mil combatentes, colocada sob a proteção de Nossa Senhora do Rosário, derrotou de modo fragoroso a frota maometana, entretanto mais poderosa que a cristã.
Graças a essa vitória, ficou afastada de uma vez por todas a ameaça turca.
Desejoso de reconhecer e agradecer o decisivo auxílio de Maria nessa batalha, o senado veneziano mandou colocar no Palácio dos Doges um quadro comemorativo, com a inscrição: “Non virtus, non arma, non duces, sed Maria Rosarii victores nos fecit” – Não foram a força, nem as armas, nem os chefes, mas sim a Senhora do Rosário que nos tornou vitoriosos.
Na França do século XVIII
No século seguinte, vamos encontrar a Virgem do Rosário auxiliando um de seus mais ardorosos e eminentes devotos, São Luís Maria Grignion de Montfort, em outra difícil situação para a Igreja.
A sociedade francesa achava-se minada em suas bases pelo Iluminismo, pelo indiferentismo religioso e por um lamentável afrouxamento dos costumes, sobretudo nas classes superiores.
Para agravar o quadro, espalhava-se pela França o Jansenismo, astuta heresia que apresentava de maneira deformada a doutrina católica, evitando atacá-la de frente, o que tornava difícil sua refutação.
Pregando uma ardente devoção a Nossa Senhora e incentivando a oração diária do Rosário, São Luís Grignion conseguiu transformar a Bretanha e a Vandeia (províncias do oeste da França) em regiões ardorosamente católicas, a tal ponto que, dois séculos depois, foram essas duas províncias as que maior resistência opuseram ao assalto das tropas anticlericais da Revolução Francesa.
Em Fátima
Não é possível falar do Rosário sem mencionar com destaque as aparições em Fátima. Ali Nossa Senhora recomendou com particular empenho essa devoção.
Na primeira aparição, a 13 de maio de 1917, aconselhou aos três videntes que rezassem diariamente o Terço para pedir o fim da guerra e a paz do mundo.
Renovou com insistência, na segunda e na terceira aparição, a recomendação de rezarem o Terço todos os dias.
E no dia 13 de setembro, a Virgem Santíssima insistiu mais uma vez na necessidade da recitação diária do Terço, como meio de alcançar o fim da guerra mundial que ensanguentava o mundo.
Foi somente na última aparição, em 13 de outubro, que Nossa Senhora consentiu em revelar sua identidade às três crianças, utilizando estas simples palavras: “Eu sou a Senhora do Rosário”.
Não poderia haver maior prova de apreço da Mãe de Deus por essa devoção.
Em pleno século XX
Mais perto de nós, encontramos outra demonstração da eficácia do Rosário.
Assim como o restante da Europa Centro-Oriental, também a Áustria fora ocupada pelas tropas soviéticas, ao término da Segunda Guerra Mundial. Angustiados pela probabilidade de perderem sua independência no domínio comunista, os austríacos se voltaram filialmente para Nossa Senhora.
Um franciscano, Frei Petrus Pavlicek, formou a “Cruzada reparadora do Rosário pela paz no mundo” e passou a organizar grandes procissões anuais em honra do Nome de Maria.
Sempre com a participação de milhares de pessoas, cada uma dessas procissões seguia pelas ruas do centro de Viena, rogando pela libertação do país.
Um movimento geral de entusiasmo pelo Rosário percorreu toda a nação, e uma torrente de preces elevou-se até as portas do Céu. E então aconteceu o milagre: pouco após a Páscoa de 1955, o governo moscovita retirou suas tropas da Áustria.
O país inteiro acorreu para agradecer a maternal proteção da Santíssima Virgem, destacando-se a grande solenidade no dia 10 de setembro, festa do Nome de Maria, ocasião em que o ministro das relações exteriores declarou:
Todos nós que aqui estamos hoje reunidos e que, com humildade, mas também com ufania, nos declaramos católicos, pudemos conhecer o poder da oração. […] Nossas orações foram nossas armas e nossa fortaleza. […] Ganhamos a liberdade! Ó, Maria, nós Vos agradecemos!
Paz no mundo e nas famílias
Se o mundo de hoje está submerso num oceano de males e exposto a perigos que o rondam de todos os lados, isto não se deve tão-só às disputas econômicas e políticas, mas principalmente a uma grave crise moral e religiosa. É dela que surgem as angústias, as incertezas, a desorientação generalizada.
Contudo, assim como nas situações críticas anteriores, a solução está ao alcance de nossas mãos… e de nossos corações: a devoção ao Santo Rosário.
Daí o empenho do Papa João Paulo II em incentivar essa devoção.
No início de um milênio que começou com as cenas assustadoras do atentado de 11 de setembro de 2001 e que registra, cada dia, em tantas partes do mundo, novas situações de sangue e violência, descobrir novamente o Rosário significa mergulhar na contemplação do mistério d’Aquele que “é a nossa paz”, tendo feito “de dois povos um só, destruindo o muro da inimizade que os separava” (Ef 2, 14).
Depois de ressaltar que deseja confiar a causa da paz à oração do Rosário, o Papa exprime sua paternal aflição: “Pouco valem as tentativas da política se as almas continuam exacerbadas e não são capazes de um novo olhar do coração”.
E indaga: “Quem pode, porém, infundir tais sentimentos senão o próprio Deus? […] Exatamente nessa perspectiva o Rosário se revela uma oração particularmente indicada”.
Falta a paz, hoje em dia, não somente entre as nações, mas, muitas vezes, até no recinto do lar.
“Quanta paz estaria assegurada nas relações familiares se fosse retomada a recitação do Santo Rosário em família!” – exclamou o Papa na audiência de 29 de setembro passado, quando anunciou o Ano do Rosário.
E na citada Carta Apostólica ele alerta: “A família, célula da sociedade, está cada vez mais ameaçada por forças desagregadoras ao nível ideológico e prático, que fazem temer pelo futuro dessa instituição fundamental e imprescindível e, consequentemente, pela sorte da sociedade inteira”.
Para sanar esse mal, que remédio aconselha o Vigário de Cristo? “O relançamento do Rosário nas famílias cristãs, no âmbito de uma pastoral mais ampla da família, propõe-se como ajuda eficaz para conter os efeitos devastadores desta crise da nossa época”.
Uma prece diante do presépio
Diante do presépio, dirijamos nossas ardentes súplicas ao adorável Menino Jesus, por intermédio da Imaculada Virgem Maria e do puríssimo São José, pedindo que as exortações do Santo Padre na Carta Apostólica “O Rosário da Virgem Maria” tenham amplo desenvolvimento por todo o mundo católico.
E que aquela Luz que brilhou nas trevas há cerca de dois mil anos resplandeça não só neste Natal, mas ilumine toda a nossa vida.