Na divisa com o Estado de São Paulo, rodeado de verdes montes, localiza-se o município mineiro de Claraval. Para quem, passando pela rodovia, avista pela primeira vez o aglomerado de casas simples habitadas por pouco mais de 4.500 almas, é difícil imaginar que a pequena cidade possa proporcionar ao visitante uma surpresa como aquela com a qual nos deparamos: um mosteiro cisterciense, com sua imponente igreja neogótica.
Trata-se de um convento de ereção relativamente recente: em 1969 vinte e três jovens iniciaram a vida comunitária no recém-construído edifício, cujas origens se remontam a duas décadas antes, quando quatro monges cistercienses provenientes da Itália chegaram à região.
Que terão pensado eles ao contemplar o belo panorama, tipicamente brasileiro, onde pastagens salpicadas de palmeiras disputavam espaço com amplos cafezais? Poderiam imaginar aqueles religiosos europeus o que haveria de nascer nesse ambiente meio paulista e meio mineiro, no qual se fundem num afetuoso amplexo Fé e cultura, tradição e futuro?
Não o sabemos. Algo, porém, os levou a se instalarem ali e dar início à construção de um imponente mosteiro. Para os alicerces, fizeram talhar e transportar enormes blocos de pedra, alguns pesando três toneladas, sem contar com ajuda de maquinário apropriado. Os habitantes da região fabricaram tijolos e confeccionaram os elementos decorativos. Desse esforço resultou o magnífico templo, de harmonia e beleza
surpreendentes.
Manter vivo o espírito da fundação
Amanhecia quando chegamos a Claraval. O Sol nascia por trás das risonhas montanhas da Serra da Canastra enquanto o sino da abadia anunciava a hora da Santa Missa conventual, franqueada a todos quantos queiram dela participar.
Ao ingressar no sagrado recinto e ver os monges sentados no coro, recolhidos em silenciosa oração, nossa imaginação retrocedeu ao ano de 1098, quando Roberto de Champagne fundou o primeiro mosteiro cisterciense, desejoso de dar um passo adiante no ideal de vida monástica proposto por São Bento.
Com efeito, que são 900 anos quando se procura manter vivo o espírito da fundação? Ora et labora é o lema da família beneditina. A oração e o trabalho são as duas colunas nas quais se baseou a vida dos primeiros discípulos do santo de Núrsia e são também as que sustentam os cinco mosteiros cistercienses masculinos e os três femininos que existem atualmente no Brasil.
Uma forma sábia e eficaz de organizar a vida temporal
A história medieval está coalhada de momentos em que à sombra de uma abadia beneditina floresce toda uma região. Não é coisa de estranhar, pois da mão de um autêntico religioso emana não só o alimento espiritual, mas também uma forma de organizar a vida temporal de acordo com critérios sábios e eficazes.
Algo semelhante ocorreu ao ser fundado em Claraval o Mosteiro de Nossa Senhora do Divino Espírito Santo. Deve-se à iniciativa dos monges o primeiro hospital do município. Foram eles também que conseguiram levar até lá a rede elétrica. E até hoje habitantes da região encontram trabalho nos cafezais plantados pela comunidade, na elaboração de doces e licores artesanais, ou na padaria do convento.
E que delícia são os pães feitos por esses monges! Bem pudemos comprová-lo, tomando o café da manhã e almoçando com eles, convidados pelo Prior, segundo o espírito de fraternal acolhida peculiar da Ordem Cisterciense.
Como os dois arcos de uma ogiva
Vale a pena, leitor, deter-se por alguns momentos nas fotografias estampadas nestas páginas, contemplando a nobreza e a simplicidade que caracterizam a arquitetura do mosteiro.
Embora construído em pleno século XX, as colunas, as janelas e os elementos decorativos do mosteiro ostentam as características do gótico primigênio. Mais ainda, procuram participar de uma mesma essência arquitetônica e transmitir um mesmo espírito. Em Claraval, como nos edifícios cistercienses da Idade Média, pobreza e grandeza se fundem como os dois arcos de uma ogiva, apontando para o céu.
Sob a salutar influência desse ambiente, e com os ecos do cântico do Ofício Divino ainda ressoando em nossos corações, não pudemos evitar uma singular sensação: quem visita Claraval e ali se deixa arrebatar pelo carisma da Ordem de Cister, tem a impressão de que atrás de cada coluna há um monge rezando, e atrás de cada monge está seu fundador.