A crença na existência dos Anjos se fundamenta nas Sagradas Escrituras. Com efeito, com frequência se encontram passagens da Bíblia referentes aos Anjos. Dentre elas, gostaríamos de lembrar algumas mais significativas para ilustrar a veracidade da existência do mundo angélico.
Uma das primeiras é o relato da expulsão de Adão e Eva do Paraíso, onde Deus colocou Querubins para guardar a entrada: “Depois de ter expulsado o homem, colocou, a oriente do Jardim do Éden, os Querubins com a espada flamejante, para guardar o caminho da árvore da vida” (Gn 3, 24). Outra assaz conhecida é a de Abraão que se preparava para sacrificar o filho: “Mas o Anjo do Senhor gritou-lhe do Céu: ‘Abraão! Abraão!’. Ele respondeu: ‘Aqui estou’. O Anjo disse: ‘Não levantes a tua mão sobre o menino e não lhe faças mal algum, porque sei agora que, na verdade, temes a Deus, visto não me teres recusado o teu único filho'” (Gn 22, 11). Há, ainda, outro episódio no qual são salvos os três jovens atirados à fornalha de fogo por Nabucodonosor: “O Anjo do Senhor, porém, tinha descido até Azarias e seus companheiros e afastava o fogo da fornalha. Transformou o centro da fornalha num lugar onde soprava como que uma brisa matinal: o fogo nem sequer os tocou e não lhes causou qualquer mal nem a menor dor” (Dn 3, 49-50). É também um Anjo que protege Daniel: “O meu Deus enviou o seu Anjo e fechou as fauces dos leões, que não me fizeram qualquer mal, porque, aos olhos d’Ele, estava inocente” (Dn 6, 23).
Mas a ação angélica não se restringe a beneficiar indivíduos. Também o povo eleito foi favorecido, como podemos ver nesta passagem do Êxodo, quando os filhos de Israel fugiam do Egito: “O Anjo de Deus, que caminhava à frente do acampamento de Israel, levantou-se, partiu e passou a caminhar atrás deles. E a coluna de nuvem levantou-se de diante deles e colocou-se atrás deles” (Ex 14, 19). E foi também por meio de um Anjo que Gedeão foi incumbido de livrar o povo da opressão dos madianitas: “O Anjo do Senhor viu-o e disse-lhe: ‘O Senhor está contigo, valente guerreiro!’. Gedeão viu que era o Anjo do Senhor e disse: ‘Ai, Senhor Deus, que eu vi face a face o Anjo do Senhor!'” (Jz 6, 12.22). Essa lamentação se deve ao fato de haver a crença de a aparição de um Anjo significar a morte da pessoa.
Por vezes, não era de proteção que o povo eleito carecia, mas de punição para seus vícios. Eram os Anjos encarregados por Deus de castigar o povo. Quando o rei Davi, por vanglória, mandou fazer o recenseamento, atraiu sobre o povo o castigo de Deus: “Deus não viu isto com bons olhos e feriu Israel. Deus enviou um Anjo a Jerusalém para a destruir. Quando ele a destruía, o Senhor olhou e compadeceu-se deste mal e disse ao Anjo destruidor: ‘Basta! Retira a tua mão!’. Ora, o Anjo do Senhor achava-se perto da eira de Ornan, o jebuseu. Davi levantou os olhos e viu o Anjo do Senhor que estava entre o céu e a terra, com uma espada desembainhada na mão, dirigida contra Jerusalém. Então, Davi e os anciãos, vestidos de saco, prostraram-se com o rosto por terra” (I Cr 21, 7.15-16).
Papel importantíssimo na obra da Redenção
No Novo Testamento a ação angélica se manifesta ainda mais intensa. São João, no Apocalipse (visão simbólica e resumitiva da História, na qual ele é guiado pelos Anjos), cita-os 72 vezes.
Os Anjos têm papel importantíssimo na obra da Redenção. É a um Anjo que Deus confia o encargo de anunciar a Encarnação do Verbo à Virgem Santíssima: “Ao sexto mês, o Anjo Gabriel foi enviado por Deus a uma cidade da Galileia chamada Nazaré, a uma Virgem desposada com um homem chamado José, da casa de Davi; e o nome da Virgem era Maria. Ao entrar em casa d’Ela, o Anjo disse-Lhe: ‘Salve, ó cheia de graça, o Senhor está contigo’. Ao ouvir estas palavras, Ela perturbou-Se e inquiria de Si própria o que significava tal saudação.
“Disse-Lhe o Anjo: ‘Maria, não temas, pois achaste graça diante de Deus. Conceberás no teu seio e darás à luz um Filho, ao qual porás o nome de Jesus. Será grande e vai chamar-Se Filho do Altíssimo. O Senhor Deus vai dar-Lhe o trono de seu pai Davi, reinará eternamente sobre a casa de Jacó e o seu reinado não terá fim’.
“Maria disse ao Anjo: ‘Como será isso, se Eu não conheço homem?’. O Anjo respondeu-Lhe: ‘O Espírito Santo virá sobre Ti e a força do Altíssimo estenderá sobre Ti a sua sombra. Por isso, aquele que vai nascer é Santo e será chamado Filho de Deus. Também a tua parente Isabel concebeu um filho na sua velhice e já está no sexto mês, ela, a quem chamavam estéril, porque nada é impossível a Deus’. Maria disse, então: ‘Eis a serva do Senhor, faça-se em Mim segundo a tua palavra’. E o Anjo retirou-se” (Lc 1, 26-38).
A proteção do Menino Jesus foi confiada a um Anjo: “O Anjo do Senhor apareceu em sonhos a José e disse-lhe: ‘Levanta-te, toma o Menino e sua Mãe, foge para o Egito e fica lá até que eu te avise, pois Herodes procurará o Menino para O matar'” (Mt 2, 13). Os Anjos foram os primeiros arautos da Ressurreição de Nosso Senhor Jesus Cristo, anunciando-a às Santas Mulheres: “Entrando no sepulcro, viram um jovem sentado à direita, vestido com uma túnica branca, e ficaram assustadas. Ele disse-lhes: ‘Não vos assusteis! Buscais a Jesus de Nazaré, o crucificado? Ressuscitou; não está aqui. Vede o lugar onde O tinham depositado. Ide, pois, e dizei aos seus discípulos e a Pedro: ‘Ele precede-vos a caminho da Galileia; lá O vereis, como vos tinha dito'” (Mc 16, 5-7).
A crença na existência dos Anjos se fundamenta nas Sagradas Escrituras: com frequência se encontram passagens da Bíblia referentes a eles Aparição do Anjo a Gedeão, por Francesco Fontebasso – Museu diocesano de Trento – Itália e Sacrifício de Isaac por Ignacio de Iriarte – Museu São Telmo, San Sebastián (Espanha) |
No início da Igreja o auxílio visível dos Anjos foi indispensável para os Apóstolos poderem exercer o seu ministério, apesar das perseguições: “De repente, apareceu o Anjo do Senhor e a masmorra foi inundada de luz. O Anjo despertou Pedro, tocando-lhe no lado e disse-lhe: ‘Ergue-te depressa!’. E as correntes caíram-lhe das mãos. O Anjo prosseguiu: ‘Põe o cinto e calça as sandálias’. Pedro assim fez. Depois, disse-lhe: ‘Cobre-te com a capa e segue-me’. Pedro saiu e seguiu-o. Não se dava conta da realidade da intervenção do Anjo, pois julgava que era uma visão. Depois de atravessarem o primeiro e o segundo posto da guarda, chegaram à porta de ferro que dá para a cidade, a qual se abriu por si mesma. Saíram, avançando por uma rua, e logo o Anjo se retirou de junto dele. Pedro, voltando a si, exclamou: ‘Agora sei que o Senhor enviou o seu Anjo e me arrancou das mãos de Herodes e de tudo o que o povo judeu esperava'” (At 12, 7-11).
Os Anjos existem? Foram criados por Deus?
Não é difícil constatar pela narração da Escritura o poder que os Anjos têm sobre a natureza material.
Por sua vez, o Sagrado Magistério da Igreja sustentou sempre a existência dos Santos Anjos. Baseado na Revelação e na Tradição, afirmou-a como verdade de Fé, como atesta atualmente o Catecismo: “A existência dos seres espirituais, não corporais, que a Sagrada Escritura chama habitualmente de Anjos, é uma verdade de Fé. O testemunho da Escritura a respeito é tão claro quanto a unanimidade da Tradição”.1
O IV Concílio de Latrão proclamava esta mesma verdade há muitos séculos: “Deus […] desde o princípio do tempo criou do nada duas espécies de seres: os espirituais e os corporais, isto é, os Anjos e o mundo e depois criou o homem, que sendo constituído de corpo e espírito, como que é comum a ambos os seres”.
Sonho de Jacó, Cartuxa de São Martinho Nápoles (Itália) |
Não faltou, contudo, quem negasse esse ensinamento em nosso tempo, ignorando vinte séculos de existência da Igreja. Por isso, Paulo VI reafirmou-o no Credo do Povo de Deus: “Cremos em um só Deus – Pai, Filho e Espírito Santo – Criador das coisas visíveis – como este mundo, onde se desenrola nossa vida passageira -, Criador das coisas invisíveis – como são os puros espíritos, que também chamamos Anjos”.3
Mas alguém poderia perguntar: se os Anjos existem e foram mesmo criados por Deus, por que sua criação não está mencionada no Gênesis? Embora contenha uma descrição tão pormenorizada da criação, parece omiti-los.
Isso que parece um argumento convincente, Santo Agostinho4 refuta com sua simplicidade característica, afirmando que os Anjos não foram omitidos na narração da obra dos seis dias, mas foram designados pela palavra luz. Com efeito, se analisarmos melhor, constataremos a referência à criação da luz no primeiro e no quarto dia (cf. Gn 1, 2-19). Santo Agostinho interpreta a criação da luz no primeiro dia, como sendo a dos Anjos.
Assim, fica clara e irrefutável a existência dos Santos Anjos. Mas quem são eles? Como são? Quantos são? Onde estão? O que fazem? Quantas perguntas devem estar brotando na mente de nosso caro leitor… Deixemos de lado, por alguns instantes, nossos afazeres cotidianos e entremos nesse mundo maravilhoso a fim de conhecê-lo um pouco.
O que são os Anjos?
Enganar-se-ia quem pensasse definir o vocábulo Anjo a natureza desses seres espirituais. Se remontarmos à etimologia da palavra, encontraremos primeiro o nome latino angelus, o qual, por sua vez, provém do vocábulo hebraico , que os Setenta traduziram como ?γγελος.
Tanto o termo hebraico como o grego significam mensageiro ou enviado. Por isso, disse Santo Agostinho: “Anjo designa a função, e não a natureza. Perguntas como se chama esta natureza? Respondo: Espírito. Perguntas qual sua função? Digo: Anjo. Segundo o que é, é um espírito; segundo o que faz, é um Anjo”.5
Então, quer dizer que os Anjos não têm corpo? Exatamente, o Anjo não tem matéria, ele é puro espírito.
Isto que para nós parece tão natural constituiu, outrora, uma grave questão teológica, em razão da qual São Tomás de Aquino esteve a ponto de ser excomungado pelo Bispo de Paris.6 Contudo, resolveu o problema, merecendo, assim, o título de Doutor Angélico.
Não trataremos aqui de toda a teoria metafísica e filosófica envolvida na questão, mas daremos apenas de modo resumido o necessário para a compreensão da natureza espiritual dos Anjos.
Até São Tomás de Aquino, os teólogos se encontravam num aparente beco sem saída. Por um lado, a existência dos Anjos era atestada pelas Escrituras Sagradas, não sendo possível negá-la. Por outro, julgavam ser a matéria o único elemento capaz de delimitar um ser. Por isso, os Anjos não podiam ser imateriais, pois seriam infinitos. Acreditavam, então, que os Anjos tinham certa matéria muito sutil e que, comparada à matéria do corpo humano, era espiritualizada.7
Como, então, sustentar e explicar a imaterialidade dos Anjos? São Tomás resolveu o problema de modo simples e preciso. Os Anjos são puros espíritos, como Deus. Mas duas prerrogativas permanecem reservadas ao Criador: Ele é infinito e eterno. Com efeito, a inteligência angélica é limitada, e sua vontade não é capaz de um ato de valor infinito. Ao contrário, o ato da inteligência divina e de sua vontade é infinito. O Pai conhecendo-Se a Si mesmo gera o Filho e do amor entre os dois procede o Espírito Santo.
Além disso, os Anjos têm princípio, foram criados num momento determinado. Deus é eterno, sem princípio, nem origem em outro ser. Conclusão: por mais que o Anjo não tenha uma matéria que delimite seu espírito, ele não é eterno nem ilimitado como Deus. Essa é a maior diferença entre o Criador e qualquer criatura.
No Novo Testamento Anjos anunciam a Maria a Encarnação, avisam a José das intenções de Herodes e protegem a Igreja nascente Anunciação e sonho de São José – Catedral de São Julião, |
Outras grandes figuras da patrística já haviam defendido a imaterialidade dos Anjos. Mas nenhum resolveu o enigma metafísico como São Tomás. O Aquinate leva mais longe sua explicitação e afirma que não apenas é possível, mas “necessário admitir [a existência de] algumas criaturas incorpóreas”, no magnífico mosaico da criação. Qual sua explicação?
A harmonia da ordem do universo exige a proporção e a gradatividade
Diz o Angélico Doutor que a ordem natural das coisas nos mostra a existência de um princípio de gradatividade no universo. Esse princípio tem algumas características que merecem nossa atenção. Uma delas é a proporcionalidade. Como seria feio, por exemplo, um animal que tivesse a cabeça tão grande que fosse incapaz de suportar seu peso… Por outro lado, como é belo o leão. Sua abundante juba não lhe cobre toda a cabeça impedindo-o de ver, mas lhe serve de imponente moldura. E assim poderíamos multiplicar os exemplos.
Outra característica muito importante é a da continuidade. Ela garante a hierarquia dos seres criados, segundo São Tomás.10 Como sabemos, a criação está dividida em sete grandes reinos: mineral, vegetal, animal, humano, angélico, da graça e da união hipostática. Há entre cada um deles grandes diferenças. Por exemplo, os minerais não têm vida, mas os vegetais sim. Entretanto, estes últimos não têm a sensibilidade presente nos animais. Contudo, em cada um dos reinos existem seres cuja perfeição os aproxima do reino superior.
Por exemplo, no reino vegetal existem algumas plantas que chamamos de carnívoras, pois se alimentam de pequenos insetos. Comer é próprio do reino animal. Essas plantas servem como elo entre dois reinos, quase sendo intermediárias entre os dois mundos. Essa continuidade entre os seres existe em todos os níveis, e cresce em perfeição na proporção em que aumenta a riqueza de cada reino.
Por isso, entre Deus (puro espírito incriado) e o homem (espírito criado, unido à matéria) era necessária a existência de puros espíritos criados. Esses seres imateriais são os Anjos.
Quantas espécies de Anjos existem?
Resta, entretanto, uma dificuldade a ser resolvida. Como dissemos pouco antes, os Anjos se diferenciam de Deus por não serem eternos, nem infinitos, mesmo sendo puros espíritos. Mas como se diferenciam eles entre si? Todos eles são imateriais, finitos e criados…
Como, então, explicar e sustentar a imaterialidade dos Anjos? São Tomás resolveu o problema de modo simples e preciso São Tomás de Aquino – Basílica de Santa |
Se observarmos o reino animal, vemos que ele está dividido em espécies variadíssimas. Claro que elas podem ser agrupadas, até certo ponto, em famílias. Mas mesmo nessas famílias, por exemplo a dos felinos, quanta diferença! Que dizer da diferença entre um tigre e um gato?… E, ainda, quantos tipos de gato existem…
Com os Anjos se dá algo semelhante, mas muito mais rico. Como os Anjos não têm corpo, ou matéria que os delimite, cada um dos espíritos angélicos compõe uma espécie. Do contrário, um como que invadiria o território do outro.11
Utilizando uma analogia, embora imprópria, poderíamos dizer que no reino angélico só existe um Anjo-leão, um Anjo-águia, um Anjo-golfinho, e assim por diante. Isto deve, a mais um título, nos encher de admiração diante da deslumbrante variedade e multiplicidade das belezas do mundo angélico, tão diversificado em seus seres que cada Anjo difere do outro mais do que, entre os animais, a águia se distingue da formiga.
Nunca poderemos, nesta vida, fazer uma ideia exata da vertiginosa pluralidade e formosura do maravilhoso mundo angélico. Esta alegria nos está reservada para a vida no Céu. Há, ainda, um último corolário, decorrente da imaterialidade dos Anjos.
Os Anjos são imortais
Sabemos, pela experiência e pela evidência dos fatos, que o homem é mortal. É o que se constata também nos reinos vegetal e animal. Porém, cremos na imortalidade da alma, como ensina a doutrina católica. Essa imortalidade se deve à própria natureza da alma, que é espiritual e, por isso, incorruptível.12
Assim também, e com maior razão, os Anjos são imortais, pois sua natureza não é passível de corrupção.13 O próprio Salvador no-lo afirma ao dizer: “[os ressuscitados] já não podem mais morrer; pois são iguais aos Anjos, e são filhos de Deus” (Lc 20, 36). (Revista Arautos do Evangelho, Julho/2015, n. 163, pp. 16 a 21)