A alma inteiramente dócil à moção do Espírito Santo torna-se forte como uma sequoia, florida como um ipê e generosa como a videira.
Mas se, pelo contrário, deixa-se dominar pelos impulsos da carne, se embrutece, se enfeia e se reduz à esterilidade. Carne e espírito são realidades, em certo sentido, incompatíveis. “A concupiscência da carne corre vertiginosa para o vício e se compraz nas delícias de um descanso rasteiro.
Na concupiscência do espírito sucede o contrário: arde em desejos de consagrar-se por inteiro às coisas espirituais”.
Assim, afirma Arrighini: “Planta admirável é, portanto, o cristão que se rege e governa sob o influxo do Espírito Santo: todas as suas obras são como que divinizadas e tornadas frutuosas pelo mesmo divino Espírito”.2 Com efeito, comenta o padre Royo Marín: “Quando a alma corresponde docilmente à moção interior do Espírito Santo, produz atos de excelente virtude, os quais podem comparar-se aos frutos de uma árvore”.3 É desses atos que trataremos no presente artigo. Procedem eles dos dons do Paráclito e das virtudes, e se diferenciam dos dons como o fruto difere da rama, e o efeito da causa.
Considerando os frutos do Espírito Santo como sendo todos os atos últimos e deleitáveis das virtudes e dos dons – ou, em outras palavras, como todas as obras virtuosas com que nos comprazemos -, sua enumeração deveria ser muito extensa.
Entretanto, o Apóstolo distingue apenas doze em sua Epístola aos Gálatas: “O fruto do espírito é a caridade, a alegria, a paz, a paciência, a longanimidade, a bondade, a benignidade, a mansidão, a fidelidade, a modéstia, a continência, a castidade” (Gl 5, 22-23).4 A propósito, Santo Agostinho explica que São Paulo não tinha o intuito de dar o número exato desses dons, mas apenas mostrar o “gênero de coisas” em que devemos buscá-los.5 São Tomás, por sua vez, considera adequada essa enumeração paulina, explicando que “todos os atos dos dons e das virtudes podem, com certa conveniência, ser reduzidos a esses frutos”.6 E classifica os frutos enumerados pelo Apóstolo conforme os diferentes modos pelos quais o Espírito Santo procede conosco.
A mente humana, esclarece o Doutor Angélico, deve estar ordenada em si mesma, em relação ao que está ao seu lado e em relação ao que lhe é inferior. Os três primeiros frutos do Espírito Santo – caridade, alegria e paz – ordenam a alma em si mesma em relação ao bem, enquanto a paciência e longanimidade o fazem em relação ao mal.
A caridade – “sentimento primordial e raiz de todos os sentimentos”, segundo São Tomás – é o primeiro fruto do Espírito Santo. Nela, o Paráclito dá-Se de forma toda particular “como em Sua própria semelhança”, uma vez que, no eterno e inefável convívio entre as três Pessoas da Santíssima Trindade, Ele é o Amor substancial do Pai para com o Filho, e do Filho para com Pai.7
Tocada por um amor corajoso, não hesitou ela em comprar os melhores perfumes e, alheia ao respeito humano, lançar-se aos pés de Jesus, lavá-los com suas lágrimas e enxugá- los com seus cabelos. Foi uma manifestação de amor veemente, exclusivo e – quase se diria – irrefletido, por não medir esforços nem calcular consequências. Bem podem se aplicar a ela as palavras de São Francisco de Sales: “A medida de amar a Deus consiste em amá-Lo sem medida”. Ou as de São Pedro Julião Eymard: “O que é o amor senão o exagero?”.
Note-se, entretanto, que a caridade nem sempre vem acompanhada de consolações para a alma que a pratica, pois, sendo uma virtude, reside na vontade, e não no sentimento. Assim, “não se trata necessariamente de um amor sentido, mas de um amor intensamente querido; e tanto mais querido, nas almas fervorosas, quanto menos sensível for”.8
A verdadeira prova da autenticidade da caridade é o fato de ela vir acompanhada de uma repulsa inteira ao pecado, pois diz Santo Agostinho: “Ficará demonstrado que amas o que é bom se vires em ti que odeias o que é mau”.9 Não podemos esquecer, por fim, um fundamental desdobramento deste fruto do Espírito Santo, ensinado pelo próprio Cristo: “Amarás a teu próximo como a ti mesmo” (Mt 22, 39). No dizer de Santo Agostinho, “o amor ao próximo é como o princípio do amor a Deus”.10 E “não há degrau mais seguro para subir ao amor de Deus que a caridade do homem para com seus semelhantes”.11
Corolário do amor a Deus e ao próximo é a alegria, “pois quem ama se alegra por estar unido ao amado. Ora, a caridade tem sempre presente a Deus, a quem ama, segundo o dizer da primeira Carta de João: ‘Quem permanece no amor, permanece em Deus, e Deus nele’ (I Jo 4, 16). Portanto, a alegria é consequência da caridade”.12
Longe de se confundir com os gozos passageiros, provenientes de frivolidades ou de ações proibidas pela Lei de Deus, que logo se transformam em frustração, a alegria do Espírito Santo é toda sobrenatural e penetra até o fundo da alma.
Por isso pôde São Paulo dizer: “Estou cheio de consolação, transbordo de gozo em todas as nossas tribulações” (II Cor 7, 4).
“Mas a perfeição da alegria é a paz”, afirma o Doutor Angélico.13 E isto sob dois aspectos: “Primeiro, quanto ao repouso das perturbações exteriores, pois não pode desfrutar perfeitamente do bem amado o que é perturbado por outros nessa fruição”.14
E, segundo, “no sentido que ela acalma a instabilidade dos desejos, pois não goza da alegria perfeita quem não se satisfaz com o objeto que o alegra”.15 Não há, pois, absolutamente nada que possa perturbar uma alma abandonada à ação do Espírito Santo, porque ela “têm consciência de estar na posse do único bem a que está apegada; sabe que possui a Deus; sabe-se amada por Ele ‘até a loucura’, apesar de sua miséria e, por sua vez, também ama a Deus sem medida”.16 De fato, como a paz é procurada em nossos dias, e como parece escorregar de nossas mãos! Numa existência agitada e ruidosa, marcada a fundo pela violência e pelo pecado, tudo concorre para arrancar- nos a paz interior. Como são atuais as palavras de Jeremias: “Exclamam ‘Paz, paz!’ quando não há paz” (Jr 6, 14).
Depois de considerar os frutos do Espírito Santo que ordenam a mente para o bem, vejamos aqueles que a levam a atuar de forma correta perante a adversidade: a paciência e a longanimidade.
O primeiro nos torna inalteráveis ante os males iminentes; o segundo, imperturbáveis com a prolongada espera dos bens, dado que a privação destes já é um mal.17 Derivada da fortaleza, a virtude da paciência “inclina a suportar sem tristeza de espírito nem abatimento de coração os padecimentos físicos e morais”.18 Segundo Santa Catarina de Sena, a paciência é a “rainha posta na torre da fortaleza, que vence sempre e nunca é vencida”.19
Quando o Espírito Santo produz em nossas almas esse fruto, tornamo- nos conformes à vontade de Deus; almejamos imitar o exemplo de Jesus Cristo e de Maria Santíssima na Paixão; compenetramo-nos da necessidade de reparar nossos pecados, purificando-nos no cadinho do sofrimento.
Pela longanimidade, o Espírito Santo nos leva a aguardar, sem queixas nem amargura, os bens que esperamos de Deus, do próximo e de nós mesmos.
Não se trata de uma espera passiva e preguiçosa, mas sim de uma manifestação de coragem que se estende no tempo, de uma dilatada esperança que nos faz fortes de alma nas delongas espirituais.
Frutos de longanimidade vemos em abundância na vida de Santa Mônica, durante os muitos anos em que receava pela salvação eterna do filho Agostinho, transviado na imoralidade e na heresia. Sem nunca esmorecer na confiança, rezava persistentemente pela sua conversão.
Deus, comprazido em contemplar nessa mãe exemplar os frutos que Ele mesmo semeara, deu-lhe a honra sublime de ter o filho elevado à condição de um dos grandes luminares da Santa Igreja.
Depois de bem disposta a mente em relação a si mesma, cumpre ajustá- la em relação ao que lhe está ao redor: o próximo. Isto se dá, em primeiro lugar, pela bondade, isto é, pela “vontade de agir bem”.20
Nossa alma como que se dilata e expande, a ponto de nos converter, de certa forma, em amor. Pois, “como o carvão ou a barra de aço, em si mesmos negros e frios, se tornam brilhantes e ardentes como o fogo, assim a alma imersa nesse braseiro de amor que é o Espírito Santo se torna semelhante em todas as coisas ao divino Espírito”.21 Jesus nos deixou registrado o paradigma dessa bondade na parábola do filho pródigo (cf. Lc 15, 11-32).
Deus é o pai que espera ardentemente o retorno daqueles que d’Ele se afastaram pelo pecado.
O fruto da benignidade se distingue ao da bondade por já ser, não só um querer, mas um praticar efetivo do bem. Aqui o carvão ou a barra de aço do exemplo anterior não apenas brilham e ardem, mas queimam e inflamam.
Por isso “chamam-se benignos aqueles a quem o ‘fogo bom’ do amor se inflama em favor do próximo”.
Uma terceira disposição da mente ao ordenarse em relação ao próximo é a mansidão, pela qual refreamos a ira e suportamos com serenidade de espírito os males infligidos pelos outros.
Santa Teresinha do Menino Jesus nos dá belíssimos exemplos de mansidão perante impulsos de irritação, ensinando-nos a praticar esta virtude na vida cotidiana.
Eis um deles: Estando um dia as freiras trabalhando na lavanderia conventual, constituída por grandes tanques comunitários, aconteceu de uma irmã, por falta de atenção, lançar sobre a Santa uma chuva de água com sabão. Como é natural, isso lhe provocou um ímpeto de indignação. Mas, acalmada pela brandura do Espírito Santo, logo se conteve, recorrendo ao piedoso subterfúgio de imaginar que o Menino Jesus estava brincando com ela… esborrifando-lhe água e sabão.
Como último fruto de nosso bom relacionamento com o próximo, temos a fidelidade, que nos faz “manter a palavra dada, as obrigações assumidas, os contratos estipulados”.24
A fidelidade complementa a mansidão no sentido de que, se esta nos leva a não prejudicar o próximo pela ira, aquela nos conduz a não fraudá-lo nem enganá-lo. Ora, “isso é a fé, tomada no sentido de fidelidade”, afirma São Tomás. “E se a tomarmos como fé em Deus, então o homem por ela se ordena ao que lhe é superior, ou seja, dispõe- se a submeter seu intelecto a Deus e, por consequência, tudo o que possui”. 25
Por fim, após ordenar-se a mente em face do que lhe está em volta, cumpre fazê-lo quanto ao que lhe é inferior, e isto se dá em primeiro lugar pela modéstia, “observando o comedimento em tudo o que diz e faz”.26
Esta virtude mantém nossos olhos, lábios, risos, movimentos, enfim, toda a nossa pessoa, sem excluir nossos trajes, nos justos limites “que correspondem a seu estado, habilidade e fortuna”.27
Santo Agostinho recomenda particular cuidado com a modéstia exterior, que tanto pode edificar quanto escandalizar os que nos rodeiam.
28 Note-se que a afirmação do Bispo de Hipona não deve ser interpretada num sentido exclusivamente negativo. A modéstia exterior inclui também o dever positivo de revestirse das roupas, gestos e atitudes próprias a edificar o próximo e dar glória a Deus.
Lê-se na vida de São Francisco de Assis um episódio que ilustra quanto o cumprimento desse dever pode produzir nas almas um efeito equivalente ou talvez maior que o de um sermão. Certa vez, ele convidou um frade, seu discípulo, a acompanhálo: – Irmão, vamos fazer uma pregação – disse-lhe.
Após percorrerem a cidade em silêncio, São Francisco retomou o caminho do convento. Sem entender o que se passava, o frade perguntou: – Mas, meu pai, não dissestes que íamos fazer uma pregação?
Aqui estamos de volta, e não proferimos uma só palavra… E o sermão? – Já o fizemos. Não percebes que a vista de dois religiosos andando pelas ruas com estas vestimentas e em atitude de recolhimento vale tanto quanto um sermão? – respondeu o Santo.
Também em relação ao que lhe é inferior – isto é, às paixões – ordenam o homem a Continência e a Castidade.
Segundo São Tomás, elas se distinguem uma da outra “quer porque a castidade nos refreia em relação ao que é ilícito, e a continência ao que é lícito, quer porque a pessoa continente sofre as concupiscências, mas não se deixa arrastar por elas, enquanto o casto nem as sofre e muito menos as segue”.29
Com efeito, a alma que produz o fruto da castidade torna-se realmente angélica. Muito ao contrário dos tormentos interiores de agitação e ansiedade, nos quais vive quem se entrega às paixões desordenadas, o casto já antegoza o Céu na terra.
A continência, a seu lado, “robustece a vontade para resistir às concupiscências desordenadas muito veementes”;30 portanto, indica um freio, enquanto a pessoa abstém-se de obedecer às paixões.31
Ela, assim, prepara a alma para essa castidade, pois “os que fazem tudo quanto é permitido acabarão por fazer o que não é permitido”.32
Qual navio batido pelas ondas na procela, a alma sente neste vale de lágrimas os falaciosos atrativos da carne, convidando-a ao naufrágio.
Muito bem exprime São Paulo essa difícil situação: “Sinto, porém, nos meus membros outra lei, que luta contra a lei do meu espírito e me prende à lei do pecado, que está nos meus membros. Homem infeliz que sou! Quem me livrará deste corpo que me acarreta a morte?” (Rm 7, 23-24).
Mas, aos olhos do bravo navegante que, em vez de desanimar, ergue a vista à busca da salvação, sempre está a brilhar um farol.
O que era impossível à lei, visto que a carne a tornava impotente, Deus o fez” (Rm 8, 2-3).
Dada a nossa natural insuficiência, agravada pelas consequências do pecado original, torna-se indispensável o auxílio divino para completarmos a árdua corrida rumo à eterna bem-aventurança. E o Espírito de Amor vem sempre em socorro da nossa fraqueza, com suas graças e dons. Ele não cessa de interceder por nós “com gemidos inefáveis” (Rm 8, 26) e ainda nos dá como medianeira e advogada sua Fidelíssima Esposa.
Saibamos recorrer sempre a Ela. Pois a poderosa intercessão de Maria Santíssima é a via mais segura para transformar graminhas estéreis em frondosas árvores carregadas de frutos.
(Revista Arautos do Evangelho, Junho/2010, n. 102, p. 22 à 27)