Deus foi sábio ao relacionar nossa felicidade com o louvor a Ele. É por isso que só podemos ser felizes, num estado de plenitude, quando seguimos com atenção sua Lei. Como nossa alma se sacia somente com sua Face, é somente buscando-o que estaremos satisfeitos. Para isso, ele estabeleceu códigos de conduta, que descrevem nossa relação para com Ele e para com os outros, nossos próximos. As primeiras são as virtudes teologais, fé, esperança e caridade, enquanto o segundo grupo se constitui das virtudes cardeais: prudência, justiça, fortaleza e temperança.
Neste artigo vamos responder as dúvidas mais salientes sobre as virtudes cardeais, como identificá-las e praticá-las, mesmo quando parecem ser inconvenientes, as consequências que trazem, ou seja, os resultados que sua prática oferece.
Em primeiro lugar, vamos ao nome que se atribui ao conjunto: cardeais. Ele vem da língua latina, cardus, que são os gonzos, as ferragens que ligam a porta ao batente, permitindo-a girar. Aliás, no português, temos a palavra: “cardinal”, ou seja, fundamental. Tal definição é para representar a exigência destas virtudes para a boa conduta cristã, siginificando que elas possibilitando a nossa “abertura” para a prática de todas as demais virtudes.
Muitas vezes os pregadores se referem as virtudes cardeais como o fundamento da vida cristã, os alicerces das demais virtudes. Se as virtudes teologais regem a nossa relação com o divino, a nossa relação conosco mesmo e com os outros é medida pelas virtudes cardeais.
A primeira representante e mais importante é a prudência, que muitas vezes é sinônimo de acovardamento ou de meio-termo, já que o prudente parece não ter peso de decisão. Mas este significado nada tem da conotação católica, já que a virtude da prudência é definida como o melhor caminho para se chegar a um determinado fim.
Como o fim do cristão não muda, ou seja, é sempre mirar Deus, em seu amor, conhecimento e serviço, a função da virtude da prudência é estudar o melhor caminho para que isso se realize. Um exemplo prático: se, em meu caminho para casa, no transporte, eu passo por um cartaz onde há uma imagem imoral, e eu sempre mancho meu olhar e consinto em maus pensamentos, a prudência dita que eu siga um caminho diferente.
Uma particularidade desta: muitas vezes Deus, que é o fim último, é alternado por um fim imediato, como a implantação de seu reino na Terra, ou mesmo a prática de outras virtudes e de uma vida cristã. Para isso também servirá a virtude da prudência: no relacionamento com meus amigos, parentes e conhecidos, como ser mais santo? Quais são as melhores ações para se atingir este determinado fim?
A virtude da prudência sofre quando somos orgulhosos demais, o que nos torna cegos ao procurar o melhor caminho para chegarmos ao nosso fim. O orgulhoso quer fazer as coisas do seu jeito, mesmo quando este não é o mais otimizado, além de ser cheio de segundas intenções. Ao evitar receber conselhos de pessoas mais experientes e virtuosas, e ao impedir de se pôr numa posição reflexiva para entender quais os melhores meios para se alcançar o fim, a pessoa orgulhosa peca contra a prudência e condena a si mesmo e aos seus próximos a viver sob seus caprichos, que muitas vezes, senão todas, não são sequer lógicos. Ora empurrado pelos ventos da moda, pelos temporais da vaidade ou do amor extravagante a si mesmo, o orgulhoso se perde no personagem que imagina interpretar, indo parar longe de Deus.
É por isso que outro grande pecado contra a prudência é o unanimismo, quando passamos a seguir tudo sem critério. Somos apenas mais um na multidão, sem pensamento, sem vontade ou sem princípios, tornando-nos uma massa de manobra de pessoas mais influentes, como políticos ou famosos. É por isso que a virtude da prudência nos preceitua o estudo constante, a capacitação e a opinião própria, a fim de seguir pelos seus próprios pensamentos o caminho escolhido.
Justiça não significa ser rígido, severo ou horrendo, bem como a misericórdia não compactua com a moleza e a conivência. Antes de tudo, ser justo é dar a cada um aquilo que se merece. Assim, aos que conquistaram mais, se deve um tratamento mais honrado, sem se esquecer dos que conquistaram menos, pois o fato de Cristo ter morrido na cruz até mesmo pelo mais miserável dentre nós já significa toda gentileza e amor possíveis.
Ser justo também não significa simplesmente equilíbrio, ou ser igualitário: a justiça pede que reconheçamos as pessoas segundo o que merecem, e é óbvio que nesta vida alguns fizeram mais com menos, o que os torna mais dignos de louvor. Outra confusão que podem fazer: justiça não é liberdade; ser justo não é permitir que todos tenham liberdade de expressão, ou liberdade de fazerem o que quiser. A justiça cristã nos impele, em primeiro lugar, para Deus, pois somos d’Ele, e Ele nos criou; mas em segundo lugar preza pela saúde da sociedade, respeitando os costumes e culturas na medida em que elas não desrespeitam a Deus, que sempre será o fiel da balança. É por isso que a Igreja, quando vê que não é mal o costume de algum povo, o incorpora em suas celebrações, dando uma conotação ainda mais profunda.
Ser justo também significa não compactuar com a maldade social, e com as mazelas que a ganância e o orgulho construíram. Por isso, o justo não luta apenas fazendo o esforço do dia a dia, ajudando os que passam privações quando pode, mas também procura fazer com prudência o que está a seu alcance, levando seu movimento de justiça para maiores patamares, com inteligência e senso de responsabilidade. Além disso, muitas vezes a justiça pede do cristão uma posição de combate. Num mundo onde tudo pode ser comprado, desde trabalho a influência, ser justo e saber recusar más propostas é inevitável ao católico.
Se a prudência e a justiça têm um foco mais externo, trabalhando nossas atitudes, a fortaleza e a temperança são mais internas; porém, podendo manifestar-se também externamente.
Qual a diferença entre elas? A fortaleza regula nossa vontade para com as coisas ilícitas, enquanto a temperança para com as coisas lícitas. Vamos explicar melhor: a fortaleza é a virtude que nos contém diante dos prazeres que são maus, como os prazeres da carne, da imoralidade, da vaidade, da vanglória, etc. É por isso que geralmente ela é representada como um cavaleiro pronto para o combate, pois para com estas maldades não há conversa, mas apenas ação. Ser forte, praticar a virtude da fortaleza é recusar estas insinuações com presteza e com integridade.
Já a temperança vai moderar o que não é mal em si, mas faz mal em excesso: desde os prazeres da alimentação como outros, tais como fama, poder e influência. Como se percebe, nem um destes é mal em si mesmo, não ofendem às leis divinas, mas em excesso são perigosíssimos para a salvação. É por isso que, enquanto a luxúria é diretamente contrária a virtude da fortaleza, a gula e a preguiça são as inimigas da temperança. Os vícios que muitas condições excessivas trazem são a consequência de uma vida não temperante.
Antes de tudo, assim como nas virtudes teologais, para a prática das virtudes cardeais é necessário a oração. Esta é nosso alimento, nosso combustível para uma vida santa, e é só dando prioridade a ela em nossa caminhada que alcançaremos um fim exitoso. Do contrário, não conquistaremos as virtudes, nem teologais, nem cardeais, nem as outras que derivam delas.
Em segundo lugar, a leitura de bons exemplos também é essencial. Os tempos mudam, mas as dificuldades que assolam a humanidade continuam sendo as mesmas: orgulhos, vanglórias, injustiças, vícios, tudo isto continua tão atual como era na época de Jesus. Por isso, estar sempre em contato com as atitudes que os santos tomaram diante destes pecados nos ajuda a sermos mais sábios e a praticarmos às virtudes.
Vejamos, por exemplo, São Tomás de Aquino. Tendo sido trancado no alto de uma torre, sem comida e sem água, colocaram em seu quarto, trancando-o novamente, uma mulher nua que estava disposta a tocá-lo e a maculá-lo para que ele sucumbisse a tentação da impureza. Vendo que não havia outra saída, ele praticou a virtude da fortaleza: para não pecar, pegou uma tocha e ameaçou a mulher de que a queimaria se ela não saísse. Avançando esta, porém, ele se pôs a correr atrás dela, para que seus gritos de medo fizessem seus captores tirá-la do quarto, o que foi, de fato, o que aconteceu.
Vendo seu exemplo de fortaleza, comprovamos que é necessário tomar medidas drásticas, quando estas forem as únicas possíveis, para garantir nossa virtude.