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Catecismo


Virá com poder para julgar
 
AUTOR: IR. MARÍA JOSÉ TEFEL URIOSTE
 
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Se cada alma se apresenta diante do Todo-Poderoso e d’Ele ouve sua sentença eterna imediatamente após a morte, que necessidade haveria de um Juízo Universal? Como será este dia terrível, que a uns encherá de terror e a outros, de regozijo?

   Era domingo em Ars. A passagem do Evangelho de São Mateus escolhida para ser comentada no sermão se iniciava com a conhecida parábola das virgens, as loucas e as prudentes, e culminava narrando o retorno glorioso do Filho do Homem no fim dos tempos.

Juízo Final, pintado por Fra Angélico

   Naquele dia, Cristo Se apresentará sentado no seu trono, cercado de Anjos, separando as ovelhas à sua direita e os cabritos à sua esquerda, e dirá a estes últimos: “Retirai-vos de Mim, malditos! Ide para o fogo eterno destinado ao demônio e aos seus anjos” (Mt 25, 41).

Amaldiçoados por seu próprio pastor…

   Para incitar à conversão os dissolutos fiéis de seu povoado, São João Maria Vianney procurava tornar tão viva quanto possível a tragédia que supõe ser amaldiçoado por Deus eternamente:

   “Quando vier o fim do mundo, cada paroquiano irá reunir-se ao seu pastor, e Nosso Senhor lhe dirá:

   “— Pastor, amaldiçoa-os.

   “— Como, Senhor? Amaldiçoar os meus filhos, que batizei para Vós?

   “— Eu te digo, pastor, amaldiçoa-os!

   “— Eu, Senhor, amaldiçoar os meninos que instruí para Vós, a quem dei o vosso santo Corpo, a quem distribuí o pão de vossa Palavra santa?

   “O pastor contará o que fez por eles. Nosso Senhor Jesus Cristo há de responder:

   “— Pastor, eles não te escutaram o bastante, amaldiçoa-os. Eu te ordeno: amaldiçoa-os!

   “Ah, meus irmãos, como será doloroso para o pastor amaldiçoar os seus filhos! Vós não me credes! Pois bem, assim será, sim, assim será”.

   Todos poderíamos nos imaginar nesta mesma situação. E se fizermos um bom exame de consciência, não deixaremos de encontrar falhas capazes de nos levar, neste tremendo dia, à rejeição por parte daqueles que quiseram nos conduzir ao bom caminho…

   “Vigiai, pois, porque não sabeis nem o dia nem a hora” (Mt 25, 13), recomenda Nosso Senhor. Tal como se passa com a morte, depois da qual se dará o juízo particular e se definirá o destino eterno de cada um, ninguém sabe quando virá o momento supremo da História em que tudo ficará manifesto diante dos Anjos, dos homens e dos demônios.

   No Juízo Final, Deus premiará publicamente os que praticaram a virtude e castigará os réprobos. Estará encerrado o tempo e só restará a eternidade…

Serão revelados nossos pensamentos, palavras, atos e omissões

   O Juízo Final é uma das principais verdades de nossa Fé, professada por nós a cada domingo, quando, no Símbolo dos Apóstolos, proclamamos que Jesus Cristo, descendo dos Céus, “há de vir a julgar os vivos e os mortos”.

   O grande São Tomás de Aquino, em seu famoso comentário ao Credo, explica com clarividência a razão deste acontecimento: “É função do rei e senhor julgar. ‘Um rei que se senta no tribunal dissipa todo o mal com o seu olhar’ (Pr 20, 8). Como Cristo subiu ao Céu e Se sentou à direita de Deus como Senhor de tudo, é manifesto que é sua a função de julgar. Por isso diz a regra da Fé Católica ‘há de vir a julgar os vivos e os mortos’”.

   Nessa vinda, ensina o IV Concílio de Latrão, Cristo “há de dar a cada um segundo as suas obras, tanto aos réprobos como aos eleitos, os quais ressuscitarão com os próprios corpos que agora levam, para receber segundo seus atos, se foram bons ou se foram maus; aqueles, com o diabo, o castigo eterno; e estes, com Cristo, a gloria sempiterna”.

   Para isso serão revelados aos olhos de todas as criaturas os mínimos atos, palavras, pensamentos e omissões, até mesmo aquilo que se tenha feito julgando estar só, tentando escapar do olhar de Deus, a quem não se engana, pois Ele é “Aquele que perscruta os corações” (Rm 8, 27). No Juízo Final, assevera o Catecismo da Igreja Católica, se “revelará, até às suas últimas consequências, o que cada um tiver feito ou deixado de fazer de bem durante a sua vida terrena”.

Cristo aparecerá como soberano Senhor

   Em sua primeira vinda, o Filho Unigênito de Deus veio pequenino, em nossa carne mortal, e escolheu para nascer uma cidade sem importância aos olhos dos homens: Belém de Judá (cf. Mt 2, 1). Ali foi posto num pobre Presépio e adorado apenas por Maria e José, e por humildes pastores.

O Juízo Final, por Fra Angélico,
cena pertencente ao “Armadio degli Argenti”

   Entretanto, a glória que Ele não quis fazer brilhar na Encarnação há de refulgir com esplendor em sua parúsia: “Depois de ter aparecido sob uma forma humilde e desprezível na sua primeira vinda – ‘aniquilou-se a Si mesmo, assumindo a condição de escravo’ (Fl 2, 7) –, aparecerá na última vinda como poderoso Rei e soberano Senhor”.

   Naquele grande dia “ficará claro para o mundo inteiro que Cristo é o Filho de Deus, Redentor da humanidade e Rei de Céus e terra”. E sua glória será contemplada pelos espíritos angélicos, bons e maus, pela humanidade de todos os tempos, justos e pecadores, a fim de que os que não creram n’Ele reconheçam seu poder e divindade.

Trombetas que anunciam a ressurreição da carne

   Difícil é fazermos ideia da grandeza do momento em que Cristo virá julgar “os vivos e os mortos”.

   Esta expressão, repetida quase maquinalmente ao se rezar o Credo, significa que, junto com os que ainda estiverem vivos, serão julgados os homens e as mulheres de todos os tempos: desde os nossos primeiros pais até o último que cruzar os umbrais da eternidade naquele então. E para que isso se dê, é preciso que ocorra antes a “ressurreição da carne”, outra das verdades contidas no Símbolo da nossa Fé.

   Vários são os motivos aferidos por São Tomás para justificá-la. Entre eles cabe mencionar a necessidade de fazer desaparecer em nós a tristeza e o medo diante da morte, e a exigência da identidade, ou seja, de que sejam os mesmos corpos que tivemos na terra os que nos acompanhem na outra vida, revestidos, porém, da incorruptibilidade, imortalidade e integridade, no que compete à perfeição da natureza humana.

   Ademais, acrescenta o Doutor Angélico, quando ressuscitados no último dia, os corpos dos bons devem acompanhar a glória de suas almas, possuindo claridade, agilidade, impassibilidade e sutileza, que são características do corpo glorioso. Já os corpos dos condenados tornar-se-ão obscuros, passíveis e pesados, por estarem suas almas encadeadas no inferno. Todavia, por serem também incorruptíveis e imortais, eles arderão sem se consumir e serão como que carnais.

   “A ressurreição dos justos e dos pecadores” (At 24, 15) será anunciada pelo famoso toque de clarim predito no Evangelho: “Ele enviará seus Anjos com estridentes trombetas, e juntarão seus escolhidos dos quatro ventos, duma extremidade do céu à outra” (Mt 24, 31).

   Seu som, no entanto, não virá de instrumentos terrestres ou celestiais. Será, segundo o Discípulo Amado, a própria voz de Cristo: “Vem a hora em que todos os que se acham nos sepulcros sairão deles ao som de sua voz” (Jo 5, 28). Ele dirá: “‘Levantai-vos, mortos, e vinde a juízo’. E imediatamente se produzirá o fato colossal da ressurreição da carne”.

A conveniência de um Juízo Universal

   Chegados a este ponto de nossa reflexão, bem caberia uma pergunta: se cada alma já foi julgada logo após a morte e recebeu a sentença inamovível decretada pelo Divino Juiz, quais seriam os motivos que levariam Deus a reunir todos os homens para o Juízo Final?

   Ao enumerar com clareza e precisão filosófica suas causas, o Pe. Royo Marín explica que este Juízo tem por finalidade manifestar três aspectos da divindade do Criador: sua sabedoria infinita, à qual nada escapa do que ocorre na consciência dos homens e na conduta das nações; sua providência admirável, que permitiu neste mundo tantas vezes a perseguição do inocente e o triunfo do culpado, para vexame deste e glória daquele; e, por fim, sua justiça divina, que restabelecerá a ordem, premiando a virtude e castigando o vício.

   A existência de um Juízo Universal é também necessária para ressaltar ante todo o orbe que Cristo é o Filho Unigênito de Deus, pois satanás o pôs em dúvida e o mundo constantemente o negou ao longo da História, levando autores espirituais a fazerem considerações como esta: “Não há atualmente no mundo pessoa mais desprezada do que Jesus Cristo; pois é injuriado tão continuamente e com tão desenfreada liberdade, como não o seria o mais vil dos homens. Eis porque o Senhor destinou um dia, no qual virá, com grande poder e majestade, a reivindicar sua honra”.

   Analisando-o, ainda, pelo prisma dos homens, o Juízo tem por objetivo justificar o inocente e declarar a maldade dos pecadores. Será um dia de confusão para aqueles que aparentavam ser corretos, mas em seu interior maquinavam a falsidade. “Então aparecerá a felicidade autêntica dos bons e a infelicidade irrevogável e merecida dos maus”, diz Santo Agostinho.

Dia de pena e terror; dia de regozijo e triunfo!

   O dia do Juízo, afirma Santo Afonso Maria de Ligório, “assim como será para os réprobos um dia de pena e de terror, será, ao contrário, para os escolhidos um dia de regozijo e triunfo; porque, então, à vista de todos os homens, as suas beatas almas serão proclamadas rainhas do Paraíso e feitas esposas do Cordeiro imaculado. Oh! Que ventura experimentarão os Bem-aventurados, quando Jesus, voltando-Se para a direita, lhes disser: ‘Vinde, meus benditos filhos, vinde possuir o Reino dos Céus que vos foi preparado’ (Mt 25, 34)!”

   A Santa Catarina de Sena o próprio Deus revelou que quando seu Divino Filho vier para julgar, “as criaturas humanas estremecerão e Ele a cada um dará a sentença conforme o merecimento. Tua língua não consegue exprimir o que sucederá aos condenados. Para os bons, Jesus será motivo de temor santo e alegria imensa”.

   Além dos gozos que trarão as qualidades do corpo glorioso para os Bem-aventurados, também os sentidos serão deleitados. E, mais do que isso, o convívio entre os Santos será motivo de grande felicidade, como Deus mesmo declarou ainda a Santa Catarina de Sena: “Não penses que a felicidade celeste seja apenas individual. Não! Ela é participada por todos os cidadãos da Pátria, homens e Anjos. Quando chega alguém à vida eterna, todos sentem sua felicidade, da mesma forma como ele participa do prazer de todos”.

   Para os condenados, ao contrário, tudo será dor e sofrimento. O fato de ressuscitarem com seus corpos íntegros não lhes será nenhum prêmio, e sim motivo de castigo, pois se tivessem um membro a menos seria um sofrimento menor. Ademais, diante do Filho de Deus os precitos “sentirão grande vergonha. Também diante dos Santos. O remorso martirizará a profundidade do seu ser, quero dizer, a alma; mas também o corpo”.

Triunfo perene do Cordeiro imolado

   Quando chegue o tempo em que devam suceder estes espetaculares acontecimentos, será o momento da vitória de Deus e do Cordeiro, profetizado no Apocalipse: “Tu és digno de receber o livro e de abrir-lhe os selos, porque foste imolado e resgataste para Deus, ao preço de teu sangue, homens de toda tribo, língua, povo e raça” (5, 9).

   Então o demônio, o grande derrotado da História, será lançado com seus sequazes nas chamas eternas do inferno, onde o triunfo perene do Cordeiro e dos Bem-aventurados causar-lhes-á ainda maior sofrimento e terror.

   As Igrejas militante e padecente fundir-se-ão com a Igreja triunfante, participando do seu esplendor, pompa e majestade. E os Bem-aventurados cantarão em coro: “Digno é o Cordeiro imolado de receber o poder, a riqueza, a sabedoria, a força, a glória, a honra e o louvor. E todas as criaturas que estão no Céu, na terra, debaixo da terra e no mar, e tudo que contêm, eu as ouvi clamar: Àquele que Se assenta no trono e ao Cordeiro, louvor, honra, glória e poder pelos séculos dos séculos” (Ap 5, 12-13).

   Na preparação para o Natal que logo iniciaremos, com a chegada do Advento, tenhamos este panorama grandioso em nossas mentes e em nosso coração, para fazermos firmes propósitos de abraçar a santidade. E quando contemplarmos o Menino Jesus nascido pobrezinho na gruta fria, lembremo-nos das palavras do Padre Eterno: “Naquela ocasião, ocultei n’Ele o meu poder e permiti que suportasse penas e dores como Homem. A natureza divina se unira à humana e foi enquanto Homem que sofreu para reparar vossas culpas. No Juízo Final, não será assim, pois virá com poder a fim de julgar”. (Revista Arautos do Evangelho, Novembro/2017, n. 191, pp. 16 a 19)

1 GHÉON, Henri. O Cura d’Ars. 2.ed. São Paulo: Quadrante, 1998, p.37.

2 Dz 125.

3 SÃO TOMÁS DE AQUINO. In Symbolum Apostolorum, a.VII.

4 Dz 801.

5 CCE 1039.

6 THIRIET, Julien. Explication des Évangiles des dimanches. Hong-Kong: Société des

Missions Étrangères, 1920, t.I, p.5.

7 ROYO MARÍN, OP, Antonio. Teología de la salvación. 4.ed. Madrid: BAC, 1997, p.562.

8 SÃO TOMÁS DE AQUINO, op. cit., a.XI.

9 Cf. Idem, ibidem.
10 ROYO MARÍN, OP, Anto-

nio. El misterio del más allá. 5.ed. Sevilla: Apostolado Mariano, 2005, p.80.

11 Cf. ROYO MARÍN, Teología de la salvación, op. cit., p.562.

12 CRISTINI, CSsR, Thia-
go Maria (Org.). Meditações para todos os dias e festas do ano, tiradas das obras ascé- ticas de Santo Afonso Ma- ria de Ligório. Friburgo em Brisgau: Herder & Cia, 1921, t.I, p.7.

13 SANTO AGOSTINHO. De Civitate Dei. L.XX, c.1, n.2. In: Obras. Madrid: BAC, 1958, v.XVII, p.1440.

14 SANTO AFONSO MARIA DE LIGÓRIO. Obras ascé- ticas. In: CRISTINI, op. cit., p.8-9.

15 SANTA CATARINA DE SENA. O diálogo, 14.3.3. 8.ed. São Paulo: Paulus, 2004, p.93.

16 Idem, 14.4, p.95.
17 Idem, 14.5, p.98. 18 Idem, 14.3.3, p.93.

 

 
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