Ave singela e corriqueira na aparência, o quero-quero evoca, à luz da fé, a combatividade de uma mãe capaz de enfrentar todos os sofrimentos, lutas e perigos para
defender o seu amado filho.
A cena era singular: pela estrada retilínea andava pacatamente um casal de pássaros de plumagem cinzenta, junto com seu pequenino filhote. Este ia à frente, como a indicar o caminho, e os pais o seguiam. A certa altura, as três aves se detiveram, talvez para recobrar as energias, e a fêmea, aproximando-se da cria, cobriu-a com ambas as asas, à maneira da galinha com os pintainhos. O macho manteve-se em postura de alerta, atento a tudo quanto se passava ao redor.
O curioso trio permaneceu quase imóvel por alguns minutos, suficientes para quem o observava perceber que se tratava de uma família de Vanellus chilensis, os populares
quero-queros, assim denominados pela onomatopeia do seu estridente grito. Tudo convidava a analisar com mais vagar esta ave tão comum quanto pouco valorizada, pois em geral as pessoas só se dão conta de sua existência quando incomodadas pelos seus persistentes grasnados… O fruto da breve reflexão proporcionada pela pitoresca cena, ofereço-o aqui ao leitor.
Como todas as obras saídas das mãos do Altíssimo, também este pássaro foi criado em função de um princípio divino de sabedoria, sendo capaz, enquanto símbolo, de ensinar aos homens uma verdade que muitas vezes custamos a compreender.
Ele possui um quê de águia, mas, por assim dizer, um tanto aburguesada, pois prefere os campos aos cumes das montanhas e penetra com facilidade nos ambientes urbanos, escolhendo por habitat locais planos e abertos como gramados e jardins. Por outro lado, vê-se nele algo da delicadeza do colibri, seja na mescla elegante das cores de suas penas, seja no bico pontudo e retilíneo ou mesmo no penacho negro na parte posterior da cabeça, que lhe confere uma inconfundível nota de charme e leveza.
Mas os quero-queros se caracterizam, sobretudo, por serem defensores enérgicos de seus ninhos, ameaçando e enfrentando qualquer animal ou pessoa que se aventure a ultrapassar os limites de seu território. Tanto os ovos quanto os filhotes sempre estão sob a guarda vigilante da mãe ou do pai que, ao menor sinal de perigo, emite o ruidoso alarme, o qual de si basta para afugentar os intrusos desavisados. Quando se trata de autênticos predadores, que não se assustam com os gritos, o quero-quero os
rechaça com voos rasantes e direcionados.
Como se vê, esta espécie vive apenas em função de seu ninho e de seus rebentos. Assim, ela é uma excelente representação do amor materno, disposto a tudo pela prole, seja ela numerosa, seja ela composta por um único filho.
Ademais, esta ave possui esporões na dobra das asas que lhe dão um ar de agressividade, sendo usados como armas de ataque e de defesa. Expressiva figura à qual não é difícil associar a capacidade materna de ferir e destruir a jactância inimiga: “A bênção paterna fortalece a casa de seus filhos, a maldição de uma mãe a arrasa até os alicerces” (Eclo 3, 11).
Sintetizando esses aspectos, o quero-quero se apresenta aos nossos olhos como símbolo da beligerância materna, do ódio de uma mãe, capaz de enfrentar todos os sofrimentos, lutas e perigos para impedir que o seu filho seja alvo de algum ataque. Ora, sabemos que, com o pecado original, “a criação ficou sujeita à vaidade” (Rm 8, 20) e aguarda ansiosamente, gemendo, a manifestação dos filhos de Deus. Portanto, nossas considerações não seriam completas sem imaginarmos como seria o canto do
quero-quero no Paraíso e como será no Reino de Maria.
Talvez antes da queda de Adão ele se assemelhasse a uma empolgante melodia de guerra, própria a despertar na alma de quem o ouvia os melhores élans de arrojo e heroís mo… E quando os efeitos da Redenção atingirem a natureza criada com uma força ainda maior, a ponto de as pedras se tornarem mais belas, as árvores mais elegantes, os animais mais graciosos, os homens mais santos, os Anjos mais sublimes e a graça mais abundante, qual será o papel do nosso singelo quero-quero?
Quiçá seu canto, vigoroso, harmonioso e claríssimo, ao ecoar pelos ares, faça lembrar aos homens as torrentes de amor que do Imaculado Coração de Maria ter-se-ão derramado sobre o mundo, dando origem a uma era de maravilhas. Ele simbolizará, em suma, o afeto pertinaz e inesgotável d’Aquela que, sendo a Mãe por excelência, é “temível como um exército em ordem de batalha” (Ct 6, 4) na defesa de seu Divino Filho e de todos aqueles que, por Ele próprio, foram-Lhe entregues aos pés da Cruz. (Revista Arautos do Evangelho, Janeiro/2020, n. 217, p. 50-51).