De que se ocupava a Sagrada Família? Que faziam seus membros no dia a dia? Rezavam muito e com toda a alma, trabalhava a consciência, não tanto para atender às necessidades de cada dia, como para glorificar a Deus, pela perfeita submissão à sua Lei; além disso, amavam intensamente a Deus, que era o fim de todos os seus pensamentos, de todos os seus esforços, de todas as suas aspirações; amavam-se todos mutuamente, com um amor cheio de desinteresse e de abnegação; amavam a todos os homens, próximos ou distantes, cuja salvação era desejo de cada um dos membros da Sagrada Família.
De que maneira a família humana pode aproximar-se desse ideal realizado pela Sagrada Família? De que maneira a oração – oração que era como que a respiração normal da Sagrada família – recuperará seu lugar na família humana? Pensemos no grande número de famílias que perderam a fé; umas soçobraram no materialismo e na busca dos gozos; outras, mantidas ainda por um resto de ideal humano, se conservam em uma atitude moral que muitas vezes só se inspira no orgulho. De umas e de outras Deus está praticamente excluído. Nem sequer se dão ao trabalho de negá-lo: desconhecem-no, o que é muito pior.
Pensemos também no considerável número de famílias chamadas cristãs, assim referidas porque seus membros se submeteram às formalidades do batismo, da primeira Eucaristia, do matrimônio sacramental, do sepultamento religioso, porém que perderam a fé. Nelas ninguém há que se preocupe com a glória de Deus, com a vinda de seu Reino, com a oração; se, casualmente, algum de seus membros é fiel às práticas religiosas, em quantas dessas famílias subsiste a oração em comum, expressão de um mesmo espírito, e de uma aspiração coletiva? O individualismo, que é uma praga dos dias atuais, invadiu a vida espiritual, assim como a vida social e familiar. “Cada um para si e por si”, é o lema inconsciente da maior parte dos homens, e isso ainda em presença de Deus. O dogma da comunhão dos santos parece ser apenas uma desconhecida parte do texto do Credo, sem aplicação prática à vida. E, no entanto, não prometeu Nosso Senhor que onde duas almas se reunissem para rezar em seu nome ele ali estaria em meio delas?
Logo, voltar à vida em comum é um dos esforços que se impõem a todos os cristãos. Porventura não se esforça a Igreja, para obter os mesmos fins, em despertar o sentido litúrgico entre os fiéis para que se realize o pedido feito por Nosso Senhor a seu Pai celestial, “que todos sejam um”.
Porém, como restaurar a oração em comum – que foi a alma e a força da Sagrada Família – em nossa própria família? Se for verdade, em relação à sociedade temporal, que a família é a célula social, assim também o é em relação à sociedade espiritual, que é a Igreja. Logo, é fundamental que por todos os meios que estejam a nosso alcance avivemos e encorajemos o espírito de família, porém não aquele que resulta de uma associação de interesses e de afetos e que se pode definir como “um egoísmo de muitos”, mas o que era o da singular família de Nazaré, espírito que une e funde as almas para oferecê-las todas reunidas e com uma mesma aspiração a Deus, para a salvação da totalidade dos homens.
Cada um deve pedir a Deus que faça reviver em todos os corações esse espírito de família. Porém, como é bem sabido, Deus não nos concede seu auxílio senão quando, de nossa parte, fazemos todos os esforços possíveis. Cuidemos, pois, ao mesmo tempo em que rezamos, para que renasça e se propague o verdadeiro espírito cristão da família a fim de que se sustentem e se desenvolvam todas as instituições espirituais e sociais que existem em torno de nós e que tendem a restaurar, a elevar e a reconstruir os lares cristãos. Essas obras são os instrumentos que Deus põe à nossa disposição e quer que nos sirvamos deles. Procuremos, pois, conhecê-las, a elas aderindo, e rezemos para que se convertam em instrumentos cada dia mais perfeitos do serviço de Deus.
Porém nem todas as ocupações da Sagrada Família consistiam em rezar. Sua vida era eminentemente ativa, e cada um de seus membros trabalhava segundo sua vocação: São José e Nosso Senhor trabalhavam na oficina, da qual todos viviam; a Santíssima Virgem cuidava das múltiplas ocupações domésticas, que se impunham a toda mãe de família.
Portanto, o caso da Sagrada Família era exatamente o da imensa maioria das famílias atuais. Mas, como se vê com frequência, o trabalho é considerado com uma pesada carga contra a qual se queixa, procurando-se dela se livrar com o menor esforço possível, mas em Nazaré era ele recebido com gosto, como um meio de ser agradável a Deus.
Alguém objetará que, em muitas famílias, se trabalha intensamente, mas nesses casos não vemos como o trabalho absorve todos os momentos, todos os pensamentos? Trabalhar cada dia mais, para ganhar mais, a fim de satisfazer mais largamente as necessidades sempre crescentes da existência: tal parece ser a única aspiração de um grande número de nossos contemporâneos. Porém ainda assim o trabalho corajosamente aceito e cumprido não deixa de ser considerado de uma maneira puramente humana e como um mal necessário. Para a Sagrada Família, diferentemente, o trabalho era um bem precioso, pelo qual dava sem cessar graças a Deus, pois por ele se rendia ao Senhor a homenagem de uma inteira e prazerosa obediência. Por acaso não foi Deus quem instituiu a lei do trabalho, a que é obrigado todo ser humano? Ao mesmo tempo os esforços e as fadigas, os cuidados e as inquietudes – que todo trabalho carrega – eram aos olhos da Sagrada Família um sacrifício de suave odor que podia ser oferecido a Deus em reparação pelos pecados do mundo.
Dessa forma, em Nazaré o trabalho tinha muito menos por objeto a vida material, que devia assegurar, que a glória de Deus, que havia de promover. Daí se conclui que se trabalhava com amor, com gozo, com uma consciência rigorosa. Aplainar uma madeira e varrer a humilde morada eram atos de amor que, aos olhos de Deus, podiam ser tão santos como a mais sublime contemplação, e que se podiam fazer com o mesmo fervor, com o mesmo desejo absoluto de perfeição.
Se queremos que nossa sociedade moderna não naufrague na anarquia e na rebelião, é imperioso guiá-las rumo a essa concepção do trabalho, pois o labor suportado por necessidade suscita no coração do homem o rancor, o ódio e a rebeldia, e o trabalho animado apenas pelo espírito de luta fomenta o egoísmo e o orgulho, que são o princípio da anarquia.
Esforcemo-nos, pois, para que a lei do trabalho seja, em todas as famílias, compreendida e aceita como a Lei de Deus. Assim o trabalho se converterá em outra oração, e não menos agradável a Deus. Então também recuperará, aos olhos de todos, sua grandeza e sua dignidade, e será novamente, para o homem, uma fonte de força e de gozo.
Porém não nos esqueçamos de que o trabalho é, e deve ser, o meio para que cada um de nós assegure sua vida material e a de seus familiares: em nossa sociedade moderna, infelizmente nem sempre é assim. Deus quer que nos ajudemos mutuamente, se queremos que ele nos ajude. Logo, não nos afastemos das obras sociais, que se esforçam em suavizar os desagradáveis efeitos de certos desníveis e em assegurar a todos o mínimo de bem estar, sem o qual o homem não é mais que uma pobre máquina, que anda ofegante sob o esforço. Mais ainda, entremos todos nesse grande movimento familiar que por si só poderá devolver à família sua dignidade e sua influência social e, ao mesmo tempo, ser o fundamento de sua prosperidade material.
Para que se realizem essas grandes e indispensáveis reformas é necessário que se produza no seio de cada família, e entre todas as famílias, aquela união de espíritos e de corações que tem sua origem na caridade, no amor. Que entre os membros de cada família, e entre todas as famílias, reine o amor. É uma das intenções dos esforços e dos sacrifícios que temos de oferecer a Nosso Senhor em favor da família.
E, neste ponto, a Sagrada Família nos mostra novamente o caminho: que haja amor entre os que a compõem, porém não aquele sentimentalismo desordenado que impropriamente chamamos de amor quando não é mais que debilidade, se não for egoísmo.
Amar é querer bem àqueles a quem amamos. Não consiste o bem de cada um de nós cumprir a vontade de Deus? Muito bem o sabiam os componentes da Sagrada Família, em Nazaré; seus corações, através da ternura humana que os unia, tendiam em primeiro lugar a esse fim supremo: fazer a vontade de Deus. A autoridade, em São José, era firme e doce, humildemente respeitosa para com os direitos de Deus. A obediência da Santíssima Virgem a São José era completa, afetuosa e alegre, porque era como uma manifestação palpável da submissão à vontade de Deus, e em nada diminuía a autoridade maternal, tão segura e tranquila que sabia exercer sobre o filho que o Senhor lhe havia confiado. E, por sua vez, o filho, na submissão tão perfeita aos pais, em sua docilidade de espírito e de coração a todos os ensinamentos que lhe davam, na sua simplicidade e na sua humildade dava provas antes de tudo, de seu amor ao Pai Celestial, cuja vontade reconhecia nessa instituição familiar e social, em cujo seio havia vindo encarnar-se.
A família cristã deve, pois, procurar recuperar tal sentimento de amor e de fidelidade a Deus, o que a ajudará a seguir os passos da Sagrada Família e, ao mesmo tempo, assegurará entre todos os seus membros a união de almas e de corações, estabelecendo entre eles o amor.
Porém a Sagrada Família não se encerrava egoisticamente em si. Na cidade de Nazaré era a providência visível de todos os fracos, de todos os humildes. Se as orações tão fervorosas da Sagrada Família, se seu trabalho tão constante e tãoperfeito era sem cessar oferecido a Deus em espírito de reparação pelos pecados dos homens e pela salvação de todos, era possível que ignorasse os que sofriam ou estavam desencaminhados? O amor fraterno mais compassivo e mais solícito regulava todas as relações da Sagrada Família com os que a cercavam.
Peçamos a Deus que avive, no seio de todas as famílias humanas, tal caridade fraterna. Dissemos, a propósito da oração, que o individualismo domina em todas as partes, na família e na sociedade, e o individualismo é a negação de toda verdadeira caridade. Logo, não há outro ponto no qual tenhamos de insistir tanto em nossas orações. Porém evitemos nos contentar com orações, que seriam vãs se nossos atos não as acompanhassem.
Saibamos dar exemplo desse amor, que queremos que reine nos corações. Vamos dar esse exemplo em nossa própria família, praticando com amor todas as virtudes familiares, e até mesmo fora de casa, evitando com cuidado todas as críticas, todas as murmurações, que com tanta frequência são causa de divisões entre as famílias. Pelo contrário, sejamos pacíficos, sejamos daqueles que fomentam a paz, que adoçam os espíritos, que extinguem as desavenças e que aproximam os corações. Para isso, que melhor meio há a não ser estabelecer em todos os indivíduos e entre todas as famílias um ponto de inteligência, um princípio de união?
Ainda desconhecemos muito a força e a eficácia do princípio de associação. Agimos separadamente, e, desta forma, nossas melhores intenções reduzem-se à impotência. Promovamos, pois, em nós, e propaguemos em torno de nós, esse importante espírito de associação que é – não nos esqueçamos – o mesmo espírito da religião e a essência do catolicismo. Não tenhamos receio de nos associar a todos os esforços sinceros. Nunca digamos, em presença de uma obra cristã que tende à união, ao esforço comum, que “isso não me interessa”. E, naquelas obras das quais fazemos parte, não busquemos tanto o que podemos tirar em proveito próprio, como o que podemos a ela acrescentar, o que podemos dar de nós mesmos.
Tal há de ser nosso programa de oração e de ação. Tomemos isso muito a sério. A instituição familiar está em perigo, e com ela toda a sociedade. Talvez dependa de nós, do fervor de nossas orações, da sinceridade e da intensidade de nossos esforços, que Deus se compadeça das necessidades prementes de nossa tão perturbada época. Por dez justos promete Deus perdoar a Sodoma e Gomorra: que não concederá então a quem, não se contentando com apenas rezar, se esforça em realizar em si próprio, e nos que o cercam, aquilo que pede?
Saibamos rezar, trabalhar e amar, segundo o que foi exposto, e sem dúvida alguma Deus concederá à família as graças eficazes que poderão salvá-la.
(Adaptado do texto de J. Viollet, em Repertorio Universal del Predicador, tomo XIX, pag. 191-196, Editorial Liturgica Española, Barcelona, 1933).