No dia 2 de fevereiro, a Santa Igreja celebra, com amor e reluzimento, o mistério da Apresentação de Jesus. É uma festa de luz, que dá origem, em sua liturgia, à bênção das velas, pois, simbolicamente, é a primeira vez que Cristo, a Luz do Mundo, entra no Templo, o lugar dedicado a Deus por excelência. Neste dia, o pequenino Jesus, com apenas 40 dias de vida, nos dá uma aula de resignação, ensinando ao mais velhos dos homens como se comportar perante o sofrimento.
Era de praxe, na religião hebreia, que os meninos fossem circuncidados 40 dias após o seu nascimento. Tal prática está fundamentada ainda no Genesis, na fuga do povo hebreu do Egito, e transformada em legislação no Deuteronômio. A rito da circuncisão simbolizava a purificação através do sofrimento que cada ser humano deveria viver. De escravos da carne, eram libertos só depois de atravessar o mar vermelho.
São José e Nossa Senhora, como bons praticantes da religião antiga que eram, apesar de saberem que seu Divino Filho não precisava de uma purificação, pois não carregava o pecado, levaram-no para o ritual. Tal posição de alma era afirmada também por Cristo, que não se negou a passar pela circuncisão. Afinal, como está descrito nas cartas de São Paulo: “Cristo, em sua condição Divina, não se negou a assumir tudo o que era humano”.
O Evangelho de Lucas é o mais completo quando fala sobre a infância de Jesus. Nele lemos que os Sagrados Esposos levaram seu Filho ao Templo junto da oferenda, duas pombinhas. São Lucas nos confidencia que era a oferenda mais simples, dos mais pobres, pois os mais abastados costumam levar dois bezerrinhos. É, mais uma vez, Jesus que assume a pobreza humana, sem escondê-la, para nos fazer ricos da graça de Deus.
Um pequenino, com 40 dias de vida, não tinha consciência do que se passava. Mas não era o caso de Cristo que, dado a sua divindade, possuía consciência e entendimento desde o ventre materno. Ele não a manifestava através de palavras ou gestos, pois respeitava o desenvolvimento humano. Mas quem cruzava olhares com o bebê, se tinha fé, podia ver a divindade escondida.
E foi assim que Simeão, o velho sacerdote do Templo naquele dia, que havia, há muitos anos, recebido a promessa de que não morreria sem ver o Salvador, reconheceu que sua hora havia chegado. Quando toma Jesus nos braços, enxerga o seu Criador, e, depois de circuncidá-lo, brada: “Agora podeis me levar em paz, Senhor, pois meus olhos virão a vossa salvação”.
Também Ana, uma profetisa que lá estava, recebeu o prêmio pela sua constância na fé. Teve em seus braços o autor da vida, e recebeu do Menino todas as consolações pelo seu esforço diante da vida difícil que levara.
Precisamos lembrar dois conceitos muito importantes sobre o Divino Menino: o primeiro era sua abstinência e incompatibilidade com o pecado. Ele não precisava, em absoluto, da circuncisão; era um sofrimento que não devia ser aplicado a Ele que não precisava de uma purificação.
Mesmo assim, Cristo e seus pais, através do silêncio e da oração, concordaram que Ele devia ir ao Templo, pois era o início de sua missão. Mesmo nascendo numa manjedoura, passando frio e fome, ainda não havia sido tocado em sua carne; com a apresentação, Jesus verte a primeira gota de sangue por nós.
E isso nos leva ao segundo conceito: Cristo é Deus. Um oferecimento seu é infinito, pois tudo o que lhe concerne é divino. Assim, ao girar uma maçaneta, se Ele oferecesse ao Pai pela remissão de nossos pecados, Cristo teria realizado a redenção.
Por que, então, Jesus quis morrer, e morte de Cruz? E se Ele sabia que iria padecer um tão ardente suplício, por que ainda quis sofrer na circuncisão? Já que verteu suas primeiras gotas de sangue, por que aí já não redimiu o gênero humano? A pergunta verdadeira que queremos fazer é: por que tanto sofrimento? O que é a virtude da resignação dentro deste mistério?
Dr. Plinio, em um de seus colóquios ao terminar uma palestra, dizia: “Trabalhar, todos trabalham. Rezar, alguns rezam. Sofrer, ninguém quer”. Esta fala ilustra bem a festa da apresentação de Jesus. Mesmo podendo encurtar sua missão aqui na Terra, Cristo não o fez. Aceitou a dor da circuncisão, como aceitaria anos mais tarde a dor da cruz. Ele não precisava, mas queria nos ensinar uma lição de resignação.
O ser humano, devido ao pecado de Adão, carrega em si um estigma enorme: o pecado original. Ele nos corrompe, ele nos desorganiza, ele nos bagunça. Assumimos como que um estado de pedra bruta: somos desrespeitosos, rudes, egoístas e interesseiros. A nossa luz está apagada, está escondida.
Deus, porém, vem em nosso socorro. Ele sabe que o único jeito de nos fazer brilhar de novo é através de um polimento. O divino esmeril, portanto, é o sofrimento. Ele apara nossa casca, ajeita nossas arestas, nos dá a capacidade de reflexo que só uma pedra polida, multifacetada, possui.
É por isso que todos nós temos como que uma cota de sofrimento nesta vida. E dela só sabemos duas coisas: que é desigual, e que não podemos escapar. Quando corremos do sofrimento, ele nos persegue como uma sombra. E, quando pensamos ter escapado de suas garras, sofremos pelo fato de fugirmos do sofrimento. Ele é inevitável.
Cristo, em sua humanidade, nos ensinou a lidar com a dor. Ele, sofrendo como nós sofremos, abriu um caminho doce e sereno: a santa resignação. Não a passibilidade do covarde, do estoico, que procura fugir do sofrimento ao fugir das sensações; mas a força do herói, do guerreiro que olha o sofrimento e o abraça como Cristo abraçou a cruz.
E a consequência disso? O sofrimento, quando bem compreendido e bem aceito, traz a paz e a felicidade. É só pelo sepulcro escuro que encontramos a glória da ressurreição. Bem diz o ditado: “pela cruz, a Luz”. Ou ainda: “aquele que vence sem dor, triunfa sem glória”. Que, neste dia 02 de fevereiro, peçamos a Deus a virtude da resignação para imitarmos ainda mais nosso redentor.