Com seu característico murmurejar, as águas de um rio desfilam em elegante correnteza, ora cobrindo as grandes pedras que encontram pelo caminho, ora acompanhando com docilidade as sinuosidades do percurso. Por vezes rápidas e borbulhantes, morosas em outras ocasiões, elas avançam infatigáveis em direção ao seu fim último: o mar.
Dir-se-ia emanar a vida deste ser inanimado em constante movimento. Às suas margens vicejam delicada vegetação e frondosas árvores. Peixes de vários tipos pululam no seu leito, enquanto aves e quadrúpedes, das mais diversasespécies, se aproximam para se beneficiar de suas águas, tanto mais cristalinas quanto mais próximas da nascente.
Tímido e desconfiado, oculto entre as plantas, podemos ver um cervo. Diferente de outros animais, não se satisfaz com as águas barrentas de rios que já passaram por vales e montes. Ele corre atrás daquelas mais puras e límpidas: uma fonte que brota do solo e esguicha sua massa líquida sobre pedras lisas, um gélido regato nascido há pouco tempo da neve derretida, ou então uma linda cortina de prata escorrendo pela encosta de uma montanha rochosa.
Quem, como o cervo, não deseja encontrar uma fonte de água refrescante e transparente? Ela devolverá o alento ao viajante fatigado, alívio ao sedento e prazer a todos os que com ela se deparem, porque a água é sempre benfazeja. Ora, tudo isso pode ser elevado à esfera espiritual, pois, acaso não é Jesus a fonte inexaurível de água viva, para a qual corre o cervo do salmista? “Quemadmodum desiderat cervus ad fontes aquarum, ita desiderat anima mea ad te, Deus – Assim como o cervo busca a fonte das águas, minha alma suspira por Vós, ó meu Deus” (Sl 41, 2).
Os olhos interiores, diz Santo Agostinho, são capazes de ver esta fonte, e uma sede interior arde em nós, no desejo dela. Então aconselha: “Corre para a fonte, deseja a fonte. Mas não corras de qualquer modo, como qualquer animal. Corre como o cervo. Que significa ‘corre como o cervo’? Que não seja lenta a corrida; corre veloz, deseja logo a fonte”.1
A misericórdia de Jesus é infinita e eterna, pois anseia que a Ele acorramos para perdoar nossas faltas, em uma medida proporcional à sua própria incomensurabilidade, e nos saciar com a água viva da graça, a respeito da qual disse no Evangelho: “o que beber da água que Eu lhe der jamais terá sede” (Jo 4, 14).
Certo poeta comparou nossas vidas com “os rios que desembocam no mar, que é o morrer”.2 Quanto mais sejam elas alimentadas pela torrente impetuosa da graça divina tanto mais serão capazes de vencer os obstáculos que bloqueiam seu curso rumo à Jerusalém Celeste. A água viva de Cristo purifica as águas mais lodacentas, revigora os cursos estancados na lama, endereça os meandros da tibieza, desgasta e remove as mais duras e traiçoeiras pedras. Nosso Senhor Jesus Cristo é verdadeiramente o manancial da graça que vivifica os filhos de Deus, é a correnteza do amor infinito que veio ao mundo, para que todos “tenham vida e para que a tenham em abundância” (Jo 10, 10). ²
1 SANTO AGOSTINHO. Enarratio in Psalmum XLI, n.2. In: Obras. Madrid: BAC, 1965, v.XX, p.6.
2 MANRIQUE, Jorge. Coplas por la muerte de mi padre, n.3. In: Obra Completa. 13.ed. Madrid: Espasa-Calpe, 1979, p.116.