A Quaresma é um período de reflexão e conversão. Para melhor meditarmos no convite à conversão que este tempo litúrgico nos faz, relembramos aqui alguns pensamentos do falecido Papa Bento XVI, que deixou mensagens de significado profundo aos cristãos do mundo todo.
“Com a Quarta-feira de Cinzas iniciamos um novo caminho quaresmal, um caminho que se prolonga por quarenta dias e nos conduz à alegria da Páscoa do Senhor, à vitória da Vida sobre a morte. A Igreja propõe-nos o chamado que o profeta Joel dirige ao povo de Israel: ‘Assim diz o Senhor: retornai a mim de todo vosso coração, com jejum, com lágrimas e com lamentação'” (Joe 2,12).
“Portanto, fixemo-nos uns nos outros para estímulo da caridade e das boas obras pois diante do mal não devemos nos calar”. Segundo o falecido pontífice, a correção fraterna com vistas a salvação eterna caiu no esquecimento dos fiéis. “Somos geralmente muito sensíveis ao aspecto do cuidado e da caridade em relação ao bem físico e material dos demais, mas nos calamos quase por completo quanto à responsabilidade espiritual para com os irmãos”.
“Cristo mesmo nos manda repreender ao irmão que está cometendo um pecado. Diante do mal não podemos nos calar. Penso aqui na atitude daqueles cristãos que, por respeito humano ou por simples comodidade, se adequam a mentalidade comum, no lugar de por em guarda a seus irmãos acerca dos modos de pensar e de atuar que contradizem a verdade e não seguem o caminho do bem”.
“Sem embargo, o que anima a repreensão cristã nunca é um espírito de condenação ou recriminação; o que a move é sempre o amor e a misericórdia, e brota da verdadeira solicitude pelo bem do irmão”. Bento XVI ainda ressaltava que que “em nosso mundo impregnado de individualismo, é necessário que se redescubra a importância da correção fraterna, para caminhar juntos até a santidade”.
O Papa Bento XVI também comentava que a expressão litúrgica “de todo vosso coração” significa “do centro dos nossos pensamentos e sentimentos, das raízes das nossas decisões, escolhas e ações, com um gesto de total e radical liberdade”.
“Este retorno a Deus é possível”, afirmava o falecido Santo Padre “porque há uma força que não reside em nosso coração, mas que brota do coração do próprio Deus. É a força da sua misericórdia. O retorno ao Senhor é possível como graça, porque é obra de Deus e fruto da fé que nós repropomos em sua misericórdia”.
“O ‘retornai a mim de todo vosso coração’ é um chamado que envolve não somente o indivíduo, mas a comunidade. A dimensão comunitária é um elemento essencial na fé e na vida cristã. O ‘Nós’ da Igreja é a comunidade em que Jesus nos reúne: a fé é necessariamente eclesial”, sublinhava o pontífice. “E é importante recordar isso e vivê-lo neste Tempo de Quaresma: cada um tenha consciência de que o caminho penitencial não se faz sozinho, mas junto com tantos irmãos e irmãs, na Igreja”.
“O ‘retornar a Deus de todo coração’ em nosso caminho quaresmal passa pela Cruz, o seguir Cristo no caminho que leva ao Calvário, à doação total de si. É um caminho no qual aprender cada dia a sair sempre mais do nosso egoísmo e dos nossos fechamentos, para dar espaço a Deus que abre e transforma o coração. A esmola, a oração e o jejum são também indicações tradicionais no caminho quaresmal para responder ao convite a retornar a Deus de todo coração.”
“O nosso testemunho será sempre mais incisivo quanto menos buscarmos a nossa glória e termos consciência de que a recompensa do justo é o próprio Deus, o estar unido a Ele, aqui, no caminho da fé, e, ao término da vida, na paz e na luz do encontro face a face com Ele para sempre”.
Para Bento XVI, a Quaresma consistia não só num convite à conversão, mas também em um tempo para refletir sobre a caridade, “é um tempo propício para que, com a ajuda da Palavra de Deus e dos Sacramentos, renovemos nosso caminho de fé, tanto pessoal como comunitário. Se trata de um itinerário marcado pela oração e a ação, pelo silêncio e o jejum, à espera de viver a alegria pascal”.
“Diante de um mundo que exige dos cristãos um testemunho renovado de amor e fidelidade ao Senhor, todos sentem a urgência de colocar-se a agir na caridade, no serviço e nas boas obras. Esta chamada é especialmente intensa no tempo santo de preparação à Páscoa”, sublinhava. Portanto, em meio a um mundo egoísta, é necessário “fixar o olhar no outro, antes de tudo em Jesus, e estarmos atentos uns aos outros, não nos mostrarmos indiferentes a sorte dos irmãos”.
O Santo Padre recordava que o grande mandamento do amor ao próximo exige que tomemos consciência de que “temos uma responsabilidade sobre quem, como eu, é criatura e filho de Deus: o fato de ser irmãos em humanidade e, em muitos casos, também na fé, deve levar-nos a ver no outro a um verdadeiro alter ego, a quem o Senhor ama infinitamente”.
Bento XVI afirmava ainda que as pessoas devem superar os interesses e preocupações, para poder olhar ao outro: “nunca devemos ser incapazes de ‘ter misericórdia’ para com quem sofre; nossos problemas nunca devem absorver nosso coração até o ponto de nos fazermos surdos ao grito do pobre”. O falecido papa apresentava em troca “a humildade de coração e a experiência pessoal do sofrimento” podendo ser a fonte “de um despertar interior à compaixão e à empatia”.
“Uma sociedade como a atual pode chegar a ser surda, tanto diante dos sofrimentos físicos, como diante das exigências espirituais e morais da vida. Nas comunidades cristãs não deve ser assim”. O Pontífice se referiu também ao chamado pessoal à santidade que tem todo cristão, através da vivência do amor unido às boas obras para que a Igreja cresça e se desenvolva “para chegar a plenitude de Cristo”.
Para concluir esta recordação, lembremo-nos de que o falecido papa Bento XVI nunca terminava seus pronunciamentos sem um grande chamado: “Ressoe forte em nós o convite à conversão, a retornar a Deus de todo coração, acolhendo a sua graça que nos faz homens novos, com aquela surpreendente novidade que é participação da própria vida de Jesus”.