O Evangelho do 6º domingo do tempo comum contém uma homilia do próprio Cristo, ao comentar a Lei Mosaica, dada ao povo por ocasião de seu êxodo pelo deserto. Neste artigo, refletiremos sobre a ação de Jesus de relembrar as regras e convenções, colocando-as em sua devida proporção: se não houver integridade, mesmo os atos dentro da Lei ainda serão falhos e manchados.
“Naquele tempo, disse Jesus a seus discípulos: Não penseis que vim abolir a Lei e os Profetas. Não vim para abolir, mas para dar-lhes pleno cumprimento. Em verdade, eu vos digo: antes que o céu e a terra deixem de existir, nem uma só letra ou vírgula serão tiradas da Lei, sem que tudo se cumpra.
Portanto, quem desobedecer a um só destes mandamentos, por menor que seja, e ensinar os outros a fazerem o mesmo, será considerado o menor no Reino dos Céus. Porém, quem os praticar e ensinar será considerado grande no Reino dos Céus.
Porque eu vos digo: Se a vossa justiça não for maior que a justiça dos mestres da Lei e dos fariseus, vós não entrareis no Reino dos Céus.
Vós ouvistes o que foi dito aos antigos: ‘Não matarás! Quem matar será condenado pelo tribunal’. Eu, porém, vos digo: todo aquele que se encoleriza com seu irmão será réu em juízo; quem disser ao seu irmão: ‘patife!’ será condenado pelo tribunal; quem chamar o irmão de ‘tolo’ será condenado ao fogo do inferno.
Portanto, quando tu estiveres levando a tua oferta para o altar, e ali te lembrares que teu irmão tem alguma coisa contra ti, deixa a tua oferta ali diante do altar, e vai primeiro reconciliar-te com o teu irmão. Só então vai apresentar a tua oferta.
Procura reconciliar-te com teu adversário, enquanto caminha contigo para o tribunal. Senão o adversário te entregará ao juiz, o juiz te entregará ao oficial de justiça, e tu serás jogado na prisão. Em verdade eu te digo: dali não sairás, enquanto não pagares o último centavo.
Ouvistes o que foi dito: ‘Não cometerás adultério’. Eu, porém, vos digo: Todo aquele que olhar para uma mulher, com o desejo de possuí-la, já cometeu adultério com ela no seu coração.
Se o teu olho direito é para ti ocasião de pecado, arranca-o e joga-o para longe de ti! De fato, é melhor perder um de teus membros, do que todo o teu corpo ser jogado no inferno. Se a tua mão direita é para ti ocasião de pecado, corta-a e joga-a para longe de ti! De fato, é melhor perder um dos teus membros, do que todo o teu corpo ir para o inferno.
Foi dito também: ‘Quem se divorciar de sua mulher, dê-lhe uma certidão de divórcio’. Eu, porém, vos digo: Todo aquele que se divorcia de sua mulher, a não ser por motivo de união irregular, faz com que ela se torne adúltera; e quem se casa com a mulher divorciada comete adultério.
Vós ouvistes também o que foi dito aos antigos: ‘Não jurarás falso’, mas ‘cumprirás os teus juramentos feitos ao Senhor’. Eu, porém, vos digo: Não jureis de modo algum: nem pelo céu, porque é o trono de Deus; nem pela terra, porque é o suporte onde apoia os seus pés; nem por Jerusalém, porque é a cidade do Grande Rei. Não jures tão pouco pela tua cabeça, porque tu não podes tornar branco ou preto um só fio de cabelo. Seja o vosso ‘sim’: ‘Sim’, e o vosso ‘não’: ‘Não’. Tudo o que for além disso vem do Maligno”.
O evangelho do 6º domingo comum, em sua versão mais longa que foi apresentada, é autoexplicativo: aqui, é como se Cristo mesmo fizesse o sermão, pois toma elementos de leituras do Antigo Testamento e ensina ao povo com autoridade. Entretanto, diferente do que um pregador faz, que é explicitar as lições, aqui Jesus exerce seu poder de legislador e nos dá uma nova visão da Lei Eterna.
Os dez mandamentos, primeira Lei escrita que regeria o povo de Israel em sua movimentação pelo deserto, é fortemente vinculado à natureza humana. A sua prática possibilita e estimula o desenvolvimento físico, psicológico e espiritual. É o que nos diz Santo Agostinho em seu livro cidade de Deus: se houvesse um lugar onde todos praticassem, com honestidade, os 10 mandamentos, este local seria o mais feliz de todos, no mundo.
Assim, ao legislar no Antigo Testamento, Deus deu, em germe – ainda em fase de incubação, poderíamos falar – toda a Lei necessária para que um dia a humanidade a desenvolvesse melhor, e a aplicasse segundo as formas de governo e política que achassem mais adequadas. É por isso que sua Lei é Eterna, fundamento de todo código civil e penal que realmente procura o bem comum. Assim, Deus é o primeiro e soberano Legislador.
Se, portanto, a Lei inicial, os 10 mandamentos, são tão perfeitos, porque Cristo precisa, no Evangelho de hoje, do 6º domingo do tempo comum, alterar essas leis?
Jesus, em sua caminhada terrena, é o auge do Antigo Testamento. Sua vinda, sua Encarnação, completa a Lei que Deus instituiu na natureza. Só que Nosso Senhor vê, em sua época e na época de seus pais, que a Lei foi transformada num instrumento de perpetuação do mal. Seus desdobramentos e interpretações favoreciam apenas alguns, e os mantinham dominantes ao driblar suas convenções.
É por isso que Cristo, hoje, vem ressignificando a Lei de seu Pai, não para a alterar, mas para que a intenção do Legislador se cumpra. Ele, como juiz, bate o martelo na mesa para demostrar, sabiamente, o que a Lei rege, como Ela precisa ser cumprida. No final deste evangelho, Jesus proclama: “seja o vosso sim, sim, e o vosso não, não. Tudo que não for isto é do Maligno”. Ou seja, um meio termo, um pacto da Lei com os caprichos daqueles que a cumpre não é a vontade do Senhor.
Portanto, nas alocuções que Cristo usa no evangelho do 6º domingo do tempo comum, vemo-lo pedindo integridade. O pecado não está apenas no ato, nas palavras: mas nas intenções, nos pensamentos, nas reflexões. O crime não está em desrespeitar a quantidade de passos no sábado, mas sim entender porque esta norma é um desdobramento da Lei, segundo o entendimento de Deus, e por que tal norma foi ministrada. Este é o verdadeiro cumprimento da Lei, a verdadeira integridade.
Hoje em dia, muitas das prescrições normativas do Antigo Testamento já não servem para nós, cristãos. A Santa Igreja, respeitando a intenção do Legislador, as substituiu por outras que cumprem o mesmo princípio. Mas a Lei Eterna continua a vigorar pelos séculos e será assim até o fim dos tempos. Que Nossa Senhora nos dê discernimento para cumprir os regulamentos divinos, entender suas motivações, para que nossa vida seja verdadeiramente íntegra.