Quase tão antiga como o mundo, a arte musical sempre alegrou com suas harmonias a vida cotidiana dos homens. E a Santa Igreja, ciente do poder da música na formação das mentalidades, acolhe em sua liturgia tocantes melodias que cumulam de consolação e estimulam o fervor dos fiéis.
O grande Santo Agostinho testemunhou o relevante papel da música sacra em sua vida espiritual, sobretudo por ocasião das cerimônias litúrgicas presididas por Santo Ambrósio. Elas ajudaram o Doutor da Graça a encontrar o caminho da verdade: “Quanto chorei com teus hinos e cânticos, fortemente comovido com as vozes de tua Igreja, que suave cantava! Aquelas vozes penetravam em meus ouvidos e tua verdade se destilava em meu coração. Acendia-se o afeto de minha piedade, as lágrimas corriam-me pela face, mas me faziam bem”.
Esta poética recordação narrada nas Confissões tem fundamento teológico, pois, se as perfeições das criaturas captadas pelos nossos sentidos evocam a absoluta perfeição de Deus, também a boa música, ao penetrar em nossos ouvidos, desperta as tendências naturais pelas quais somos atraídos às sendas d’Aquele que é, em essência, “o Caminho, a Verdade
e a Vida” (Jo 14, 6). Como afirma o Prof. Plinio Corrêa de Oliveira, a música da Terra “é um reflexo da música do Céu Empíreo; esta, por sua vez, é um reflexo da música dos Anjos, a qual é um reflexo da harmonia interna e insondável das três Pessoas da Santíssima Trindade”.
Por esta razão, incentivados pela Constituição Sacrosanctum Concilium, empenham-se os Arautos do Evangelho em desenvolver “com diligência o patrimônio da música sacra”. 3 Dispõem, para tanto, de numerosas scholæ cantorum que muito contribuem para a eficácia de suas atividades evangelizadoras.
Modelo supremo de melodia
Sobre o relevante papel do canto gregoriano na liturgia, recordou-nos oportunamente João Paulo II: “No que diz respeito às composições musicais litúrgicas, faço minha a ‘regra geral’ que São Pio X formulava com estes termos: ‘Uma composição para a Igreja é tanto mais sacra e litúrgica quanto mais se aproxima – no andamento, na inspiração e no sabor – da melodia gregoriana, e tanto menos é digna do templo, quanto mais se reconhece diferente daquele modelo supremo'”.
Apresentação musical oferecida pelos alunos do Colégio Arautos do Evangelho aos seus pais e professores, em 12/5/2012 |
Neste canto magnífico, um literato francês convertido ao Catolicismo na idade adulta via um símile de mil maravilhas postas por Deus na ordem do universo, expressas em diversos campos da arte, como a arquitetura, a escultura, a pintura e a literatura. Deixou-nos dele um encantador e inesquecível elogio, em linhas nas quais transluz seu talento descritivo:
“Por vezes o canto gregoriano parece tomar emprestado do gótico suas nervuras floridas, suas flechas recortadas, suas rodas de gaze, seus triângulos de rendas leves e finas como vozes infantis. Ele passa, então, dum extremo ao outro, da amplidão das aflições ao infinito das alegrias. Outras vezes, tal como a escultura, o cantochão e a música cristã dele nascida dobram-se ao regozijo do povo. Associam-se às alegrias inocentes, aos risos esculpidos nos velhos pórticos. Assim como no cântico natalino Adeste fideles e no hino pascal O filii et filiae, tomam o ritmo popular das multidões. Fazem-se pequenos e familiares como os Evangelhos, submetem-se aos humildes desejos dos pobres e lhes proporcionam um arranjo festivo fácil de memorizar, um veículo melódico que os eleva às puras regiões onde suas cândidas almas se prostram aos pés do Cristo misericordioso.
“Criado pela Igreja, aprimorado por ela nas escolas musicais da Idade Média, o canto gregoriano é a paráfrase flutuante e móvel da imóvel estrutura das catedrais. Ele é a interpretação imaterial e fluida das telas dos pintores primitivos. É a tradução alada, e também a estrita e flexível estola, das prosas latinas compostas outrora por monges elevados, fora do tempo, em seus claustros”.
Ecoando a insondável grandeza dos mistérios divinos
Os Arautos do Evangelho servem-se também, e muito, da polifonia sacra. Ora com os vivos ritmos de Francisco Guerrero, ora com os piedosos acordes de Tomás Luis de Victoria ou as composições do mestre Giovanni Pierluigi da Palestrina, buscam eles a harmonia apropriada ao “espírito da ação litúrgica”.6 Pois, como gostava de afirmar a mais recente Doutora da Igreja, “a alma do homem tem também a harmonia no seu interior e assemelha-se a uma sinfonia”.
Ademais, a Constituição Sacrosanctum Concilium permite a utilização de instrumentos musicais no culto divino, contanto que “estejam adaptados ou sejam adaptáveis ao uso sacro, não desdigam da dignidade do templo e favoreçam realmente a edificação dos fiéis”.
Assim, os Arautos do Evangelho se valem largamente da música instrumental nas cerimônias litúrgicas. Com a execução de composições de conceituados autores como Bach, Mozart e Händel – as deste último com especial destaque -, querem eles, de alguma forma, ecoar a insondável grandeza dos mistérios celebrados na sagrada liturgia,
elevando os corações e instruindo os espíritos.
Pode a música aguçar a inteligência e acalmar os ânimos?
Os argumentos teológicos são de si suficientes para conferir à música papel relevante na formação dos jovens estudantes e seminaristas católicos. Entretanto, há mais. Diversas pesquisas promovidas por prestigiosas instituições universitárias chegaram à conclusão de que ela pode também colaborar eficazmente, no mero plano natural, para o desenvolvimento das faculdades intelectuais dos educandos.
Assim, por exemplo, um pesquisador da Universidade de Toronto, Canadá, realizou um estudo no qual se observou nas crianças que recebem aulas de música um coeficiente intelectual superior às demais.
De outro lado, estudiosos da Universidade de Hong Kong examinaram 90 crianças e adolescentes de seis a quinze anos, dos quais metade estava integrada em uma orquestra escolar há cerca de cinco anos, e concluíram que as aulas de música melhoram a memória e podem ser benéficas para os estudos. Segundo indicam, as crianças que deixavam a atividade musical ao cabo de um ano reduziam sua memória verbal em relação àquelas que continuavam, mas eram ainda superiores às que nunca tinham estudado música.
Sob um ponto de vista bem diverso, um grupo de especialistas da Universidade de Derby, na Inglaterra, chegou a um resultado curioso numa de suas pesquisas: é muito conveniente tocar música de Mozart enquanto as crianças estão trabalhando, pois está comprovado que ela as ajuda a aprender, sobretudo no estudo da matemática.
A música “harmoniza o nosso interior”
Muito mais valiosa, porém, é a benéfica influência por ela exercida no sentido de pôr em ordem as reações temperamentais de crianças, jovens e adultos. Porque a música, afirmou o Papa Bento XVI, “harmoniza nosso interior”.
No tocante à música sacra e mais especificamente ao gregoriano, o Prof. Plinio Corrêa de Oliveira ressalta um aspecto mais elevado de seus salutares efeitos: ela é “a cura” para quem tenha problemas psicológicos, nervosos: “uma pessoa que por muito tempo ouvisse este estilo de música, deixando-se influenciar por esta harmonia, seria introduzida no estado de equilíbrio perfeito”. Pois como ele observa, o gregoriano tem, por assim dizer, uma propriedade “ortopsíquica” para endireitar os desequilíbrios temperamentais.
Dóceis instrumentos do Divino Compositor
Assim, através do canto gregoriano, da polifonia sacra e da harmonização instrumental, os jovens estudantes Arautos do Evangelho buscam aprimorar o quanto possível sua formação intelectual e, sobretudo, aprofundar cada vez mais a real e verdadeira forma de oração, que consiste em elevar a mente a Deus. Como, aliás, recordava o então Cardeal Ratzinger, “quando o homem entra em contato com Deus, as palavras se tornam insuficientes”. 14 O canto nos une, nos arrasta, nos envolve, nos transforma e nos eleva ao Criador através da virtude da caridade. Por isso, bem observou Santo Agostinho: “Cantar é próprio de quem ama”.
Por intermédio de Maria Santíssima que, por certo, cantou melodias inefáveis na Gruta de Belém e no lar de Nazaré, para o encanto de seu castíssimo esposo e de seu Divino Filho, peçamos a Deus a graça de saber utilizar a arte musical para atingir a plenitude da santidade à qual somos chamados e, assim, sermos na Igreja “instrumentos” afinados, sonoros e perfeitos “para comunicar aos homens o pensamento do grande ‘Compositor’, cuja obra é a harmonia do universo”. (Revista Arautos do Evangelho, Novembro/2014, n. 155, pp. 21 a 23)