Na solenidade de todos os santos, celebramos a memória daqueles que foram fiéis ao Senhor, os que conhecemos e os que não, mas que mesmo assim marcaram a História com seu sangue, seu testemunho ou exemplo. Tendo milhares em sua corte celeste, hoje festejamos indiretamente a Deus por sua misericórdia de fazer homens como nós alcançarem tão heroicas atitudes. É por isso que a Santa Igreja, em sua Liturgia de todos os santos, traz o evangelho das bem-aventuranças, a fim de demostrar aos presentes quais foram as ações que fizeram destes nossos irmãos dignos do Céu.
E mesmo que as condições de época e de tempo em que Jesus viveu tenham mudado, a sua palavra eterna permanece e atravessa os séculos. Como, porém, adaptar estes conselhos evangélicos para a vida de todos os dias?
“Naquele tempo, vendo Jesus as multidões, subiu ao monte e sentou-se. Os discípulos aproximaram-se, e Jesus começou a ensiná-los:
‘Bem-aventurados os pobres em espírito, porque deles é o Reino dos Céus. Bem-aventurados os aflitos, porque serão consolados. Bem-aventurados os mansos, porque possuirão a terra. Bem-aventurados os que têm fome e sede de justiça, porque serão saciados. Bem-aventurados os misericordiosos, porque alcançarão misericórdia. Bem-aventurados os puros de coração, porque verão a Deus. Bem-aventurados os que promovem a paz, porque serão chamados filhos de Deus. Bem-aventurados os que são perseguidos por causa da justiça, porque deles é o Reino dos Céus!’
‘Bem-aventurados sois vós, quando vos injuriarem e perseguirem, e, mentindo, disserem todo tipo de mal contra vós, por causa de mim. Alegrai-vos e exultai, porque será grande a vossa recompensa nos céus’”.
Quando Cristo veio a terra, nascendo da Virgem em Belém, o seu povo padecia de uma servidão não muito voluntária. Apesar de terem pedido formalmente aos romanos que o ajudassem em sua guerra contra os pagãos, ao saírem vitoriosos, os grandes conquistadores latinos não abriram mão de seu prêmio. Por isso a Judeia era governada por um representante romano, e os hebreus pagavam impostos pela sua dominação. Assim, sem poder bélico, empobrecidos por uma guerra que custara muito de suas riquezas, o povo do messias suportava a realeza estrangeira.
E como desde o começo dos tempos, na aliança com Abraão, parecia aos intérpretes das Escrituras que Deus vinculara religião e política, pois prometera ao patriarca terras e leis próprias, os hebreus esperavam um Messias que os libertasse da dominação e instituísse um reinado forte, independente e muito rico. Essa era a ideia de bem-aventurança para os conterrâneos de Jesus.
É por isso que Herodes, ao saber do Messias prometido que nasceria em Belém, preparou um presente de sangue: seu enorme medo de que o Rei de Israel o derrubasse do trono o fez matar todos os meninos nascidos com menos de 2 anos. Porém, salvos por um anjo que anunciara a São José os planos do Maligno, o pequeno Cristo foi, no regaço de sua Mãe, refugiar-se no Egito.
Assim, na caminhada de Jesus, quando já estava na plenitude de sua idade, constantemente o vemos anunciar o contrário: de que seu Reino não é deste mundo, e que suas bem-aventuranças não são poder e riqueza, mas sim as que hoje proclama no famoso sermão da montanha, e que constitui a liturgia de todos os santos. Deixava bem claro, assim, o seu desejo para aqueles que viriam depois dele: acima de tudo humildade, pobreza, pureza, e um santo equilíbrio entre justiça e misericórdia que não pode faltar à alma santa.
Hoje, porém, não estamos mais sobre o reinado de nenhuma potestade. Não esperamos que nossa salvação venha da política, da riqueza, ou do domínio de um mais forte. Será?
Podemos não ter mais o império romano, mas não é verdade que muitas vezes a moda nos escraviza, e se não é pela nossa vaidade é por medo de virarmos motivos de chacota? Não nos oprimimos constantemente por desejar o que não temos, por invejar os que possuem mais, mesmo que saibamos que os seus métodos foram injustos e que nunca sabemos a hora de saborear a felicidade, pois nunca temos o suficiente?
Portanto, mesmo que em condições completamente diferentes, os preceitos de Jesus continuam mais atuais do que nunca. Para uns, será necessário a pobreza de espírito, o que significa não ser um miserável financeiramente, mas sim uma pessoa livre de apegos terrenos; para outros, a pureza de costumes e de coração será mais urgente, pois a alma, tão abarrotada de impurezas e nojeiras, não tem mais clareza de pensamento; enfim, para outros ainda, será mais necessário a misericórdia, ou para se perdoar e não desanimar na caminhada ou para julgar menos os outros e ser um pouco mais rigoroso consigo mesmo.
Que esta liturgia de todos os santos nos ensine a praticar cada vez mais as bem-aventuranças que Jesus nos pregou para alcançarmos o Céu; e quando estas nos forem difíceis, que também recorramos àquela que é Mãe de Misericórdia, que além de exemplo é amparo nosso, Maria Santíssima. Ela vai completar em nosso coração a obra de Deus com primor: basta pedirmos a Ela.