Neste tempo favorável para a nossa purificação, é necessário considerarmos o tempo que Deus nos concede para nossa conversão. Como um Pai amoroso, Ele espera; mas também quer de nós um retorno a sua casa. Neste artigo, Mons. João Clá, por ocasião do tempo litúrgico da quaresma, tece comentários sobre a conversão que cada um precisa atingir.
Por meio da consideração do universo, de modo especial sob o aspecto da beleza, pode o homem a todo momento reportar-se a Deus, vendo nas criaturas reflexos do Criador. Entretanto, muitos dos nossos contemporâneos vivem engajados em um ritmo de vida que os absorve por completo, dificultando-lhes tomar distância dos afazeres cotidianos e se deter, mesmo por alguns instantes, para admirar algo de nobre, elevado ou belo capaz de alçá-los à esfera sobrenatural.
Sendo Deus é sumamente comunicativo, não cessa, porém, de chamar todo homem a procurá-Lo para que viva e encontre a felicidade. Deseja entrar em contato conosco e tem por nós um amor gratuito, incomensurável e incondicional, que perdoa as infidelidades até o extremo de Nosso Senhor afirmar haver mais alegria no Céu pela conversão de um pecador do que pela perseverança de noventa e nove justos (Lc 15, 7).
Deus espera que nossa vocação um dia se torne realidade e serve-Se dos acontecimentos cotidianos para nos mover à conversão. Assim, ainda que alguém se encontre num estado de extrema infelicidade por ter cometido uma falta grave – ou, pior ainda, por ter abraçado decididamente as vias do mal – o Divino Juiz não Se apressa em punir o pecador. Ao contrário, aguarda pacientemente o momento adequado para reconduzir o filho pródigo à casa paterna.
Deus usa de longanimidade para conosco, conforme as palavras de São Pedro: “O Senhor pacientemente vos aguarda, não querendo que ninguém pereça senão que todos se arrependam” (II Pd 3, 9). Dá Ele tempo de sobra para a terra ser adubada e regada, ou seja, para as pessoas se converterem.
Contudo, os terríveis efeitos da Justiça divina apresentados também pelo mesmo Cristo convidam-nos a examinar a fundo nossa consciência, para saber se estamos cumprindo nossos deveres de cristão, assumidos no Batismo. O convite à conversão apresentado por esta passagem significa caminhar para a perfeição, excluindo qualquer apego ao pecado, pois o bem só poderá nascer de uma causa íntegra.
Estejamos, pois, conscientes da necessidade de uma contínua e autêntica conversão, uma vez que a busca de Deus exige do homem todo o empenho de sua inteligência e a retidão de sua vontade para corresponder à graça, sem a qual nada podemos fazer.
Aproveitemos, então, a quaresma para pedir a graça de romper inteiramente com o mal. Aquilo que Jesus esperava e até reclamava de Seu povo, tal qual transparece no Evangelho de hoje, é exatamente o que Ele quer de cada um de nós, neste tempo da Quaresma. Ou seja, uma grande virtude de penitência e espírito de compunção, necessários a todos os que não viveram uma perfeita inocência.
Essa dor dos próprios pecados, quando redunda numa contrição perfeita, produz belos e abundantes frutos, como a plena remissão de nossas culpas e das próprias penas temporais, e também um considerável aumento de graça santificante que faz a alma avançar rapidamente pelas sendas da santificação. Além de grande paz interior, essa contrição manterá a alma em estado de humildade, purificando-a e auxiliando-a a mortificar seus desordenados instintos. Aí está um ótimo meio para adquirir forças contra as tentações e garantir a perseverança na fidelidade aos Mandamentos.
Será que não nos move a alma o exemplo tão clamoroso da rejeição do povo eleito ao prazo que lhe dá o Salvador para seu arrependimento e conversão? Reagiremos nós da mesma forma ou imploraremos, por meio de Maria, esse verdadeiro dom de Deus, que é a contrição perfeita?
O fruto que Deus esperava e reclamava da Sua nação escolhida era a penitência e a fé; a penitência que chora as infidelidades e as faltas, a fé que aceita a palavra de vida e dá acesso ao Reino messiânico. Desde a primeira hora da Sua vida pública, Jesus não cessou de lembrar estes grandes deveres. Mas, afora alguns eleitos, nenhum responde; em lugar de bater no peito, os chefes religiosos não falam senão da sua justiça; em lugar de crer no Enviado, combatem-no, perseguem-no.
Mais uma vez, podemos nos perguntar: e nós, reagiremos da mesma forma? Ou tiraremos todo o proveito, não só desta Liturgia, mas de toda a Quaresma?