Fale conosco
 
 
Receba nossos boletins
 
 
 
Artigos


Plinio Corrêa de Oliveira


A arte da conversa
 
PUBLICADO POR ARAUTOS - 10/10/2019
 
Decrease Increase
Texto
Solo lectura
0
0
 
Seguindo o conselho de São Paulo Apóstolo, Dr. Plinio não perdia ocasião de fazer bem às almas. Por vezes, seus mínimos gestos procuravam ser um incentivo à prática da virtude. Porém, um dos maiores instrumentos de seu apostolado era a palavra. Vejamos como Dr. Plinio a utilizava para favorecer e edificar o próximo, e aprendamos nós com ele.

O tema sobre o qual passarei a tratar é um tanto fluído, dir-se-ia aquoso, no sentido de que ele nos escorre pelas mãos à maneira da água: pode-se nele penetrar ou dele se sair com facilidade, porém é difícil retê-lo. Refere-se à arte de conversar.

Imagine-se que alguém parasse junto a uma fila de passageiros de ônibus e perguntasse às pessoas ali presentes: “Para conversar bem é preciso ter uma arte ou se deve ser espontâneo, cada um exprimindo o que quer?”

Tenho a impressão de que quase cem por cento dos interrogados responderia não ser necessário regra nenhuma, e que não há sentido falar em arte de conversar, pois cada um deve dizer o que lhe passa pela cabeça no momento. E assim se faz uma conversa.

Em contrapartida, podemos alegar que Deus concedeu ao homem a possibilidade de expressar idéias utilizando a laringe, um dos mais magníficos instrumentos musicais  de que temos notícia. Portanto, deu-nos Ele a capacidade de artisticamente conversar por meio desse instrumento, desejoso de que o convívio humano se revestisse desse rico e encantador aspecto.

No que consiste, então, a arte de conversar?

Importantes elementos da conversa

Em princípio, na conversa devemos distinguir alguns elementos. O primeiro é a presença de quem fala.

“Encontros no boulevard”, pintura francesa do século XIX

Há pessoas interessantes de presença, outras nem tanto. Essas últimas inibem nos seus interlocutores a vontade de conversar, uma vez que a atitude do corpo delas não promete revelar qualquer coisa que mereça nossa atenção. Donde não se querer ouvi-las nem abordá-las. Às vezes, pelo contrário, vê-se uma pessoa e se pensa: “esta poderia dizer algo de valor”. Por exemplo, num aeroporto, enquanto aguardam a hora do embarque, os passageiros se aproximam uns dos outros, meio naturalmente, procurando alguém com quem teriam desejo de dialogar. Se o companheiro de viagem ao lado tem a aparência de enfadonho, dá-se logo um “jeitinho” de se esquivar, porque “antes só do que mal acompanhado”. É melhor permanecer quieto do que conversar sem interesse.

Outro elemento, contido na presença, é a fisionomia. Algumas pessoas nos cativam pelo seu semblante, despertando em nós a inclinação para lhe dirigirmos a palavra. Seu olhar nos faz discernir que possuem uma compreensão mais aguçada e, portanto, são boas interlocutoras. Diferentes daquelas cujo olhar se assemelha ao do peixe, o mais inerte que tenho observado na natureza. Ele encosta no vidro do aquário, e tem-se a impressão de que ele nada vê. Aponta-se-lhe os dedos, ele não se movimenta nem reage. São olhos frios e inexpressivos. Não é difícil entender a falta de interesse em se tratar com pessoas assim…

A voz, música do pensamento humano

O terceiro elemento da conversa é a voz. Umas, monótonas; outras, agradáveis de se ouvir. Em geral, a voz com pouca modulação é maçante. Já aquela que apresenta variações, altos e baixos, etc., atrai. Sobretudo se a pessoa sabe pôr o timbre de acordo com o que diz, realçando desse modo o significado do seu pensamento. A verdadeira música do intelecto humano é a voz. E se existe uma arte de usá-la de maneira a poder cantar, tal será que não haja uma arte de utilizá-la para conversar.

Poderíamos ainda considerar outros elementos da conversa, muito mais nobres, porque tocam menos no corpo e mais na alma. Então, pessoas que sabem visualizar um assunto e expô-lo de forma atraente, indivíduos que aprendem coisas úteis para abordá-las num encontro, ao contrário de outros que nada aproveitam para tornar mais rico seu convívio com os amigos. Por exemplo, um homem cuja função no trabalho seja receber ratos mortos e entregá-los ao laboratório para um cientista fazer experiência. Durante trinta anos ele manuseou oitenta ratos por dia e ao cabo desse tempo, aposenta-se. Relativamente a essa tarefa, nada de interessante terá para conversar.

Há pessoas que teriam coisas curiosíssimas a contar, mas nada podem dizer: os confessores. Quantas situações e fatos dignos da maior atenção nos poderiam descrever, revelando as grandezas e misérias da alma humana, etc. Porém, não podem! Seus lábios estão cerrados com um lacre eterno.

Épocas da arte de conversar

E assim nos seria dado multiplicar indefinidamente os exemplos que corroboram a existência da arte de conversar. Houve épocas em que esta foi cultivada de modo extraordinário, notadamente no Ancien Régime — período que se estende da Renascença até 1789 .

Com seus famosos salões (acima, o de Mme. Geoffrin), o Ancien Régime foi uma das
épocas da História em que se cultivou de modo extraordinário a arte da conversa

Vestígio muito interessante dessa arte é encontrado numa coleção do início do século XIX, o Dictionnaire de la conversation et de la lecture, onde se arrolam termos, nomes de pessoas, de lugares e coisas que podem alimentar uma conversação. Assim, suponhamos que um advogado ou um médico precise visitar um bom cliente seu, idoso e muito cacete, que faz aniversário. É necessário manter com ele uma prosa animada, e para alimentá-la convém levar um projeto de conversa.

Digamos que o ancião se chame Pafúncio. O nosso visitante consulta o Dictionnaire e nele encontra alguns dados sobre este nome. Imaginemos que houve três reis na Ásia Menor, um Bispo santo na Abissínia e um famoso cantor chamados Pafúncio. O advogado pensa: “O que vou dizer para o meu cliente?”

Conforme a fisionomia do ancião, e se este gostar de assuntos religiosos, pode estabelecer o seguinte diálogo:

— Não me esqueci que hoje é dia de São Pafúncio!

— Ahh, muito bem! Não sabia.

— É, o São Pafúncio é seu padroeiro, que está rezando pelo senhor no Céu.

— Ahh!

Como é o patrono dele, o homem se interessa porque só pensa em si mesmo. O visitante, então, começa a discorrer sobre a vida de São Pafúncio, etc. Agora, se o idoso for metido a recordações históricas, poder-se-ia lhe dizer:

— Seu nome me faz recordar que houve reis chamados Pafúncio. Qual deles o senhor julga maior?

Como ele não sabe nada sobre isso, o advogado o ajuda um pouco, perguntando:

— O primeiro, o segundo ou o terceiro?

O velho joga a esmo e responde:

— O terceiro!

— O senhor tem razão, porque Pafúncio III, Rei da Abissínia, fez isto, aquilo, e aquilo outro, etc.

E assim se conversa com o homem sobremodo cacete. É um jeito de se tocar a vida. E o exemplo imaginário serve para mostrar como esse Dictionnaire pode ser de grande auxílio para se adquirir e desenvolver a arte da conversação.

A conversa, meio de apostolado

A importância dessa arte toma maior vulto se considerarmos que o primeiro instrumento do apostolado é a conversa. Quem a utiliza bem, alcançará bons frutos em sua lide apostólica, ao contrário daquele que não a emprega satisfatoriamente.

São Paulo diz: Fides ex auditu — a Fé nos vem pelo ouvido. Quer dizer, pela voz humana; sobretudo, pela conversa. É conversando que se instrui, forma, declara, afirma, proclama. Tomando-se em conta o mundo dos sentidos, é pela voz que o melhor da ação da graça penetra em nossas almas. Portanto, pela conversa. Cumpre saber utilizá-la.

Servem-nos de incentivo diversos exemplos de apóstolos que alcançaram inestimáveis resultados em sua obra, através do bom uso da sua conversação. Houve um santo missionário no século XVI, no norte da Argentina e no Peru, que se chamava Francisco Solano. Essas regiões eram habitadas por índios ferozes, diante dos quais ele tocava violino. Em pouco tempo os nativos se tranquilizavam, tornavam-se amáveis e era possível dialogar com eles, catequizá-los, formá-los.

Outro grande santo, São Francisco de Sales, exercia intensa ação de presença. Viveu no século XVII, era Bispo e Príncipe de Genebra. Homem muito fino, discreto, agradável, doce, amável, inteligente (é Doutor da Igreja), muito conversador… Todos eram ávidos por ouvi-lo, e quando se dirigia à corte, as pessoas enxameavam em torno dele. São Francisco empreendia assim seu apostolado.

Eis dois exemplos de santos homens que nos precederam e possuíram a arte da conversa, aos quais podemos pedir que nos favoreçam e auxiliem a desenvolver a mesma qualidade.

A chave da arte de conversar: não ser egoísta

Na procura desse objetivo, é preciso ter em vista que a arte de conversar supõe uma primeira disposição de espírito, sem a qual ela não existe: devemos nos interessar pelos outros para saber conversar. Se o indivíduo é um egoísta, preocupando-se apenas consigo mesmo, não despertará o interesse de ninguém. Há um saboroso ditado francês que afirma: “Se quero reter meu visitante, falo sobre ele; se quero que ele saia logo, falo sobre mim”. Essa é a chave da boa conversa: saber entreter o outro sobre ele próprio, dando-lhe a impressão de que não existimos, como se nos esquecêssemos de nós, posto que inteiramente tomados pelo tema que lhe diz respeito. Além disso, demonstrando grande atenção por ele, empenho em que entenda bem e goste da conversa. Assim se faz apostolado.

Então, ao nos prepararmos para o contato com uma determinada pessoa, com a qual procuraremos desenvolver a arte da conversa para lhe fazer bem, comecemos por nos perguntar se nossa atenção está mais voltada para ela do que para nós mesmos.

Como tornar uma interlocução atraente?

Vale ponderar, ainda, que as pessoas mais desprovidas de graça podem se tornar interessantes.

Para tanto, devemos considerar o interlocutor cacete como uma fortaleza a ser dominada. Digamos a Nossa Senhora: “Minha Mãe, por efeito do pecado original, esse coitado — que no Paraíso seria ótima companhia para uma conversa — é uma pessoa maçante. Eu tenho de trazer essa alma para Vós. Então vou tratar de saber como ele é, fazer toda espécie de esforços para penetrar um pouco na sua psicologia, a fim de que ele se interesse pela conversa e fique atraído para Vós. Ajudai-me, minha Mãe, porque não é tarefa fácil!”

A partir desse momento começo a jogar com o outro uma partida de xadrez cujo objetivo é a conquista da alma dele. Avanço uma pedra, ou seja, um assunto. O indivíduo empurra um comentário insípido que arruinaria o tema. Em geral o enfadonho é um “mata-temas” de primeira ordem. Então, introduzo nova matéria. E assim como no xadrez algumas pedras têm maior valor, também na conversa com a pessoa mais cacete do mundo alguns temas atraem mais e outros menos.

Permitam-me dar aqui um conselho: com o homem mais sem graça da Terra, falem sempre sobre ele, porque nesse caso ele se anima. E saibam continuar a conversa de maneira a que seu interlocutor tenha uma certa noção de que o tema importa a ele. Se tal não se verifica, é preciso perceber qual o tema que desperta seu interesse,
com o qual tem afinidade, e assim atraí-lo para o assunto a ser tratado.

Para isso, deve-se prestar atenção nas coisas e pensar sobre elas. Do contrário, não se tem o que conversar. Outrora se empregava uma expressão para indicar um estado de espírito irrefletido de quem considera algo e não o entende: “Ficou olhando como boi para um palácio”. Há uma linda construção, e diante dela se acha o boi. De repente o animal muge. Ele é irracional, o comentário dele não pode ser diferente. 

Nós, porém, homens dotados de inteligência, não podemos olhar para as coisas da vida como bois para palácios. Devemos prestar atenção nelas e saber analisá-las. Dessa maneira aprenderemos a fazer o relacionamento entre a psicologia da pessoa que desejamos atrair para Jesus Cristo, e o tema que será abordado. (Revista Dr. Plinio, Julho/2004, n. 76, p. 10 a 15).

 
Comentários