Tesoureira das dádivas do Senhor e Mãe de Misericórdia, Nossa Senhora pode obter para nós a graça da santificação, apesar de todas as nossas carências e debilidades. Ao comentar uma bela oração escrita por São Luís Grignion de Montfort, dirigida a Maria, Dr. Plinio evidencia uma importante realidade: a devoção à Santíssima Virgem como meio necessário para a nossa salvação.
Atendendo o filial pedido que me fazem, passo a comentar um trecho da prece composta por São Luís Grignion de Montfort, “Oração a Maria para seus fiéis escravos”:
Ó Maria, minha querida Mãe, (…) dou-me a vós todo inteiro na qualidade de escravo perpétuo, sem nada reservar para mim ou para outrem. Se vedes em mim qualquer coisa que não Vos pertença, eu Vos suplico de tirá-la agora e de Vos tornar Senhora absoluta de tudo o que possuo; de destruir e desarraigar e aniquilar em mim tudo o que desagrada a Deus; de implantar, promover e operar tudo o que Vos agrada. Que a luz de vossa fé dissipe as trevas de meu espírito; que vossa humildade profunda tome o lugar de meu orgulho; que vossa contemplação sublime suste as distrações de minha imaginação vadia; que a vossa vista contínua de Deus encha minha memória de sua presença; que o incêndio de vosso Coração dilate e abrase a tibieza e a frieza do meu; que vossas virtudes substituam meus pecados; que vossos méritos sejam meu ornamento e suplemento perante Deus.
Enfim, mui querida e bem-aventurada Mãe, fazei, se for possível, que não tenha outro espírito senão o vosso para conhecer Jesus Cristo e suas divinas vontades; que não tenha outra alma senão a vossa para louvar e glorificar o Senhor; que não tenha outro coração senão o vosso para amar a Deus com um amor puro e ardente como Vós.
Foco de virtudes que sanam nossos defeitos
Nesse trecho transparece a unção e o fogo dos melhores textos de São Luís Grignion. Ele se apresenta e fala como se fosse uma alma pecadora, contendo em si inúmeros defeitos que deseja corrigir, e cuja solução se apóia no seguinte princípio: Sendo Nossa Senhora, por disposição divina, o receptáculo de todas as virtudes que possam reluzir numa criatura humana, Ela é o canal dessas excelências a serem distribuídas pelo universo. Dessa sorte, cada perfeição de Maria produz como que um efeito medicinal sobre a nossa lacuna moral oposta: sua pureza é dotada de uma capacidade de extinguir nossa impureza; sua humildade, de extirpar nosso orgulho; sua piedade, de erradicar nossa falta de devoção; seu recolhimento, de eliminar nossa dissipação.
Portanto, Nossa Senhora se assemelha a um foco do qual se difundem graças invulgares e dons especiais, próprios a vencerem nossas mazelas. Então, é legítimo dirigirmos uma oração a Ela pedindo-Lhe infunda em nós suas virtudes, para que estas nos transformem.
Como as curas do Divino Mestre no Evangelho
Revela-se-nos aqui o princípio da atuação intensa e sanativa da graça nas almas.
De fato, obedecendo aos desígnios de Deus, a graça pode descer sobre uma alma e num minuto modificá-la por completo, assim como, na expressão da Escritura, uma pedra é capaz de se tornar outro filho de Abraão. Quer dizer, pode tomar a pessoa mais radicada num defeito, mais tíbia, mais entregue a um vício, na situação mais aflitiva e miserável, e num momento livrá-la de todos esses males, desde que peça e seja ouvida por Nossa Senhora.
Assim, desejosa de se corrigir, mas acovardada diante da imensidade de suas imperfeições, contra as quais se verificam vãos todos os seus esforços, ela se volta para
Maria Santíssima, rogando o socorro de graças superabundantes e necessárias para a sua conversão.
Daí São Luís Grignion formular essa prece pela qual o homem fraco, tíbio, pecador, em cujo fundo de alma lateja o anseio das mais altas virtudes, pode realmente resolver seu problema e encontrar os meios para galgar a elevada montanha da santidade.
Devemos, pois, pedir a Nossa Senhora uma atuação d’Ela em nosso coração, como eram as de Nosso Senhor no Evangelho ao curar os doentes. Na verdade, cada milagre daqueles significava uma ação divina sobre um organismo que apresentava um defeito, uma disfunção ou algo do gênero, remediando-o num instante. E quando os evangelistas narram tais curas, deixam ver que Nosso Senhor, restabelecendo os corpos, fazia entender que Ele podia sanar as almas, sendo cada uma daquelas debilidades físicas o símbolo de uma carência moral.
O socorro de Nossa Senhora, quando menos se espera
Exemplo magnífico dessa influência do sobrenatural numa alma temos no fato da conversão de São Paulo Apóstolo. Ferrenho perseguidor da Igreja nascente, em
determinado momento, na estrada de Damasco, é ofuscado por uma luz, cai ao chão e, recompondo-se, a primeira pergunta que brota de seus lábios é: “Senhor, que
quereis que eu faça?”. Quer dizer, ele se pôs inteiramente às ordens da graça para operar de acordo com a vontade dela.
Como este, inúmeros exemplos há na Igreja de pessoas que se convertem e mudam radicalmente, por uma ação fulminante da graça. Ouviram uma palavra, perceberam um gesto, tiveram um pensamento que as tocou e transformou por inteiro.
Então, se confiarmos na oração, se compreendermos a sua necessidade e sua eficácia, temos a possibilidade de obter os frutos espirituais mais inesperados e magníficos.
Sobretudo se nos compenetrarmos de que essa prece é dirigida a Deus por meio de Maria, nossa Mãe de misericórdia e nossa vida. Sem Ela não haveria valor, nem do çura nem esperança em nossa existência. Com Ela, nossa vida é plena de vida, nossas doçuras são repletas de doçura e nós, em qualquer situação na qual nos achemos, devemos ter esperanças superabundantes e imensas. Nossa Senhora se compadece de nós e nos atende, pois é nossa Mãe. Em dado momento, nos tomará pelos braços e nos
conduzirá à santidade a que somos chamados.
Cumpre considerar, entretanto, que o modo de Nossa Senhora exercer sua bondade para conosco é insondável. Assim, não raro as almas que recebem graças fulminantes são as mais provadas, depois de caminharem de provação em provação até um ponto onde não entendem mais o que se passa com elas, encontrando-se numa espécie de beco-sem-saída da perplexidade e do sofrimento. Nessas horas se dão as ações admiráveis de Maria em nosso favor.
Quantas vezes tenho visto almas nessas encruzilhadas da vida espiritual, tão aflitas e atormentadas que chegam a chorar. Observando-as, sinto o desejo de dizer a cada
um: “Meu caro, espere, Nossa Senhora virá quando você menos imagina e vai socorrê-lo”. E com freqüência, no momento em que se tem a impressão de não haver saída para mais nada, a pessoa recebe uma graça magnífica e tudo se resolve pelas mãos de Maria, de um modo mais esplêndido do que jamais se poderia esperar.
Sacrossanta importunidade
É necessário, pois, tomar em consideração essa preciosa verdade: podendo rezar e possuindo uma Mãe como Nossa Senhora, nunca, nunca, nunca se deve ter desespero nem sequer a menor dúvida a respeito do auxílio do Céu. A quem bate, se abrirá; a quem pede, se dará. A nós de sermos insistentes na oração.
Lembremo-nos da célebre parábola do Evangelho, onde um homem se achava deitado na cama com seus filhos e aparece um vizinho importuno a lhe bater à porta, pedindo pão. O que já havia se recolhido não queria atender. Porém, o pedinte tanto insistiu que o pai de família se levantou, abriu a porta e lhe deu o pão. Comentário de Nosso Senhor: “Se esse homem não fosse importuno, não teria sido atendido”.
Portanto, a virtude aconselhável ante essas palavras é a da sacrossanta importunidade. Precisamos fazer violência ao Céu: pedir, pedir, pedir; bater, bater, bater. Seremos ouvidos, por maiores que sejam nossas dificuldades.
Pedir as graças próprias à nossa vocação
E o seremos, de maneira especial, no tocante ao nosso desejo de corresponder à vocação de perfeitos servos de Nossa Senhora.
Nesse sentido, poder-se-ia perguntar se caberia algum pequeno aditamento, repassado de enlevo, veneração e ternura, a essa prece de São Luís Grignion. Parece-me que sim, entendido nos seguintes termos.
Em uma instituição ou movimento católico semelhante ao nosso, o conjunto apresenta mais virtudes do que a soma das qualidades morais de seus membros. Compreende-se, pois ele recebeu uma série de graças que costumam estar em nosso ambiente, pairar em nosso meio, como patrimônio do grupo. Elas são o tesouro do qual vivemos, e não significam outra coisa senão a própria projeção da misericórdia de Maria Santíssima entre nós, comunicando-nos suas virtudes e nos convidando continuamente a pedir essas graças.
Então, se Nossa Senhora nos chama para pertencer ao movimento, é natural que supliquemos a Ela nos obtenha os dons e dádivas celestiais específicos para o cumprimento dessa missão à qual fomos destinados. Dádivas e dons estes de que seu Coração Imaculado está repleto, aguardando nossa prece feita, como disse, com ternura, veneração e enlevo profundos.
Essa seria, a meu ver, uma forma magnífica de completar essa linda oração de São Luís, de maneira a alcançarmos as graças para sermos conformes a Jesus Cristo e a Nossa Senhora, atingindo o auge da perfeição em fazer a sua sacrossanta vontade enquanto seus filhos e servos amorosos. (Revista Dr. Plinio, Agosto/2004, n. 77, p. 10 a 13).