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Plinio Corrêa de Oliveira


Dona Lucilia Corrêa de Oliveira: Terna e aveludada compaixão
 
AUTOR: MONS. JOÃO SCOGNAMIGLIO CLÁ DIAS, EP
 
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Educada sob o calor e as luzes da divina afetividade do Sagrado Coração de Jesus, Dona Lucilia atraía junto a si pessoas aflitas e necessitadas de auxílio ou consolação.

Dona Lucilia – tirada por Mons. João Scognamiglio Clá Dias, em 1968

Pela devoção ao Sagrado Coração de Jesus, Lucilia desenvolveu muito cedo em sua alma o desejo de só fazer o bem.

N’Ele estava a fonte do enorme afeto que transbordava no relacionamento dela com os outros. Afeto composto de alegria, de esperança, que continha em si um grau de amizade, de perdão e de bondade tão entranhados e generosos, como seria difícil conceber iguais.

Uma bondade que nada podia abalar

Certa feita, ao se ver numa situação difícil, uma senhora abastada da sociedade paulista não encontrou melhor saída do que escrever a Dr. Antônio Ribeiro dos Santos, pai da jovem Lucilia, queixando-se de estar adoentada e não ter quem dela tratasse. Por ser boa amiga e cliente, ele a convidou, de comum acordo com sua esposa, Da. Gabriela, a se hospedar uns tempos em sua casa, onde suas filhas velariam por ela.

Transbordante de afeto, Lucilia prontamente se desdobrou no atendimento à enferma, cujo mal exigia esmerados cuidados.

Uma pessoa de casa, notando não estar a doente à altura da dedicação de que era objeto, afirmou depois de alguns dias:

— Lucilia, não seja boba em se aplicar tanto no tratamento dessa senhora. Quer saber o que vai acontecer? Quando ela ficar boa e estiver para ir embora, não lhe agradecerá; talvez lhe diga um simples “muito obrigada” e logo se esquecerá de você… A mim, que só passo alguns instantes com ela para lhe contar alguma historieta engraçada, é que ficará agradecida!…

Lucilia, com serenidade, respondeu:

— Bem, mas estou fazendo isso porque papai quer, e por amor de Deus. A obra de misericórdia fica cumprida.

A hóspede acabou sarando e, antes de partir, à hora das despedidas, disse secamente à sua benfeitora:

— Lucilia, até logo, obrigada.

Para a outra, cálidas efusões:

Dr. August Karl Bier, médico de Dona Lucilia

— Fico-lhe muito agradecida! Você foi um anjo para mim: divertiu-me, contou-me tantas coisas engraçadas, animou meu espírito!

Tendo-se retirado a ingrata, a que fora cumulada de louvores lembrou:

— Viu? Não lhe disse? Deixe de se dedicar assim a quem é ruim, porque você só receberá pedradas.

— Mas o bem fica feito – redarguiu tranquila Lucilia.

Com o correr dos anos, sua largueza de alma e generosa bondade de tal maneira se acrisolaram que, na perspectiva de fazer o bem, ela estava disposta a sacrificar até mesmo conveniências pessoais.

Perdão para os que a trataram mal

Acometida por uma penosa enfermidade, em 1912 Dona Lucilia viajou para a Alemanha, a fim de submeter-se a uma operação de vesícula biliar. A intervenção, que na época envolvia grande risco, foi realizada com êxito pelo Dr. August Karl Bier, renomado especialista e médico pessoal do Kaiser.

No período que se seguiu à cirurgia só era permitido a Dona Lucilia tomar alimentos líquidos. Uma das primeiras refeições a lhe ser oferecida, por uma enfermeira com ares ditatoriais, foi uma sopa de miolos. Ora, Dona Lucilia se sentia indisposta quando era obrigada a comer algo desse prato, por menor que fosse a quantidade. Com sua invariável suavidade e elevadas maneiras, perguntou de que era aquela sopa. A enfermeira, compreendendo ter diante de si uma paciente muito delicada, e percebendo pela inflexão da voz sua incompatibilidade com aquele alimento, evitou lhe dizer a verdade, afirmando apenas tratar-se de uma comida indicada pelo próprio Dr. Bier.

Dona Lucilia, não contente, insistiu:

— A senhora sabe, eu me sinto muito incomodada com miolos. Não será disso a sopa?

A enfermeira, fitando-a nos olhos, afirmou então sem rodeios:

— É mesmo sopa de miolos, mas Dr. Bier deixou ordem expressa de que ela fosse servida à senhora.

Dona Lucilia renovou várias vezes sua recusa em tomá-la, sem com isso conseguir convencer a implacável enfermeira. Pouco após tê-la ingerido, começou a sentir intensas náuseas, o que deu origem a um súbito agravamento de seu estado de saúde.

Não demorou muito para a tirania se transformar em desespero. A pobre enfermeira, vendo as dramáticas consequências de seu gesto, procurou ato contínuo o médico de plantão. Constatou, entretanto, haver ele pulado a janela para ir a uma festa, deixando completamente abandonados seus pacientes. Já quase sem saber o que fazer, recorreu a um médico de outro setor, a fim de que atendesse Dona Lucilia.

Ao amanhecer, na visita que fazia a todos os seus doentes, Dr. Bier verificou serem as condições de Dona Lucilia bem ruins, e quis então saber, com germânica exatidão, o que havia ocorrido. Esta, sem deixar de dizer a verdade em nenhum momento, evitou de acusar a enfermeira, livrando-a de uma justa punição. Por detrás do cirurgião, a tirana primeiramente se colocou em postura de súplica, com as mãos postas, a implorar que Dona Lucilia não a fizesse perder o emprego. Tão logo se viu salva, desmanchou-se em manifestações de gratidão pelo nobre gesto de que fora objeto. Contudo Dr. Bier, com espírito muito investigador, desconfiando de alguma falha no atendimento, não se deu por satisfeito e mandou chamar o médico responsável a fim de esclarecer a situação.

Esse fato deu lugar, mais uma vez, à insigne prática da virtude da caridade para com o próximo, da parte de Dona Lucilia. Normalmente até pessoas bem-educadas seriam levadas a exteriorizar sua inconformidade, quer com o mau trato recebido da enfermeira, quer com a grave negligência do médico de plantão. Mereciam estes, por certo, exemplar castigo, que talvez redundasse na expulsão de ambos daquele hospital, ainda mais em se tratando de uma das melhores instituições europeias no gênero. Constando tal falta na folha de serviços, estaria de algum modo prejudicada a carreira deles.

Com a candura que lhe era tão característica, Dona Lucilia voltou-se para seu afamado cirurgião e, sem especificar quem a assistira, disse:

— O médico esteve aqui.

E assim, contra seu próprio direito, salvou a situação daqueles que lhe deveriam ter dado o atendimento que seu estado de saúde exigia. Como é evidente, o irresponsável plantonista também se desfez em agradecimentos à sua protetora.

É impossível não encontrarmos nessas atitudes todos os traços de um heroico ato de virtude, fruto de uma verdadeira grandeza de alma. Era assim que Dona Lucilia de forma invariável se comportava diante daqueles que, com maior ou menor gravidade, a faziam sofrer.

Camponeses russos fotografados entre 1909 e 1920

A doença “incurável” de uma princesa russa

Seria na capital francesa, onde as luzes da História se faziam ainda sentir em cada esquina, que Dona Lucilia acabaria por recuperar inteiramente a saúde. Ali ela se hospedou no Hotel Royal, em companhia de seus familiares.

Uma jovem princesa russa achava-se hospedada com o esposo no mesmo andar que ela, e não poucas vezes se encontraram aqui, lá e acolá, nas dependências do hotel. Não demorou para que a princesa tomasse a iniciativa de cumprimentar Dona Lucilia, manifestando sua simpatia por ela. O povo russo, talvez tão intuitivo quanto o brasileiro, é dotado de uma percepção muito rápida não só de situações, como também da psicologia das pessoas. Quiçá essa qualidade tenha facilitado à princesa penetrar na alma de Dona Lucilia, dando ocasião a uma confidência sui generis.

Encontrando-se ambas no corredor, próximo ao quarto de Dona Lucilia, a princesa abordou-a em prantos e lhe disse:

— Madame, queira desculpar-me, sei que não tenho direito de me dirigir assim à senhora. Nem nos conhecemos. Todavia, por seu olhar e por seu modo de ser, vejo que a senhora é tão bondosa, tão compassiva! Eu me encontro numa enorme aflição, e queria saber se me permitiria desabafar com a senhora…

Sempre acolhedora, Dona Lucilia logo lhe abriu as portas e o coração.

Tomada de angústia, a princesa contou que um renomado médico de Paris lhe tinha diagnosticado um câncer e, em consequência, teria de ser submetida a uma cirurgia muito dolorosa e arriscada. Ela então estava em extremo aflita, na previsão dos sofrimentos e do risco que a aguardavam. Não queria morrer prematuramente, precisava educar os filhos, tinha toda uma vida diante de si. Chorando com brandura dizia:

— Abrindo-me com a senhora, tenho esperança de receber algum conselho que me ajude a encontrar uma saída para isto…

Dona Lucilia em poucos minutos a tranquilizou:

— Não desanimemos, os médicos às vezes erram, não são infalíveis, e um sempre pode corrigir o diagnóstico do outro. Ouvi dizer que, precisamente nesta matéria, há no momento, na Suíça, um médico muito bom. Quem sabe, a senhora poderia ir lá, fazer uma consulta…

As palavras de Dona Lucilia – envoltas em benquerença – e seu tom de voz comunicavam profunda paz. A pobre princesa foi sentindo penetrar em sua alma, mesmo dentro da tragédia, o suave bálsamo do bom conselho. Enquanto soluçava baixinho, ouviu Dona Lucilia estimulá-la à oração, para que não se deixasse vencer pelo desespero.

Pouco depois, a princesa resolveu ir falar com o esposo. Ele, porém, não concordou:

— Esse médico daqui é um dos maiores no assunto; ele não se engana. A realidade é esta e você deve aceitar a situação…

Apesar desse primeiro revés, a jovem dama não desanimou. O desacordo com o marido prolongou-se por vários dias, até que acabou por convencê-lo a fazer a viagem à Suíça.

Na hora da despedida, em meio a palavras de conforto e encorajamento, Dona Lucilia lhe deu seu endereço no Brasil, para que, precisando, não a deixasse de procurar.

Passado algum tempo, estando Dona Lucilia já em São Paulo, recebeu uma carta de sua confidente, na qual esta lhe agradecia tudo o que tinha feito por ela. Contava haver o mencionado médico suíço, depois de vários exames, desmentido inteiramente o diagnóstico de seu colega parisiense. Assim, a princesa dava o caso por resolvido, graças à bondosa e sapiencial orientação de Dona Lucilia.

Médico e servo de um magnata russo

Educada sob o calor e as luzes da divina afetividade do Sagrado Coração de Jesus, Dona Lucilia parecia ter a vocação de atrair junto a si pessoas aflitas e necessitadas de auxílio ou consolação. Ao que nem as próprias barreiras da nacionalidade eram obstáculo. Para ela confluíam as súplicas dos que eram atingidos por alguma infelicidade. No fato ocorrido com um jovem médico, contratado pelo gerente do Hotel Royal para dar assistência a seus clientes, bem se pode constatar essa realidade. Viera da Rússia para fazer um curso em Paris, formara-se em Medicina e, aliando aos estudos a natural intuição de seu povo, tinha-se tornado um ótimo profissional. A própria Dona Lucilia, conhecendo os bons predicados dele, chamou-o algumas vezes para tratar de sua família.

Dona Lucilia Corrêa de Oliveira no ano de 1912, em Paris

Embora não fosse costume serem os hóspedes procurados diretamente em seus aposentos, com relação a Dona Lucilia isso às vezes sucedia. Pelo simples modo de baterem à sua porta, ela percebia se se tratava de um necessitado, como aconteceu um dia com o médico russo. Desta vez, não vinha oferecer seus serviços, mas estava à procura de um bondoso coração, junto ao qual pudesse desabafar. Logo no primeiro olhar, Dona Lucilia notou, naquela abatida fisionomia, estar a alma dele assolada por um enorme drama.

— Madame, estou aqui para lhe dar uma notícia muito triste. Por mais que eu goste da França, por mais que me agrade tratar da senhora e de sua família, devo voltar a meu país. Meus dias estão contados…

E após um pequeno suspense, continuou:

— Não sou um homem livre, mas servo em minha pátria. Meu senhor me enviou, das estepes gélidas onde nasci, a esta luminosa Paris, a fim de estudar Medicina. Depois de formado, deveria voltar para cuidar dos camponeses de suas terras. Já me acostumei à civilização do Ocidente e até estava esquecendo-me da obrigação de voltar… Mas agora, por um fatídico telegrama, meu senhor me dá ordem de retornar imediatamente.

Dona Lucilia acompanhava penalizada toda esta narrativa que lhe fazia recordar a triste condição dos escravos em seu tempo de menina. Enquanto o ouvia, pensava na solução que poderia apresentar ao infeliz. Por certo saberia encontrar um bálsamo para a pungente dor dessa alma traumatizada pelo infortúnio.

Imerso em profunda amargura, o médico prosseguiu:

— Sei bem que, se não voltar, o Estado francês não me extraditará, pois a França não reconhece a servidão como instituto válido em outros países. Aliás, na minha própria pátria hoje já está abolida. Mas, certos costumes demoram a desaparecer… No caso de recusa de minha parte, meu senhor se vingará de modo terrível em meus familiares. Meus pais serão duramente chicoteados. Assim, não tenho outro remédio senão voltar, vestir roupa de camponês e assumir a condição que me cabe. Imagine a senhora: um homem que fez estudos superiores e se acostumou com a vida em liberdade, aqui na França… ter de voltar para a servidão…

Dona Lucilia, compadecida, percebendo logo não ter meio de solucionar o problema, quis, pelo menos, suavizar-lhe a dor. Louvou seu amor filial, que o levava a tamanho sacrifício para impedir a tragédia de se abater sobre os seus, aconselhando-o também a rezar muito e não desanimar.

Ela compreendia profundamente, e em todos os pormenores, a pungente situação psicológica de quem passava por um drama, assim como a extensão dos sofrimentos alheios. Possuía uma espécie de terna e aveludada compaixão, acrescida de outro fator: a inabalável certeza de que Deus não abandona jamais uma criatura. Ainda que sobre esta se abatam os maiores infortúnios, parecendo não haver mais remédio, ali estará a mão da Providência para com carinho sustentá-la. (Revista Arautos do Evangelho, Julho/2019, n. 211, p. 22-25)

Extraído, com pequenas adaptações, de “Dona Lucilia”. Città del Vaticano-São Paulo: LEV; Lumen Sapientiæ, 2013, p.85-154

 
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