A partir desse convívio "paradisíaco" estabeleceu-se entre mãe e filho uma união de almas que transpôs as muralhas da eternidade e se manteve intacta até o último dia de vida de Dr. Plinio.
Dona Lucilia em 1909, com seu filho Plinio |
Algum tempo depois do falecimento de Dr. Antônio, Dona Lucilia, o esposo e os filhos se mudaram para o palacete Ribeiro dos Santos. O casal passou a ocupar um quarto cuja porta deixava passar, pela bandeira, a discreta luz do corredor, onde um revérbero ficava aceso toda a noite.
O pequeno Plinio, que dormia num berço ao lado do leito dos pais, despertava às vezes a altas horas e, longe de adormecer novamente, sentia-se dominado por inquieta insônia. Ouvindo o regular e pausado respirar de Dona Lucilia, chamava-a, tentando acordá-la. Em vão. A Providência a ela concedera sono tranquilo e profundo. Por isso demorava um pouco a acudir à criança, que sentia o naufrágio da solidão nas sombras da noite.
Sabendo estar ali Dona Lucilia, sua mãe, toda feita de proteção e ternura, Plinio não tinha dúvida; passava do berço para o leito dela e, sentando-se sobre seu peito, procurava com os dedinhos abrir-lhe os olhos, chamando:
– Manguinha, manguinha…
O tenro e aflito infante percebia que lhe ia causar transtorno, mas pensava: “Já que ela é minha mãe, não vai se zangar com isto, porque não tenho outra saída”.
Ao despertar, sem qualquer irritação, Dona Lucilia imediatamente lhe dizia com doçura:
– Ó, filhinho! Venha cá. O que aconteceu?
O pequeno discernia com que extremos de carinho ela enfrentava a situação. Sentando-se para evitar a sonolência, Dona Lucilia se punha logo a conversar com o filho, a agradá-lo, até certificar-se de que aquela insegurança noturna o havia abandonado.
Esta mãe exemplaríssima, com indizível paciência, contava uma, duas, cinco histórias que ele ouvia encantado, sentindo a torrente de afeto, meiguice e pena de que era objeto. Voltando o sono ao menino, ela lhe dizia:
– Agora chegou a hora de você se deitar – e o ajudava a voltar para o berço. Antes de adormecer, uma confortadora impressão lhe ficava no espírito: “Ela é mesmo o que eu esperava! Satisfaz-me inteiramente, confio inteiramente nela, sinto-me inteiramente dela”.
Com indizíveis saudades, esse filho comentava poucos meses antes de morrer: “Como sentia eu a compaixão dela quando era menino? Ela percebia a sensação que eu tinha de minha própria debilidade, mas sorria como a dizer: ‘É verdade, mas é natural que você seja frágil. É a rota do homem. É natural também que um homem tenha mãe, e que ela seja toda ternura para com ele. Que você se sinta compreendido em tudo e não tenha nenhum orgulho em querer ocultar-me sua fraqueza. Pelo contrário, coloque-a em minhas mãos, eu tratarei dela'”. Com um sorriso cheio de afeto, como nunca vi parecido em minha vida… Era como se ela me dissesse: “Vamos seguir juntos seu difícil caminho”.
Plinio aos 5 anos de idade |
“A compaixão dela, eu a sentia especialmente por ocasião de minhas doenças de infância: gripes, escarlatina, sarampo e um terrível crupe que me arrastou às portas da morte. Ela, como tinha pena! Tinha aflição levada ao último grau! Já então, muito voltado à observação, eu não deixava de aquilatar toda a atitude dela, entrando no quarto na ponta dos pés, sorrindo, com um copo de remédio homeopático na mão. Era uma homeopata fervorosa. E dizia: “Meu filho, filhinho, chegou a hora de tomar remédio”. Era a consolação de minha alma tê-la ali, compensava a dor que sofria.
“As analogias na mente de uma criança são vivazes. Eu fazia relação entre ela e o refrigério da água que tomava, dizendo de mim para comigo: ‘Ela é para mim o que esta água está sendo para minha doença: um refrigério'”.
Mãe carinhosa e atenta, Dona Lucilia logo notaria que a frágil saúde do filho pedia melhores ares que os do centro de São Paulo. Levada por um misto de preocupação e desvelo, mudou-se com ele, por alguns meses, para o distante Bairro da Penha, abandonando por esse período sua aconchegada residência nos Campos Elíseos. Influiu de modo decisivo na escolha do local a proximidade do santuário de sua Madrinha, a Senhora da Penha, onde, com maior assiduidade, ser-lhe-ia possível rezar pelo pequeno Plinio.
A partir desse convívio “paradisíaco” – todo feito de ternura, solicitude e proteção por parte de Dona Lucilia, e de admiração e confiança por parte do filho – estabeleceu-se entre ambos uma união de almas que transpôs as muralhas da eternidade e se manteve intacta até o último dia de vida de Dr. Plinio.
Mas não serão esses os únicos fatos a demonstrar os elevados e apreciáveis dons maternais de Dona Lucilia…
Extraído de: CLÁ DIAS, EP, João Scognamiglio. Dona Lucilia. Città del Vaticano: Libreria Editrice Vaticana, 2013, p.112-114 (Revista Arautos do Evangelho, Setembro/2013, n. 141, p. 38-39)
SAIBA MAIS O fundo de quadro da formação de Dr. Plinio |