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Plinio Corrêa de Oliveira


Intenso convívio com o Coração de Jesus
 
PUBLICADO POR ARAUTOS - 14/06/2020
 
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Desde a mais tenra infância de seus filhos, Dª Lucilia procurou lhes transmitir o grande enlevo que possuía pelo tesouro das tradições da Cristandade, pelo que Dr. Plinio pôde afirmar, cheio de filial gratidão:

“Eu recebi dela, como algo que deve ser tomado profundamente a sério, a Fé Católica Apostólica Romana, a devoção ao Sagrado Coração de Jesus e a Nossa Senhora.

“Além disso, ao criar em torno de mim, na infância, aquele ambiente do lar tão distante do mundo revolucionário, mamãe me deu os pressupostos para eu ser um adversário da Revolução, pois, ao tomar contato com esta pela primeira vez, o contraste tornou-se-me evidente.

“Em conseqüência, ela e eu estávamos especialmente unidos nos pontos fundamentais em que a Contra-Revolução discrepa da Revolução, de onde decorria uma grande compreensão entre nós.”

Em sua mãe, Dr. Plinio via um profundo amor à ordem cristã, levado até as últimas conseqüências, assim como uma aversão à anti-ordem, representada pelo espírito moderno. Em torno desse amor e dessa aversão gravitavam, de modo implícito, todos os ideais, preferências e atividades dela. Dona Lucilia era assim para ele um perfeito modelo de Contra-Revolução.

Ela que, por seu exemplo, servira a Dr. Plinio de sustentação nas vias do bem, e de alentador apoio nos primeiros embates dele, representou durante toda a vida um parâmetro em função do qual ele podia julgar todas as coisas.

Analisar a figura de sua extremosa mãe e encantar-se com ela, desde menino, constituiu elemento primordial para Dr. Plinio explicitar por inteiro — ao chegar àquele já distante ano de 1959 — a definição do contra-revolucionário, no magistral ensaio Revolução e Contra-Revolução. Neste analisa todo o processo do mal em oposição ao luminoso caminhar do bem. E embora Dª Lucilia não tenha escrito uma só linha dessa obra-prima, bem se poderia afirmar ser ela sua co-autora; pois, muito mais do que ajudar a escrevê-la, contribuiu a fundo para formar a mentalidade do seu autor. Por isso Dr. Plinio pôde afirmar, revendo uma das fotografias de Dª Lucilia aos 80 anos:

“Quando me perguntam qual foi a influência tendencial que ela exerceu sobre mim, eu respondo: considerem o olhar dela. Contra-Revolução tendencial é isso! Ela, aqui, está fazendo uma proclamação de Contra-Revolução.”

Uma lamparina aos pés do Sagrado Coração de Jesus

Com o avançar dos anos, Dª Lucilia foi sendo obrigada a reduzir, pouco a pouco, seus afazeres domésticos, pois, como era natural, iam-lhe faltando as forças. Porém, não se deixava ficar inativa e preenchia os períodos livres com sua ocupação preferida: a oração, o silencioso convívio com o Sagrado Coração de Jesus.

Sob o misericordioso olhar da bela imagem, que ainda hoje permanece no mesmo oratório, passava as manhãs em seu quarto, desfiando incansavelmente as contas de seu terço, alternando a recitação do Rosário com as ladainhas e novenas que habitualmente rezava, além de outras orações, em geral tiradas de seu manual de piedade predileto, o Goffiné1, que a acompanhava desde a juventude. Uma das preces de sua preferência era a “Novena irresistível ao Sagrado Coração de Jesus”, que deve ter rezado com maior insistência em períodos de provação.

Dona Lucilia implorava ainda a proteção divina por meio de outra oração, o Salmo 90, que ela copiou com sua bela letra. Esses luminosos versículos, inspirados pelo Espírito Santo, ela certamente os rezava tendo em vista, em primeiro lugar, as pugnas de seu “filhão” e os obstáculos encontrados por ele. Ao longo do dia, conforme as circunstâncias e as intenções pelas quais rezava, Dª Lucilia fazia suas orações em diferentes dependências da casa: percorrendo vagarosamente o corredor; sentada na sala de jantar enquanto contemplava o pôr-do-sol sobre o arvoredo da Praça Buenos Aires; no quarto de seu filho, diante das imagens que estão sobre o criado-mudo; ou, com mais freqüência, no escritório, sentada na cadeira de balanço, que fazia oscilar quase imperceptivelmente, parecendo envolta em diáfana nuvem de serenidade. Quem então a visse não saberia dizer se ela interrompera suas orações vocais para meditar, ou vice-versa… pois contemplação e prece formavam um só todo em seu espírito. Com o advento da ancianidade, Dª Lucilia se habituou a rezar madrugada adentro diante da imagem de alabastro do Sagrado Coração de Jesus, reinante no salão principal do seu apartamento. Quando Dr. Plinio retornava, após uma noite de intensa atividade, ainda a encontrava nesse local, muitas vezes de pé, porte erecto apesar da idade, os lábios bem próximos ao Coração de Nosso Senhor, não raro de olhos fechados e terço na mão. Dava a impressão de haver terminado de falar com Jesus naquele instante. Conforme a intensidade do empenho ao formular suas intenções, colocava reverentemente a ponta de seus finos dedos sobre os divinos pés ou sobre as adoráveis mãos do Salvador. Quem a visse assim rezar — com tanta humildade, plenamente convicta de ser amada por Nosso Senhor, e receosa de faltar com a delicadeza e a reverência a Ele devidas — não poderia deixar de se comover profundamente.

Quantos pedidos por seus mais próximos, quantas considerações a respeito da vida, das luzes e das cruzes nesta existência terrena, das glórias ou tragédias da Cristandade, não terá ela apresentado ao Divino Redentor?!

Junto ao Sagrado Coração de Jesus, Dª Lucilia se assemelhava em certas ocasiões à chama de uma lamparina que arde diante do Santíssimo Sacramento. Está acesa só para Deus Nosso Senhor, alheia ao ambiente, mas sobretudo não se apaga, não diminui, triunfa suavemente em meio às trevas, intacta em seu como que trono, no seu holocausto, no círculo rubro onde está o azeite do qual se abastece.

Dona Lucilia tanto rezou voltada para a imagem do Sagrado Coração de Jesus do salão, que a esta ficou vinculado, de modo imponderável, algo da pessoa dela. Ainda hoje é um dos objetos que mais evocam a presença dessa bondosa dama no “1º andar”. Nos pés, no joelho direito e nas mãos dessa imagem, ligeiramente marcados por seus ósculos, deixou Dª Lucilia o testemunho da insistência de seus pedidos e da intensidade de seus atos de adoração.

Em colóquio com o Divino Redentor

Imersa em oração, era freqüente ela não se dar conta da chegada de seu filho, para o que contribuía sua audição progressivamente diminuída. Ele, não querendo interrompêla, anunciava sua presença apenas com um leve toque de mão, ao que Dª Lucilia respondia por um discreto aceno com os dedos, como que a dizer: “Meu filho, faço um sinal assim tão sumário porque estou em colóquio com Nosso Senhor, e ante Ele qualquer pessoa é ninguém…” E permanecia na mesma atitude de recolhimento, rezando, rezando…

Mas se a oração ainda demorava muito, Dr. Plinio tentava convencê-la a se recolher. Dona Lucilia, procurando ganhar um pouco mais de tempo, respondia: “Filhão, espere um pouquinho; vá adiantando suas coisas que daqui a pouco eu termino”.

Algumas vezes Dr. Plinio se aproximava dela por trás, sem fazer ruído, e de modo afetuoso a envolvia com os braços. Dona Lucilia, sabendo que era seu filho, não manifestava a menor surpresa, voltava-se calmamente, beijava-o e trocava com ele algumas palavras. Quando nessas ocasiões ela interrompia suas preces, era belo ver como mudava de modo lento e ordenado seu estado de espírito, passando da consideração do Infinito para o finito, harmoniosamente e com naturalidade.

Terminada a “prosinha”, se Dª Lucilia fazia menção de voltar a rezar, Dr. Plinio tentava convencê-la carinhosamente a ir dormir.

Dr. João Paulo por vezes acordava e ia até o salão para chamar Dª Lucilia. Exclamava então com certa ênfase, abrindo os braços de modo muito peculiar:

— Senhora, três horas da manhã… senhora!

Dona Lucilia, sem se perturbar, voltava-se ligeiramente para seu esposo e lhe fazia um discreto sinal com a ponta dos dedos, indicando que logo iria. Ao que ele retrucava:

— Já, não. A senhora não irá, mas vai demorar rezando.

Ela, sem responder, continuava um pouco mais, concluía a oração, fazia compassadamente o sinal-da-cruz, osculava ainda uma última vez a imagem do Sagrado Coração e se dirigia então, de bom grado, para o quarto.

A ocasião em que, por excelência, Dª Lucilia impostava todo o seu ser na consideração do Infinito, era no momento de receber Nosso Senhor Jesus Cristo, presente nas Espécies Eucarísticas.

Adoração a Jesus sacramentado e ao Santo Lenho

Aos domingos, Dª Lucilia comparecia à Missa na Igreja de Nossa Senhora da Consolação ou na de Santa Teresinha. Normalmente ia apoiada no braço de Dr. João Paulo. A seriedade e o recolhimento com que assistia ao Santo Sacrifício eram motivo de edificação para todos.

Seu modo de se aproximar da mesa eucarística, seu encontro com Nosso Senhor sacramentado deixaram inesquecíveis lembranças a quantos a conheceram. Depois da morte dela, Dr. Plinio contou a impressão que a cena lhe causava: “Às vezes, com naturalidade, meus olhos se fixavam nela no momento em que estava recebendo a Comunhão, bem como durante sua ação de graças. Aquela imagem ficou gravada em minha memória. Era um modo de comungar muito sério, muito respeitoso, mas, por assim dizer, em extremo aveludado. Ela colocava todo o seu ser dentro de uma espécie de atmosfera de respeito, de ternura, de doçura. Via-se que aplicava o espírito, fazendo com suave empenho e insistência seus pedidos. Quais eram estes, não sei. Mas estou certo de que eu tinha uma parte neles.”

Quando recebia a visita de um prelado que naquele tempo freqüentava o apartamento da Rua Alagoas, Dª Lucilia tinha oportunidade de externar seu profundo amor e respeito a Nosso Senhor, prestando culto à relíquia do Santo Lenho, incrustada na cruz peitoral desse eclesiástico.

Apesar de muito idosa, ela se levantava logo que ele chegava e sempre lhe pedia licença para adorar o Santo Lenho. Ele já se acostumara e, ao se aproximar, ia-lhe estendendo a cruz. Com grande veneração, ela osculava a ametista do anel episcopal e logo a seguir a relíquia, à sua maneira, fechando os olhos em oração, e depois ficava quieta por alguns momentos. Fazia a seguir um sinal ao prelado, convidando-o a sentar-se, e só então começavam a conversa.

Nesse pequeno ato de adoração a um fragmento da Santa Cruz de Nosso Senhor notava-se o mesmo estado de espírito, a um tempo profundamente respeitoso e devoto, com que ela comungava. (Transcrito, com adaptações, da obra “Dona Lucilia”, de Mons. João S. Clá Dias)

1 ) Manual do Christão, Pe. Leonardo Goffiné (1648-1719).

 
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