Para introduzir o nosso tema, começo por recordar uma figura geométrica. A meu ver, o losango ideal deve ser bem comprido, afilado, com ambas as pontas aguçadas e a parte menor relativamente estreita, a fim de revelar todo seu aspecto élancé e sua elegância. Ele representa a marcha ordenada do espírito humano o qual, a partir de um ponto inicial, mais simples, vai se abrindo em complexidades. Em determinado momento as esgotou e tende para a síntese.
Sendo ainda criança, as faculdades do homem começam a se desabrochar, e nas etapas diversas da sua vida vão se desenvolvendo até atingir o auge em que ele diz: “Et quae cum ita sint — ‘posto que isso é assim’ — farei agora uma construção baseada na experiência que tive e chegarei a uma conclusão”. Fecha-se então o losango e o homem encerra sua vida, entregando a alma ao Criador. Na ponta inicial ele recebera a alma de Deus, e na final, após uma existência permeada de reflexão, a restitui a Nosso Senhor.
O homem moderno e sua noção global do universo
Ora, tenho a impressão de que assim será também a História da humanidade. Com Adão e Eva havia uma simplicidade originária magnífica. Ninguém pode ter idéia do que seria o germinativo, o forte, o pleno, o grandioso de nossos primeiros pais na aurora do gênero humano, exceto quem tenha conhecido o novo Adão nascido da nova Eva, cuja excelsitude está fora de qualquer comparação.
Essa simplicidade inicial foi se abrindo para considerações e idéias as mais diversas, e a alma humana foi se matizando de variados modos. Mas, devido à dificuldade de comunicação, os povos pouco se familiarizavam uns com os outros, e cada um deles vivia como que num mundo isolado e fechado sobre si mesmo. Tratando-se de um grande povo, este alcançava especificar inteiramente seu espírito, sua cultura, sua civilização, quando as borrascas não caíam sobre ele, o quebravam e arruinavam.
Em determinado momento da História, as vias de comunicação se ampliaram, porém de um modo deformado, como não deveria ser, chegando hoje a um tal clímax que o mundo se tornou pequeno: todo homem pode ter conhecimento do que acontece em qualquer lugar, e através de mil recursos é possível saber da existência de todos os povos, de sua arte, cultura, pensamento, em qualquer de suas épocas. E uma pessoa aplicada, ao cabo de dez anos de pesquisa, concebe em linhas gerais uma idéia de tudo quanto a criatura humana pensou, quis, sentiu e realizou ao longo da História. Adquire, portanto, uma espécie de noção global do universo que aos antigos não era dado ter.
Algum crítico objetaria: “Mas, Dr. Plinio, há um certo exagero em sua explanação, pois Roma foi a capital do mundo antigo, onde se conheciam elementos de todos os povos que lá se acotovelavam, para servir o César onipotente”.
Não é verdade. O romano poderia, por exemplo, ter escravos de várias regiões: do Egito, Mauritânia, da Índia, Germânia, etc. Mas, o que estes contavam? Em geral, os escravos eram pessoas de pouca inteligência e cultura, e falavam sobre temas banais, corriqueiros, relacionados com sua pobre situação. Às vezes comentavam coisas vagas a respeito de seu governante, seu rei ou seu faraó. Não eram sociólogos nem eruditos.
Que escravo egípcio seria capaz de descrever uma pirâmide? Se a desenhasse, traçaria a figura de um triângulo. Se um romano a visse, que idéia real formaria a respeito de uma pirâmide? Que noção se poderia ter dos jardins suspensos da Babilônia, sabendo apenas se tratar de terraços cobertos de plantas e flores estranhas; ou como se poderia imaginar as belezas da porcelana chinesa, ouvindo-se tão-só: “Têm elas bonitas cores como de gema de ovo ou azul celeste, com desenhos de dragões”?
De fato, somente vendo-os, apalpando-os, pode-se verdadeiramente conhecê-los.
Sem a Revolução, a Cristandade abarcaria todos os povos
Assim chegamos à seguinte idéia, muito arquitetônica com outras feitas por nós anteriormente: se não tivesse havido a Revolução, e a doutrina e o apostolado da Santa Igreja continuasse na plenitude de sua irradiação, os meios de comunicação se expandiriam de modo menos brutal, mais suave e com maior capacidade de transformar os homens do que os utilizados atualmente. E estaria consignado na História da humanidade que, mais ou menos no século XX, um pouco antes ou depois, todos os povos se conheceriam entre si.
Depois de todas as culturas e civilizações terem nascido e florescido, não sendo devoradas pelo mundo cosmopolita de nossos dias, mas conservando suas próprias características, apareceria algo de especial que faria a síntese de todas elas. Dessa forma, haveria um panorama coletivo em que todos os povos se olhassem e se compreendessem mutuamente, e se realizaria a autêntica união de toda a Cristandade submissa à Santa Igreja Católica Apostólica Romana.
Há, portanto, um tipo de chamado para que todos os povos se conheçam e constituam uma unidade harmônica para o bem dos homens, o que deveria ocorrer aproximadamente em nossa época. Entretanto, ela se deu para a descaracterização das civilizações, a cosmopolitização, visando a expansão geral da Revolução e, portanto, a ruína e desolação da humanidade. Realizou-se como açoite e castigo aquilo que poderia ser feito como bênção e recompensa.
Extremamente belo seria — atingida essa espécie de unidade da Cristandade, um só rebanho sob a direção de um só Pastor — se chegasse ao conhecimento dos homens o preciso local em que se erguera a Torre de Babel, e às ruínas dela se dirigisse o Papa, acompanhado de reis e dirigentes das nações, para ali entoarem um Te Deum e um Magnificat apoteóticos, em ação de graças pela unidade recuperada!
Num momento seguinte, edificar-se-ia ali uma igreja esplendorosa, afirmando que essa unidade foi reconstruída porque o Verbo se fez carne nas puríssimas entranhas de Maria Virgem e habitou entre nós.
Com essa unidade autenticamente católica, não haveria os trajes universais usados hoje, nem aviões que roncam no firmamento. Para comemorá-la, podemos supor as pessoas chegando àquele lugar em planadores manejados ao sabor dos ventos, e, no momento de pousar, o fazem graciosamente, deitando tapetes, musselinas, etc. Os homens das mais variadas regiões, falando idiomas e trajando roupas diferentes, com seus bispos, dignitários, príncipes, sábios, todos desembarcando para essa grande festividade da união do mundo, porque o Verbo se encarnou e passou a viver entre nós. Quem pode imaginar semelhante situação?
Contudo, uma coisa permanece de pé: algo dessa união do mundo, embora de maneira torta e pretendendo o mal, de alguma forma está realizado e, sob certo ponto de vista, é um fato consumado.
O último cântico da humanidade
Acontece que as grandes obras da Providência habitualmente se fazem, na ordem espiritual, suscitando uma família religiosa nova; e na temporal, um povo novo. Poderia ser uma família de povos receptiva a essa tarefa de unir, compreender, assumir, destilar tudo e fazer um certo mel único, o qual seria o nosso regalo supremo, o último cântico entoado pela humanidade antes de ela terminar a sua História.
Conta-se que o cisne só canta uma única vez: quando sente a proximidade da morte. E nesse canto deita ele todas as belezas que refletiu na água e a formosura que esta lhe emprestou.
Poderíamos então imaginar um povo ou uma família de povos com a vocação de recolher todo o passado no seu conjunto, assumi-lo e compor o cântico definitivo. Esse hino exprimiria o entusiasmo pelo Antigo Testamento, por todos os ritos litúrgicos e fases da vida da Igreja, por todas as nações que Ela reuniu à Cristandade, e também por todos os povos que, embora não pertencessem à Igreja, realizaram belezas as quais teriam mais pulcritude se concebidas sob a égide da Esposa de Cristo. Tais povos haveriam de receber o Batismo, sacramento que retificaria, purificaria e ordenaria todas as suas obras. O todo, o conjunto estaria completado.
Seria natural que a História do mundo se desenvolvesse desse modo. Depois de ter caminhado durante milênios, chegasse afinal ao aprisco da Igreja Católica e, olhando para seu passado — não cansada, mas madura — tivesse uma idéia do conjunto. Em seguida, ela se ajoelharia e, através de Nossa Senhora, entoaria um cântico de glorificação a Deus, seu canto de cisne, o mais belo da História… (Revista Dr. Plinio, Junho/2005, n. 87, p. 16 a 21).