Se perguntarmos às pessoas que passam pela rua qual a razão de ser do traje, a grande maioria ficará um tanto espantada com a indagação, mostrar-se-á hesitante, acabando por dar uma resposta vaga e imprecisa.
Estamos diante de um paradoxo, pois se questionarmos os mesmos transeuntes a respeito de outras coisas, saberão o que dizer. Por exemplo, sobre a utilidade de um microfone, afirmarão servir para a ampliação do som ou eventual gravação. Uma cadeira? “Para sentar”. Um automóvel? “Para transporte”. Um lustre? “Para iluminar”. Um garfo? “Para comer”, e assim multiplicaríamos os exemplos. Entretanto, quando o assunto é o traje, a pessoa indagada tem a sensação de que não está dizendo tudo, e por isso manifesta certa vacilação.
Predomínio do materialismo
Examinando a fundo a causa dessa indecisão, percebe-se este fato: sempre que o homem de hoje é convidado a se exprimir acerca da razão de ser de algo cuja utilidade é evidente, ele o faz com facilidade. Porém, complica-se quando o valor do objeto em questão é mais espiritual do que material. Assim, perguntado sobre o porquê de se colocar quadros decorativos em determinado tipo de casa comercial ou restaurantes de luxo, observará: “Para atrair fregueses”.
Ele aponta o aspecto argentário da pintura, mas não entende a sua finalidade superior, isto é, a utilidade que ela traz para a alma em condições de apreciá-la.
Infelizmente, o homem moderno — mesmo crendo em Deus e na imortalidade da alma — acha-se encharcado de materialismo, e por isso não alcança explicar o significado espiritual daquilo que o cerca. Desse modo se constata como a civilização materialista diminui, apequena os horizontes, subtraindo aos homens o conhecimento mais elevado de uma série de coisas pelo seu aspecto espiritual, entre elas o traje.
As belezas do universo nos preparam para a visão beatífica
Retomemos, então, o exemplo do quadro. Qual a razão de ser de uma pintura que represente, digamos, o Pão de Açúcar em sua forma ao mesmo tempo grandiosa e graciosa, com o lindo reflexo do enorme rochedo espelhando-se nas águas da Baía de Guanabara?
Alguém dirá: “Não vejo razão. Serve apenas para descansar o espírito e distrair.”
Ora, se fosse só esta sua finalidade, já teria muita razão de ser. Pois se uma cama é útil porque descansa o corpo, tanto mais o será aquilo que alivia o espírito, superior à matéria. Se ninguém negaria o vantajoso da cama, por que contestar o de um quadro numa casa? É o repouso do espírito, como também o adorno e embelezamento do ambiente no qual é colocado.
Passemos do quadro para um exemplo mais vivo. Imaginemos uma borboleta de asas azul-esverdeadas, comum nas florestas brasileiras. Ela esvoaça de modo bonito e caprichosos, mudando de rumo, leve, delicada, brincando nos ares, iluminada por um raio de sol, reluzindo como uma jóia, pousando aqui e ali sobre as flores ridentes. Deus as terá criado por causa de sua função utilitária
ou sobretudo em virtude de sua formosura?
Em última análise, a pergunta é esta: qual a razão de ser de tantas maravilhas espalhadas pelo universo?
A doutrina católica nos responde. É desejo do Criador que o homem, amando na Terra os seres que simbolizam a infinita pulcritude d’Ele, prepare sua alma para o Céu, onde iremos contemplá-Lo por toda a eternidade. Suponhamos que devêssemos nos apresentar a um rei de extrema imponência, capacidade, inteligência e educação. Não gostaríamos de dispor nossa alma para esse encontro, considerando antes um manequim desse monarca, para nos familiarizar com ele?
Pois não há rei na Terra comparável, nem de longe, a Deus infinito e perfeitíssimo. Portanto, contemplá-Lo face a face supõe uma preparação feita, em grande parte, considerando as pessoas virtuosas, admirando as coisas belas, etc., que existem para espelhar a Ele no universo.
Assim, o homem que almeja amar a Deus e se assemelhar a Ele, deve ter o espírito sensível à beleza.
Por que conduz a Deus, o belo é perseguido
Esses pensamentos gerais têm como corolário esta constatação: como tudo quanto é legitimamente belo conduz a Deus, é natural que a Revolução tenha procurado ao longo dos séculos diminuir e até eliminar a beleza no mundo.
Para nos atermos ao exemplo dos trajes, veremos que estes decaíram nos seus aspectos graciosos a partir de certa época, notadamente após a Revolução Francesa de 1789. Com efeito, basta não ter um espírito faccioso levado ao delírio para reconhecer que as maneiras, os palácios, os objetos de arte e demais manifestações de cultura e bom-gosto existentes antes da Revolução Francesa
eram mais bonitos do que os surgidos após aquele período.
Quanto às vestimentas, apresentavam-se em formas lindíssimas, sedas maravilhosas, veludos magníficos, tecidos com freqüência ornados de jóias esplêndidas. Se os compararmos com as roupas de hoje, vestidos em forma de tubo ou canudo, que diferença!
O trato e boas maneiras, tão afins com o modo de se trajar, tiveram seu auge na Europa de meados do século XVIII, sintetizados pelos três dons que o povo francês, mais do que outros, cultivava esplendidamente: os savoir dire, savoir faire, savoir plaire — saber dizer, saber fazer e saber agradar. Esse requinte de beleza recebeu um duro golpe com a Revolução de 1789, e a partir daí não se verificou senão apoucamento e diminuição, que podem ser comprovados através de pinturas, esculturas, etc. É um fato incontestável.
A decadência do traje masculino
Analisando apenas o traje masculino, consideremos as vestes comuns dos estadistas do Império ou do começo da República no Brasil. A queda da monarquia neste País deu-se em 1889, cem anos depois da Revolução Francesa. Se confrontarmos os trajes usados por Dom Pedro II ou pelo Presidente Prudente de Morais com os de um governante do século XVIII, notaremos a grande disparidade.
Por exemplo, o chapéu. Antes da Revolução Francesa, este tinha três bicos com a aba levantada nas laterais, adornado de plumas prestigiosas e, em certos casos, bordados com fio de ouro ou incrustados de pedras preciosas.
Bem diferentes da cartola, usada no final do século XIX… Hoje, esta parece uma luxuosa cobertura de cabeça, mas em última análise é um tubo preto, um pedaço de chaminé, embora muitas vezes confeccionada com matéria-prima linda e lustrosa, deitando reflexos variegados sob um foco de luz. Porém, comparada com o chapéu de três bicos, a cartola seria mais adequada a um agente funerário…
Além do tubo sobre a cabeça, usava-se também camisa de peito duro, com colarinho do qual pendia a gravata enfeitada com uma pérola. Houve um minguamento da beleza, notada igualmente nos trajes femininos e em todas as outras coisas.
Se nos transpusermos para o ano de 1918, término da I Guerra Mundial, verificaremos outra imensa mudança nas modas.
A cartola, antes usada diariamente, passou a ser utilizada apenas nas grandes cerimônias. Logo foi sendo substituída pelo chapéu mole de feltro, que suprimia algo da imponência do homem, e cuja “beleza” consistia em estar amassado…
As camisas deixaram de ser engomadas e se tornaram macias. O colarinho, até então alto, obrigando à cabeça manter-se numa posição de sobranceria, foi dobrado.
O paletó, outrora com a distinção da cor preta, tornou-se colorido, com o matiz de papel de embrulho. Comparemos tudo isso com as vestes que um varão de categoria mediana usava antes da Revolução de 1789, e veremos que nem o criado dele se trajava como muitos o fazem hoje em dia.
A esse propósito, contaram-me de alguém que, diante de uma pintura representando uma família do Ancien Régime, apontou para a figura de uma moça e perguntou:
— Quem é essa marquesa?
Na verdade, era a criada da casa… (Revista Dr. Plinio, Março/2005, n. 84, p. 20 a 25).
Os chapéus de três bicos e plumas deram lugar às cartolas (acima), logo substituídas pelo chapéu de feltro (no alto), “bonito” porque amassado…