Em meio ao fausto e às alegrias superficiais do Renascimento pagão e aos erros do protestantismo que minavam a Cristandade, verdadeiras multidões acorriam sôfregas para ver, ouvir e até tocar num austero frade capuchinho de nome Lourenço. Em seu semblante transpareciam as marcas da mortificação, luzia em seu olhar a sabedoria própria àqueles que contemplam as realidades sobrenaturais, e seu hábito, surrado e austero, proclamava a renúncia aos prazeres e frivolidades mundanas.
Pequeno e prodigioso pregador
Viera ele ao mundo em 22 de julho de 1559 – dia de Santa Maria Madalena, por quem nutriu profunda devoção durante toda a vida –, na cidade italiana de Bríndisi, recebendo no Batismo o nome de Júlio César. Conta-se que, pouco antes de seu nascimento, uma luz celestial envolveu sua mãe muitas vezes, parecendo pressagiar para o nascituro um futuro glorioso.
Desde tenríssima infância manifestou ele possuir uma alma singularmente piedosa. Com quatro anos foi deixado sob a tutela dos frades do convento franciscano de São Paulo Eremita, em sua cidade natal, a fim de receber ali uma sólida formação. A seriedade e compenetração de seu comportamento causavam admiração inclusive nos religiosos mais observantes.
Logo iniciou o estudo das Sagradas Escrituras e, tendo sido dotado pela Providência de espetacular memória, repetia com exatidão e viveza as pregações que ouvia. Maravilhados, os frades se reuniam para escutá-lo e não raro o convocavam para pregar nos Capítulos do convento.
Não só suas relíquias tinham poder de curar, mas também suas bênçãos. Contava apenas seis anos de idade quando o Arcebispo, Dom Francisco Alcander, quis ouvi-lo pregar, atraído por sua fama. Para deixá-lo mais à vontade, o prelado se disfarçou entre os fiéis e ficou encantado com a sabedoria daquela criança, que falava com a desenvoltura do Apóstolo. Terminada a prédica, “estreitou-o ternamente em seus braços, deu-lhe a bênção e, com ela, ampla licença para pregar em toda a arquidiocese, de modo muito particular no púlpito da catedral, com toque de sino para chamar o povo”.
Aos sermões do juveníssimo pregador acorriam não só as crianças, mas também muitos adultos. Com despretensioso desembaraço ele discorria sobre as verdades da Fé, repetindo ensinamentos aprendidos em várias ocasiões, e arrastava as almas à conversão.
Preparando-se para as árduas lutas futuras
O futuro Frei Lourenço tinha experimentados formadores. Embora muito considerassem seu talento, nunca o elogiavam em sua presença. Souberam eles iniciá-lo tanto nas ciências humanas quanto na divina, de maneira que, se o menino sobressaía naquelas, deveria alcançar também o píncaro desta. A prática da virtude, as mortificações e a humildade eram-lhe igualmente exigidas. Com naturalidade ele saía do púlpito para dedicar-se a humildes afazeres do convento: varrer o pátio, esfregar o assoalho e outros do gênero.
Aos catorze anos encontrava-se ainda Júlio César vivendo entre os frades conventuais de São Paulo Eremita, e pensava ali permanecer até o fim de seus dias. No entanto, foi obrigado pelas circunstâncias a se mudar para Veneza, onde continuou os estudos numa escola regida por seu tio, Pedro Rossi, homem de virtude e doutrina, encontrando nos capuchinhos sua verdadeira vocação.
Visando ingressar neste ramo da seráfica Ordem Franciscana, intensificou a vida de piedade e penitência: disciplinava-se com frequência, dormia pouco e sobre tábuas, jejuava três vezes por semana e usava cilício. Como um verdadeiro guerreiro, fortalecia-se para as árduas lutas que haveria de travar nos diversos e arriscados campos que lhe estavam reservados pela Divina Providência.
Entrega à vocação
Passava todos os momentos livres entre os capuchinhos de Veneza, até ser admitido como noviço, em Verona. Em 18 de fevereiro de 1575 recebeu o hábito e o nome que, por sua santidade, haveria de refulgir no firmamento da Igreja: Frei Lourenço de Bríndisi.
No tempo do noviciado passou por grandes provações, tanto de alma quanto de corpo. Foi acometido por várias doenças, mas sofria contente, por amor a Deus e à Virgem Santíssima, a quem se consagrara.
Em 1576 fez a solene profissão de votos e desejava ser apenas irmão leigo. Os superiores, porém, aconselharam-no a abraçar a via sacerdotal, para o que o enviaram a Pádua, a fim de cursar Filosofia. Em 1582, aos vinte e três anos, recebeu a ordenação presbiteral e logo acumulou os encargos de pregador, mestre de noviços e professor de Teologia. Vinte anos depois seria ainda eleito superior geral.
Destemor na defesa da Igreja
Mesmo tendo feito milagres aos borbotões, entretanto, o grande mérito de São Lourenço foi o de pregar com destemor em defesa da Santa Igreja.
Num de seus sermões, em Praga, se arriscou publicamente e disse “que estava preparado para dar não só uma cabeça, mas cem, se as tivesse, pela Fé Católica Romana; acrescentou que jamais deixaria de propagá-la com todas as suas forças, mesmo à custa de seu sangue”.
Por toda parte aonde ia, pregava com ardor contra os pecados, comovendo os corações e convertendo multidões em diversas cidades italianas, como Nápoles, Mântua, Gênova, Pádua, Verona, Milão, entre outras. Defendia com tanto amor as verdades da Religião, que o Arcebispo de Pavia chegou a chamá-lo de “o novo São Paulo”.
Sua capacidade, contudo, não provinha só de qualidades humanas. Certa vez, quando o Pe. Semproni lhe perguntou como conseguia pregar sem preparação prévia, ele respondeu: “Quando começo a pregação, a inteligência e a memória se abrem”. E com um gesto de mãos indicou que era como se lesse num livro aberto. E a outro capuchinho, Frei André de Veneza, confidenciou que o que conhecia “era por graça especialíssima de Deus, que lhe tinha infundido toda a doutrina de sua Divina Majestade, em particular a língua grega, hebraica e caldeia”.
Desde sua ordenação sacerdotal até a morte, São Lourenço exerceu as mais diversas missões. Percorreu a pé quase todas as nações católicas da Europa, ora como superior-geral da Ordem, ora como embaixador de paz, ora como enviado pelo imperador ou pelo Papa para coordenar os príncipes católicos na luta contra a heresia e a invasão turca.
Tão importantes foram suas missões para a coesão da Fé, que o Papa Paulo V conferiu-lhe em 1606, por meio de uma bula pessoal, “amplas faculdades para pregar em todas as partes, sem necessidade de pedir autorização aos Bispos diocesanos”.
Fé heroica no campo de batalha e diante da morte
De dia e de noite nosso Santo portava ao pescoço uma Cruz de madeira, de mais ou menos um palmo, na qual havia incrustado várias relíquias. Era este seu único instrumento para abençoar as pessoas ou defender-se, quando se via obrigado a agir em situações de guerra.
Sua participação na batalha de Alba Real, hoje Belgrado, primeira das muitas em que lhe coube estar presente, é assim descrita por uma testemunha ocular de nome Carlos de Vicecones: “o Padre não levava armadura nem tampouco se defendia, mas com seu simples hábito capuchinho e uma Cruz na mão se movia por toda parte, exercendo sem temor seu ofício. A cidade de Belgrado foi conquistada com facilidade e de modo muito feliz, porém, pouco depois sobreveio o exército turco, atacando com grande ímpeto. O Pe. Bríndisi corria de um lado para outro, animando sempre. E não só em particular, senão que pregava em alta voz, exortava- -nos a permanecer firmes, a não ceder terreno, anunciando que a vitória seria nossa”.
Nesta mesma batalha, o Pe. Ambrósio de Florença recorda que o cavalo de São Lourenço se meteu entre os inimigos e ele só não foi morto porque o animal deu uma volta. Então acorreram em seu socorro dois oficiais cristãos e lhe pediram que se afastasse, pois estava em área de muito risco. Respondeu ele: “Senhores, avante, avante! Este é o meu lugar. Vitória! Vitória! Vitória!”. E o Pe. João Maria de Monteforte relata que, em outro momento, Frei Lourenço chegou a sentir um golpe de cimitarra, mas, “pela graça de Deus e da Santíssima Virgem, não me causou dano algum”, explicou ele.
Em diversas ocasiões beneficiou os soldados do exército católico com sua presença. Frei Giovanni Battista de Mântua conta que, numa batalha travada na Hungria, viu o Pe. Bríndisi fazer voltar atrás as balas da artilharia inimiga, com o sinal da Cruz, de forma que elas “retornavam contra os atiradores ou caíam por terra a meio caminho, sem atingir os cristãos”.
Estes e outros fatos foram narrados por testemunhas oculares, e constam no processo de canonização do nosso Santo. Neles se vislumbra o grau de virtude alcançado por São Lourenço e sua plena convicção de que o Divino Redentor nunca abandona seus filhos, mesmo nas mais difíceis circunstâncias.
Encontrava-se em Lisboa, para onde viajara como embaixador do rei de Nápoles junto a Felipe III, que havia ido a Portugal para assumir aquele reino, quando, depois de uma curta enfermidade, veio a falecer em 22 de julho de 1619.
Sua austera vida de capuchinho pode ser sintetizada no refulgir de uma constelação de virtudes, opostas aos defeitos da época, e foi Maria Santíssima, chamada por ele de Virgem da Plenitude, por haver Deus depositado n’Ela uma infinitude de graças, quem o animou em toda a sua existência.
É a respeito d’Ela que ele nos deixa, entre outros, este conselho: “Seja Maria sempre para nós exemplo de paciência invencível, de virtude invicta, de ânimo inabalável, de maneira que nenhuma tribulação ou criatura nos possa separar da caridade de Cristo”.
Revista Arautos do Evangelho, Julho/2018, n. 199, p. 30-33.
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