“E ele, respondendo, disse-lhes: Elias Profeta certamente há de vir [antes de minha segunda vinda], e restabelecerá todas as coisas” (Mt 17, 11).
São palavras de Nosso Senhor Jesus Cristo a Pedro, João e Tiago, logo após o episódio da Transfiguração. Se aos profetas no Antigo Testamento coube a honra e a glória de anunciar a vinda do Salvador, Santo Elias teve o privilégio de ser anunciado pelo próprio Messias.
Quando desciam o monte Tabor, o Mestre proibiu aos três Apóstolos contar os fatos ocorridos lá no cimo, até sua ressurreição. Pelo caminho, vinham os discípulos conversando entre si a respeito do sentido da grandiosa cena à qual haviam assistido. Como todo judeu piedoso, acreditavam na necessidade de Elias preceder o Messias. E agora ele aparecera na Transfiguração de Jesus! Seria o começo? Um deles não se conteve e perguntou ao Mestre: “Por que dizem os escribas que Elias ainda há de vir?”
Santo Elias Lugar onde o profeta Elias matou os sacerdotes de Baal El Muhraqa, Israel |
E Jesus retorquiu com as palavras reproduzidas no início do presente tópico, confirmando a profecia sobre o retorno de Elias para restabelecer a ordem. Quando? Antes de examinar tal questão, vejamos quem foi esse varão tão grandioso.
Seu nome, que significa “o Senhor é meu Deus”, aparece de forma abrupta na História do Reino de Israel, e já com um brilho prodigioso: “Suas palavras queimavam como uma rocha ardente. Elias, o profeta, levantou- se logo como um fogo” (Ecle 48, 1-10).
Sabe-se que ele nasceu em torno do ano 900 a.C. em Tesba de Galaad, junto à fronteira do país dos amonitas (atual Jordânia). “Quando Elias estava para nascer, seu pai Sabacha viu-o saudado por alvos anjos, envolvido por faixas de fogo e alimentado com chamas. Tendo ido a Jerusalém, relatou [no templo] a visão, e o oráculo lhe disse que não temesse, pois aquele que ia nascer habitaria na luz, suas palavras seriam sentença segura e julgaria Israel com gládio e fogo” (Doroteu, Sto. Epifânio e Metafrates, apud Cornelio a Lápide, Comentários ao Livro 1º dos Reis, cap. 17)
Sua vida foi repleta de aspectos extraordinários. Numerosos autores lhe atribuem a virgindade perpétua, embora essa virtude fosse rara em seu tempo. O famoso exegeta Cornélio a Lápide lhe confere, logo no início de seus comentários, a santidade, austeridade e inocência de vida. Mostra, depois, como o profeta se tornou fundador da vida monástica e eremítica, ao retirar-se para o Monte Carmelo, onde se dedicou à contemplação, reunindo Eliseu e vários discípulos.
Naquele tempo, os israelitas haviam mesclado, ao culto do verdadeiro Deus, o culto pagão de Baal, deus da fertilidade, e quase já não conseguiam distinguir um do outro. Os 450 sacerdotes dessa religião sangüinária e imoral eram protegidos pela rainha, Jezabel, uma fenícia, sendo abrigados e alimentados no próprio palácio real. O rei Acab apoiava as ações de sua esposa, a ponto de edificar, dentro de sua residência, um templo para Baal.
Nesse ambiente irrompe como um raio o homem de Deus: “Elias, o tesbita, um habitante de Galaad, veio dizer a Acab: ‘Pela vida do Senhor, Deus de Israel, a quem sirvo, não haverá nestes anos orvalho nem chuva, senão quando eu o disser’.” (1Reis 17, 1). Esse ardor nas palavras e essa impressionante certeza de que o Senhor o ouvia são característicos desse santo profeta. E ele entra pela primeira vez na História já confrontando-se com o rei e os adoradores de Baal.
São João Crisóstomo se entusiasma com essa tempestuosa atitude de Elias, e comenta: “Quando ele, profeta santíssimo, pôs os olhos no povo prevaricador, quando viu claramente Baal e os ídolos serem sacrilegamente adorados, com desprezo do Senhor, quando todo o povo, abandonando o Criador, se entregava ao culto das estátuas de barro dos bosques, movido pelo zelo de Deus, decretou contra a Judéia a sentença da seca e do fim das chuvas. Então, subitamente, a terra lançou vapores, o céu se fechou, os rios secaram, as fontes se extinguiram, o bronze ferveu, a temperatura torturou, a tranqüilidade ficou penosa, as noites se tornaram secas, os dias áridos, as searas se torraram, os arbustos feneceram, osprados desapareceram, os bosques enlanguesceram, os campos jejuaram, a terra tornou-se inculta, suas ervas morreram, e a ira de Deus se manifestou sobre todas as criaturas” (apud Cornelio a Lápide, idem).
Por ordem do Senhor, Elias retirou-se para a banda do Oriente, junto à torrente do Carit. Nesse local foi alimentado com pão e carne levados por corvos. Porém, a água secou, e ele teve de mudar de residência.
Deus lhe preparara hospedagem em casa de uma viúva, em Sarepta, na Fenícia. Seria ocasião de ele realizar mais milagres, em primeiro lugar ao multiplicar diariamente a farinhae o azeite da pobre mulher, ao longo de três anos, e ainda ao ressuscitar o filho único dela: “Depois de ter aprendido a misericórdia em seu retiro à margem da torrente do Carit, ensina à viúva de Sarepta a fé na palavra de Deus, fé que ele confirma por sua oração insistente: Deus devolve à vida o filho da viúva”, diz o Catecismo da Igreja Católica (nº 2583), reiterando a confiança do santo profeta no atendimento de suas súplicas.
Mas a fome tornava-se extrema em Israel. Acab, aflito por não encontrar Elias, saiu pelos áridos campos à procura de fontes e ervas. Enquanto o rei percorria em vão o país, vieram avisá-lo da aproximação de Elias. Acab foi ao seu encontro, e tão logo viu o homem de Deus, disse-lhe:
“Eis-te aqui, o perturbador de Israel”. – “Não sou eu o perturbador de Israel,” respondeu Elias, “mas tu, sim, e a casa de teu pai, porque abandonastes os preceitos do Senhor, e tu seguiste aos Baals. Convoca, pois, à montanha do Carmelo, junto de mim, todo o Israel com os 450 profetas de Baal e os 400 profetas de Asserá, que comem à mesa de Jezabel” (1Reis 18, 17-19).
Quando os convocados se reuniram no monte Carmelo, Elias, aproximando-se do povo, dirigiu-se a todos, dizendo: “Até quando claudicareis dos dois pés? Se o Senhor é Deus, segui-O, mas se é Baal, segui a Baal!” (1Reis, 18, 21). A bela imagem expressa o comportamento dos israelitas, de dobrar um joelho diante de Deus, e outro diante de Baal.
Deus sabe escolher o cenário para conferir valor e premiar o zelo dos varões de sua destra, pois o monte Carmelo era o lugar ideal para o grandioso episódio tão maravilhosamente narrado pela Escritura. Ergue- se alto, bem junto ao mar, na fronteira entre a Samaria e a Galiléia, a 32 quilômetros de Nazaré. Hoje em dia, pelas suas encostas, avança a cidade de Haifa.
E Elias tornou a dizer ao povo: “Eu sou o único dos profetas do Senhor que fiquei; mas os profetas de Baal chegam a 450 homens. Dê-se-nos, portanto, um par de novilhos; eles escolherão um, fá-lo-ão em pedaços, e o colocarão sobre a lenha, mas sem meter fogo por baixo; eu tomarei o outro novilho e o porei sobre a lenha, sem meter fogo por baixo. Depois disso, invocareis o nome de vosso deus, e eu invocarei o nome do Senhor. Aquele que responder pelo fogo, esse será reconhecido como o (verdadeiro) Deus”. Todo o povo respondeu: “É uma boa proposta” (1Reis 18, 22-24).
O homem de Deus, varão da confiança total no Senhor, estava preparando os elementos para desmascarar, de modo espetacular, diante de todo o povo, a fraudulenta religião pagã. Com sua maneira de ser categórica e ao mesmo tempo diplomática, convidou os “profetas” do falso deus a começarem invocando Baal, “porque sois em maior número”. Eles despedaçaram o novilho, colocaram-no sobre o altar, e deram início às suas cerimônias impetratórias:
“Puseram-se a invocar o nome de Baal, desde a manhã até o meio-dia, gritando: ‘Baal, responde-nos!’ Mas não houve voz, nem resposta. E dançavam ao redor do altar que tinham levantado. Sendo já meio-dia, Elias escarnecia- os, dizendo: ‘Gritai com mais força, pois (seguramente) ele é deus; mas estará entretido com alguma conversa ou ocupado, ou em viagem, ou estará dormindo… e isso o acordará’. Eles gritavam, com efeito, em alta voz, e retalhavam- se segundo o seu costume, com canivetes e lancetas, até se cobrirem de sangue” (1Reis 18, 26-28).
Esgotou-se o prazo para os 450 “profetas” de Baal; era hora de Elias clamar com confiança a ação do Deus de Israel: “Elias disse ao povo: ‘Aproximai-vos de mim’, e todos se aproximaram”.
“Elias reparou o altar demolido do Senhor. Tomou doze pedras, segundo o número das tribos dos filhos de Jacó, a quem o Senhor dissera: Tu te chamarás Israel. E erigiu com essas pedras um altar ao Senhor.
Fez em volta do altar uma valeta, com a capacidade de duas medidas de semente. Dispôs a lenha, e colocou sobre ela o boi feito em pedaços. E disse: ‘Enchei quatro talhas de água e derramai- a em cima do holocausto e da lenha’. Depois disse: ‘Fazei isto pela segunda vez’. Tendo-o eles feito, disse: ‘Ainda uma terceira vez’. Eles obedeceram. A água correu em volta do altar e a valeta ficou cheia.
Chegou a hora da oblação. O profeta Elias adiantou-se e disse: ‘Senhor, Deus de Abraão, de Isaac e de Israel, saibam todos hoje que sois o Deus de Israel, que eu sou vosso servo, e que por vossa ordem fiz todas estas coisas. Ouvi-me, Senhor, ouvi-me, para que este povo reconheça que Vós, Senhor, sois Deus, e que Vós sois que converteis os corações'”.
E Deus atende com abundância a oração confiante do servo fiel: “Então, subitamente, o fogo do Senhor baixou do céu e consumiu o holocausto, a lenha, as pedras, a poeira e até mesmo a água da valeta. Vendo isso, o povo prostrou-se com o rosto por terra, e exclamou: ‘O Senhor é Deus! O Senhor é Deus!’ Elias disse-lhes: ‘Tomai agora os profetas de Baal; não deixeis escapar um só deles!’ Tendo- os o povo agarrado, Elias levou-os ao vale de Cison e ali os matou” (1Reis 18, 30-40).
Entre Elias, sua missão e os lugares onde viveu existe uma bela harmonia, muito bem ressaltada pelo autor do Livro dos Reis. E um dos méritos do escritor inspirado é o de fazer sentir esse acordo profundo. Carit evoca o espírito eremítico de Elias; o Horeb, sua intimidade com Deus; Sarepta, seu espírito de obediência ao Senhor e sua prudência.
O Carmelo, a montanha da renovação da Aliança de Deus com seu povo, recorda seu zelo pela glória do Altíssimo e sua fé inquebrantável. Carmelo é um nome derivado do hebraico Karem, que significa jardim ou pomar e vinha do Senhor. Era o local apropriado para Elias rogar fervorosamente a Deus pela chuva. Logo após o confronto com os 450 “profetas” de Baal, Elias subiu ao cimo desse monte e orou a Deus. Por sete vezes mandou seu servo olhar para as bandas do mar, para verificar se havia sinal de chuva. “Na sétima vez o servo respondeu: ‘Eis que sobe do mar uma pequena nuvem, do tamanho da palma da mão’ (…) Num instante, o céu se cobriu de nuvens negras, soprou o vento e a chuva caiu torrencialmente” (1Reis 18, 42-45).
Deus ouvira novamente o santo profeta: “A oração fervorosa do justo tem grande poder” (Catecismo da Igreja Católica, nº 2582).
Segundo uma longa tradição na Igreja, aquela “nuvenzinha”, prenunciadora da chuva, prefigurava a Santíssima Virgem. No Novo Testamento, Ela faria “chover sobre a humanidade” o Redentor, e, depois, as graças obtidas por sua intercessão. O profeta Elias é considerado seu primeiro devoto.
Apesar do comprovado milagre, Jezabel ficou devorada de ódio contra Elias, e mandou-lhe um mensageiro, avisando sua determinação de matá-lo no dia seguinte, tal qual ele fizera com os “profetas” de Baal.
Tomado de temor, o profeta caminhou sem parar em direção ao sul. No limiar do deserto, dispensou seu criado, e se embrenhou sozinho por aquelas paragens inóspitas, andando durante um dia inteiro até cair meio desfalecido. Mas Deus enviou um Anjo para o revigorar, oferecendo-lhe pão e água, e assim alimentado, Elias caminhou quarenta dias e quarenta noites até o monte Horeb, “a montanha de Deus” (1Reis, 19, 1-8).
Nesse simbólico lugar, onde séculos antes Moisés falara com Deus, Elias teve um encontro análogo com o Senhor. Somente ele e Moisés apareceram na transfiguração de Jesus; também os dois foram os únicos a presenciar a glória do Senhor no Horeb. Deus passou diante dele, e duas vezes lhe dirigiu a palavra, perguntando: “Que fazes aqui, Elias?” E o profeta respondeu: “Eu me consumo de zelo pelo Senhor Deus dos exércitos. Porque os israelitas abandonaram a vossa aliança, derrubaram vossos altares e passaram os vossos profetas ao fio da espada. Só eu fiquei, e querem tirar-me a vida” (1 Reis 19, 9-10).
Deus o encarregou de várias missões, consistindo as principais em sagrar um novo rei de Israel e em ungir Eliseu, como profeta continuador de sua missão.
Esses encargos deram ocasião a outros episódios portentosos narrados no livro dos Reis. O Espírito Santo canta o brilho de seus feitos com essas palavras: “Quão glorioso te tornaste, Elias, por teus prodígios!.Bem-aventurados os que te conheceram, e foram honrados com a tua amizade!” (Eclo 48, 4 e 11).
O ponto auge de sua história se verifica ao despedir- se de Eliseu, conforme no-lo relata o Segundo Livro dos Reis: “Continuando o seu caminho, entretidos a conversar (Elias e Eliseu), eis que de repente um carro de fogo com cavalos de fogo os separou um do outro, e Elias subiu ao céu num turbilhão” (2Reis 2, 11).
Ora, o céu propriamente dito ainda não havia sido aberto pelo Redentor. Assim, perguntamo-nos novamente: Onde está Elias e quando voltará?
Arrebatado em corpo e alma num carro de fogo, com efeito Elias ainda não morreu, segundo uma consagrada tradição na Igreja Católica.
Então, onde se encontra agora? Todavia não se sabe. Entretanto, a Sagrada Escritura, na versão dos Setenta, diz ter sido ele arrebatado “quasi in coelum” (“quase aocéu”). E esta é por certo a opinião dos Santos Padres e Doutores. Contudo, para alguns deles, Elias foi levado ao Paraíso Terrestre, o lugar de onde haviam sido expulsos Adão e Eva, após cometerem o Pecado Original. Para outros, enfim, foi conduzido para uma região ignorada da terra. Entre os da primeira opinião estão Santo Irineu, Tertuliano, Santo Isidoro e São Tomás de Aquino, e entre defensores da segunda, São Gregório Magno. Teodoreto manifesta indecisão, por achar insuficientes os dados da Escritura, como pensam também São João Crisóstomo e Santo Agostinho.
Voltará Elias, e quando? A tradição judaica, no Antigo Testamento, bem como a cristã, acreditam em seu retorno. E esta crença é corroborada por várias passagens da Bíblia.
O já citado livro do Eclesiástico é taxativo a esse respeito. Referindo-se ao profeta, exclama: “Tu, que foste arrebatado num turbilhão de fogo, num carro puxado por cavalos ardentes. Tu, que foste escolhido pelos decretos dos tempos para amenizar a cólera do Senhor, para reconciliar o coração dos pais com os filhos, e para restabelecer as tribos de Jacó” (Eclo 48, 9-10).
E através do profeta Malaquias, Deus repete essa predição: “Vou mandar-vos o profeta Elias, antes que venha o grande e temível dia do Senhor, e ele converterá o coração dos pais para os filhos, e o coração dos filhos para os pais, de sorte que não mais ferirei de interdito a terra” (Ml 3, 23-24).
De tal modo a idéia da volta de Elias estava fixa na mente dos judeus, que tomaram Jesus por ele (Mt 16, 14; Lc 9, 8), e pensaram o mesmo de São João Batista (Jo 1, 21). Este último negou que o fosse, embora tivesse vindo “no espírito e no poder de Elias, reconduzir os corações dos pais aos filhos e os rebeldes à sabedoria dos justos, para preparar ao Senhor um povo bem disposto” (Lc 1, 17).
Acima de tudo, são decisivas as já citadas palavras de nosso divino Salvador: “E ele, respondendo, disse-lhes: Elias certamente há de vir (antes de minha segunda vinda), e restabelecerá todas as coisas” (Mt 17, 11).
Assim, antes da primeira vinda do Messias ao mundo, São João Batista foi enviado como precursor. Antes da segunda vinda, próxima do grande e terrível julgamento final, Elias deverá retornar. Ele, o príncipe dos profetas e prefigura de Nosso Senhor Jesus Cristo, ainda não terminou sua missão: há quase três milênios aguarda a chegada do fim dos tempos. (Revista Arautos do Evangelho, Jul/2002, n. 7, p. 7 à 10)
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