A graça não destrói a natureza, pelo contrário, serve-se dela como suporte ou receptáculo. O Sacramento da Ordem sublimará o espírito forte e o caráter superior desse jovem patrício romano, tornando-o um dos mais profícuos Padres da Igreja.
Situa-se o nascimento do grande Santo Ambrósio de Milão em torno do ano de 340, em Tréveris, onde então seu pai exercia o cargo de prefeito do Império Romano. Pertencente a ilustre família senatorial, entre cujos antepassados contavam-se cônsules romanos. Ademais, honra ainda maior lhe vinha de uma tia-avó, a virgem e mártir Santa Soteris, cujo sangue generoso regara o pavimento da Via Appia, no ano de 304.
Todavia, com os irmãos Marcelina e Sátiro, a infância e juventude de Ambrósio transcorreram em Roma, onde a mãe se estabelecera após a morte prematura do marido, ocorrida nas Gálias.
Aliás, um fato encantador, narrado pelos primeiros biógrafos do santo, evoca o ambiente cheio de piedade que reinava naquela família e ressalta a precoce intuição do pequeno patrício. Durante uma visita do Bispo de Roma à casa dos Ambrósios, observara ele entretanto que todos tinham beijado a mão do venerável Pontífice. Contudo, tendo este partido, o menino decidiu oferecer sua mão direita às criadas e à própria irmã, para receber o ósculo de respeito. Marcelina recusou-se a prestar-lhe tal homenagem… Com efeito, anos mais tarde, cheia de veneração e ternura, ao beijar a mão de seu irmão, já Bispo, ambos lembraram-se do inocente episódio.
Com pouco mais de trinta anos, transferiu-se para Milão – a segunda capital do Império e sé dos imperadores cristãos, bem como capital das províncias de Ligúria e Emília -, ao ser nomeado governador destas províncias, pelo Imperador Valentiniano I.
“Ambrósio Bispo! Este brado, vindo de uma voz clara e infantil, irrompeu no meio do tumulto das pessoas presentes “Santo Ambrósio é aclamado Bispo de Milão” Catedral de Santo Ambrósio, Vigevano (Itália) |
Estava Ambrósio há dois anos à frente do governo de Milão, quando faleceu Auxêncio, em 374. Logo depois, os Bispos vizinhos, reunidos em uma das basílicas da cidade para eleger o substituto, não chegavam a um acordo. Por isso o povo, nas naves da basílica, se impacientava, esperando a decisão.
“Ambrósio Bispo! Este brado, vindo de uma voz clara e infantil, irrompeu no meio do tumulto das pessoas ali presentes. Como se tivesse ouvido uma ordem do Céu, a multidão repetiu: “Ambrósio Bispo! Que Ambrósio seja nosso Bispo!”.
Entretanto, a História não deixa claro se, ao dar tal exclamação, a criança foi inspirada diretamente pelo Espírito Santo ou se foi impelida por alguma alma conhecedora da virtude do santo, receosa de ser escolhido um Bispo ariano. De fato, o certo é que, aos 34 anos, Ambrósio, não se resignava a aceitar o cargo que o povo, o clero e até a aprovação obtida do Imperador queriam impor-lhe a todo custo. Contudo, de nada valeram seus argumentos, nem mesmo uma frustrada fuga. Por fim, a inspiração do Céu se fez sentir e o coração generoso do jovem patrício cedeu diante da vontade divina, que o compelia a subir os degraus do altar e do sólio episcopal.
A 7 de dezembro daquele mesmo ano, Ambrósio recebeu a dignidade sacerdotal, logo seguida da episcopal.
“A ele, fui conduzido por Ti, sem o saber, para que por ele fosse conduzido a Ti, com consciência” (Santo Agostinho) “Batismo de Santo Agostinho”, por Benozzo Gozzoli Igreja de Santo Agostinho, San Gimignano (Itália) |
Santo Ambrósio se dedicou particularmente ao estudo das Sagradas Escrituras. Foi um ardoroso cantor da castidade perfeita, pois “sabia bem que as brutalidades do paganismo podiam ser lavadas pela luz da virgindade cristã”.
Nesse sentido, sua primeira obra a esse respeito – Sobre as virgens -, a fez para a própria irmã, Marcelina, recompilando suas homilias sobre o tema, às quais ela não pudera estar presente. Era sobretudo uma perspectiva nova e fulgurante da virgindade. Assim sendo, enalteceu ele de tal modo a pureza que, de todas as partes, jovens desejosas de se consagrar a Deus o buscavam para fazê-lo sob sua orientação.
Além disso, não podemos deixar de lembrar uma das principais glórias de Santo Ambrósio: a de ter lavado nas águas batismais o jovem maniqueu de Tagaste, na vigília pascal de 387. A imortal pluma deste último evoca tal acontecimento: “Vim ver o Bispo Ambrósio, entre os melhores de toda a Terra, piedoso servidor teu; que com ânimo servia ao teu povo ‘a fina flor do teu trigo, a alegria do óleo da oliveira e a sóbria embriaguez do vinho’. A ele, porém, fui conduzido por Ti, sem o saber, para que por ele fosse conduzido a Ti, com consciência”.
Sem dúvida as palavras proferidas por ele aos domingos, no púlpito da Basílica de Milão, muito contribuíram para a conquista do grande Agostinho. Por outro lado, a irradiação da virtude desse homem, no qual transparecia tão alto grau de união com Deus, foi aos poucos tornando a alma do futuro Bispo de Hipona ávida de abraçar as verdades eternas.
“Não temo a morte, porque temos “Santo Ambrósio”, esmalte sobre |
Todavia, a luta travada contra o arianismo, as perseguições da Imperatriz Justina, as intervenções junto aos imperadores para fazer prevalecer sempre a ortodoxia e a paz cristã, os múltiplos trabalhos à frente da Igreja milanesa e o desvelo pastoral pelo rebanho minaram sua saúde.
Contava 57 anos, dos quais 23 de plenitude do sacerdócio, quando sentiu chegar a hora do encontro com o Supremo Juiz. Assim, pouco tempo antes de adoecer, na Quaresma de 397, predisse que não viveria até a Páscoa.
Entretanto, o infatigável zelo de Ambrósio não conhecia limites. No início desse ano, havia-se dirigido a Vercelli, para apaziguar a diocese e consagrar Honorato como Bispo. Além disso, viajara a Pávia para presidir uma nova ordenação episcopal. Seu derradeiro escrito – o comentário ao Salmo XLIII – não pôde ser concluído.
Por fim, na manhã do Sábado Santo, 4 de abril de 397, após ter recebido o Viático das mãos de Santo Honorato de Vercelli, abandonou suavemente esta Terra para celebrar a Páscoa na felicidade perpétua, onde não se conhecem lágrimas, nem luto, nem dor, e aí receber a herança do vencedor. (Revista Arautos do Evangelho, Dez/2011, n. 120, p. 32 à 36)