Fale conosco
 
 
Receba nossos boletins
 
 
 
Artigos


Santos


“Sejamos apóstolos dos apóstolos…”
 
AUTOR: PE. JUAN CARLOS CASTÉ, EP
 
Decrease Increase
Texto
Solo lectura
0
0
 
O acendrado amor com que Santa Teresinha considerava o sacerdócio marcou os sofrimentos e orações da carmelita de Lisieux. E cresceu ainda mais quando ela passou a "fazer o bem na Terra" desde o Céu.

Paris, últimos anos do século XIX. Os esplendores da Belle Époque, a alegria de viver, grandes festas como as realizadas por ocasião da visita do tsar da Rússia, Alexandre III, deslumbram os franceses e o mundo inteiro. Em 1897, nas cercanias da Cidade Luz, uma fantástica “máquina voadora” consegue elevar-se a 300 m acima do solo, e os irmãos Lumière exploram comercialmente sua prodigiosa invenção: um aparelho cinematográfico.

Celina e Teresa Martin em 1881..jpg
Com essa inocência e elevação de
alma considerava ela, em tão tenra
idade, a figura do sacerdote

Celina e Teresa Martin, em 1881

Naqueles tempos carregados de racionalismo ateu, fatos como estes alimentavam o sonho utópico de uma perpétua felicidade terrena e ajudavam a difundir a ideia de que o progresso da ciência resolveria todos os problemas da humanidade. Nessas circunstâncias, numa cidadezinha de 16 mil habitantes, situada não longe de Paris, agonizava sob os terríveis efeitos da tuberculose uma carmelita de apenas 24 anos, imolada como vítima expiatória ao Amor Misericordioso de Jesus.

A cidade: Lisieux. A jovem: Santa Teresinha do Menino Jesus e da Santa Face, padroeira universal das missões, Doutora da Igreja e profeta de uma nova via de santificação para as almas. Muito já se escreveu sobre ela e sua Pequena Via de santidade, entretanto, queremos neste artigo ressaltar um aspecto pouco comentado de sua vocação.

“Vim ao Carmelo para… rezar pelos sacerdotes”

Em 2 de setembro de 1890, no exame canônico prévio à profissão religiosa, foi-lhe perguntado por que desejava ser freira carmelita, e ela deu esta admirável resposta: “Vim ao Carmelo para salvar almas e, sobretudo, rezar pelos sacerdotes”.

Donde procedia esse amor apostólico pelo ministério ordenado numa adolescente de 17 anos? Poder- -se-ia responder: de sua profunda fé, de sua inocência, da primorosa formação religiosa recebida na intimidade familiar. Mas, se analisarmos seu itinerário espiritual, sua Pequena Via, veremos como esse amor inicial se desenvolve ao longo dos anos até alcançar uma intensidade verdadeiramente fora do comum.

Conta ela em sua encantadora História de uma alma que numa aula de catecismo preparatória para a primeira Confissão, perguntou à sua irmã Maria se deveria dizer ao confessor que “o amava de todo o coração”, pois era ao bom Deus que ela ia confessar-se na pessoa de seu ministro. Com essa inocência e elevação de espírito considerava ela, em tão tenra idade, a figura do sacerdote.

Lembremos, sob essa perspectiva, alguns aspectos da história desta alma.

Choque entre a visão elevada e a miséria humana

Quando, na idade de 15 anos, acendeu-se na alma de Teresa Martin o veemente desejo de fazer-se carmelita, ela enfrentou todos os obstáculos para realizar esse anelo. Como na França se lhe fechavam as portas, decidiu, com o apoio de seu venerável pai, ir a Roma pedir ao Papa Leão XIII a suspirada autorização.

Realizou a viagem com sua irmã Celina e seu pai, unindo-se à peregrinação da Diocese de Coutances, composta de personalidades da alta sociedade normanda e numerosos membros do clero. E deu-se aí o choque entre a elevada visão que ela tinha da vocação sacerdotal e a inevitável miséria humana. Assim narra esta adolescente provinciana suas observações:

“A segunda experiência que fiz refere-se aos sacerdotes. Como nunca vivera em sua intimidade, eu não podia compreender o objetivo principal da reforma do Carmelo. Extasiava-me rezar pelos pecadores, mas rezar pelas almas dos sacerdotes, que eu supunha mais puras que o cristal, me parecia assombroso!… Ah! na Itália compreendi minha vocação”.

E explica logo a seguir: “Convivi durante um mês com muitos santos sacerdotes e vi que, se sua sublime dignidade os eleva acima dos Anjos, nem por isso eles deixam de ser homens fracos e frágeis… Se padres santos – os quais no Evangelho Jesus denomina ‘sal da Terra’ – demonstram por sua conduta que têm extrema necessidade de orações, o que dizer dos que são tíbios?

“Oh, minha mãe! Como é bela a vocação cujo objetivo é conservar o sal destinado às almas! Esta vocação é a do Carmelo, pois o único fim de nossas orações e nossos sacrifícios é de ser apóstolo dos apóstolos, rezando por eles enquanto eles evangelizam as almas por suas palavras e, sobretudo, por seus exemplos…”.

“Celina, rezemos pelos sacerdotes”

Já como religiosa e avançando nas vias da santidade, procura comunicar a Celina, sua irmã e confidente, esse zelo apaixonado pela santificação do clero: “Oh! Minha Celina, vivamos para as almas… Sejamos apóstolos… Salvemos sobretudo as almas dos sacerdotes, essas almas deveriam ser mais transparentes que o cristal… Mas – que pena! – quantos maus sacerdotes, que não são suficientemente santos… Rezemos, soframos por eles, e Jesus nos agradecerá no último dia”.

Claustro do Mosteiro de Lisieux alguns anos depois da morte da Santa..jpg
“O único fim de nossas orações e nossos sacrifícios é de ser apóstolo dos
apóstolos, rezando por eles enquanto eles evangelizam”

Claustro do Mosteiro de Lisieux alguns anos depois da morte da Santa

Em outra carta, entusiasmada com esse apostolado, convida sua irmã a, juntas, amarem Jesus até à loucura e salvar-Lhe almas, e acrescenta: “Ah! Celina, sinto que Jesus pede a nós duas que saciemos sua sede, dando-Lhe almas, sobretudo almas de sacerdotes”.

Volta à carga, no último dia de 1889: “Celina, se queres, convertamos as almas; precisamos, neste ano, fazer muitos sacerdotes que saibam amar Jesus!… Que O toquem com a mesma delicadeza com a qual Maria O tocava em seu berço!…”. Seis meses depois, nova insistência: “Celina, rezemos pelos sacerdotes, ah! rezemos por eles. Consagremos-lhes nossa vida. Todos os dias Jesus me faz sentir que Ele quer isto de nós duas”.

Irmã espiritual de dois missionários

A alegria da jovem religiosa chega ao auge quando recebe o encargo de ser “irmã espiritual” de dois missionários. Eis como ela narra o fato: “Há muito tempo, tinha eu um desejo que me parecia irrealizável, o de ter um irmão sacerdote; pensava amiúde que se meus irmãozinhos não tivessem voado para o Céu, ser-me-ia dada a felicidade de vê-los subir ao altar. Como, porém, o bom Deus os escolheu para serem anjinhos, não me restava esperança alguma de ver realizado o meu sonho. E eis que Jesus não só me concedeu a desejada graça, mas uniu-me pelos vínculos da alma a dois de seus apóstolos, os quais se tornaram meus irmãos…”.

O primeiro se deu no priorado da Madre Inês. Esta lhe propôs ser irmã espiritual de um jovem seminarista que pedia ao Carmelo a designação de uma religiosa para rezar pela salvação de sua alma e, depois de ser ordenado, pelo êxito de sua missão na África; e prometia, por sua vez, lembrar-se sempre dela no Santo Sacrifício do Altar.

Santa Teresinha do Menino Jesus - fotografia tirada por Celina em junho de 1896..jpg
Santa Teresinha do Menino Jesus
 fotografia tirada por Celina
em junho de 1896

Algum tempo depois, outra priora, Madre Maria de Gonzaga, encarregou-a de rezar pelo progresso espiritual de um jovem missionário que em breve seria enviado para a China. Eis a reação de nossa Santa: “Impossível seria, minha Madre, dizer-vos minha felicidade; a inesperada realização de meu desejo fez nascer em meu coração uma alegria que denominarei infantil, pois é-me necessário remontar aos dias de minha infância para encontrar a lembrança dessas alegrias tão vivas que a alma é pequena demais para contê-las; nunca, há vários anos, tinha eu experimentado esse gênero de felicidade. Sentia, por esse lado, minha alma renovada, como se nela fossem tocadas pela primeira vez cordas musicais até então relegadas ao esquecimento. Compreendi as obrigações que assumia e pus mãos à obra, procurando redobrar meu fervor”.

Podemos, por esta confidência, medir o grau de amor sobrenatural desta grande Santa pela vocação e estado sacerdotal.

Imensos desejos que são um verdadeiro martírio

Admirada pela elevação de alma de Santa Teresinha, sor Maria do Sagrado Coração – sua irmã de sangue e madrinha de Batismo – pediu que ela lhe ensinasse sua via espiritual. Respondeu-lhe sor Teresa com uma carta de 37 páginas manuscritas, um dos textos mais elevados de toda a espiritualidade católica. Nessas linhas pervadidas de santidade, ela descreve sua vocação – “no coração da Igreja, serei o amor” – e seus imensos desejos que são para ela um verdadeiro martírio. Entre estes, manifesta seu amor sacerdotal em termos ardentes de zelo pelas almas:

“Ser tua esposa, ó Jesus, ser carmelita, ser mãe das almas, por minha união contigo, isto deveria bastar-me… Não basta… Sem dúvida, estes três privilégios – Carmelita, Esposa e Mãe – são bem minha vocação, contudo, sinto em mim outras vocações; sinto a vocação de guerreiro, de sacerdote, de apóstolo, de doutor, de mártir; enfim, sinto a necessidade, o desejo de realizar por Ti, Jesus, todas as obras, as mais heroicas… Sinto em minha alma a coragem de um Cruzado, de um Zuavo Pontifício; quereria morrer num campo de batalha, lutando em defesa da Igreja… Sinto em mim a vocação de sacerdote; com que amor eu Te tomaria em minhas mãos quando, à minha voz, Tu descesses do Céu… Com que amor eu Te daria às almas!…”.

Logo em seguida, exclama:

“Ah! apesar de minha pequenez, eu quereria iluminar as almas como os Profetas, os Doutores; tenho a vocação de ser Apóstolo… quereria percorrer a Terra, pregar teu nome e implantar em solo infiel tua gloriosa Cruz; mas, ó meu Bem-Amado, uma só missão não me seria suficiente, eu quereria ao mesmo tempo anunciar o Evangelho nas cinco partes do mundo, até nas mais longínquas ilhas… Quereria ser missionário não apenas durante alguns anos, mas desde a criação do mundo até a consumação dos séculos… Mas acima de tudo eu quereria, ó meu Bem-Amado Salvador, derramar meu sangue por Ti até a última gota…”.

Devemos tomar em consideração que quem escreve essas linhas transidas de amor e de robusta fé, em termos de altíssima teologia, é uma jovem que não fez estudos, tinha apenas a cultura religiosa de uma boa freira de sua época. Suas considerações, portanto, são fruto da ação do Espírito Santo numa alma inocente e especialmente eleita.

Passar o Céu fazendo bem na Terra

Atacada por uma terrível tuberculose, sujeita a febres altíssimas e frequentes hemoptises, ante as quais a medicina de então se mostrava impotente, a jovem freira tudo enfrentou com a coragem de um guerreiro no campo de batalha. Suas irmãs tomaram nota de suas últimas palavras e gestos, sem se darem conta de que recolhiam verdadeiros tesouros. Em mais de um desses “derradeiros colóquios”, sor Teresa manifesta seu amor pelos sacerdotes e o desejo de se oferecer por eles em holocausto.

Em maio de 1897, cinco meses antes de subir aos Céus, disse: “Estou convencida da inutilidade dos remédios para curar-me, mas arranjei-me com o bom Deus para Ele disso tirar proveito em favor dos pobres missionários que não dispõem de tempo nem de recursos para se tratarem. Peço-Lhe para curá-los pelos medicamentos e pelo repouso que sou obrigada a tomar”.

Nesse mesmo mês de maio, sua irmã, sor Maria do Sagrado Coração, viu-a caminhando pelo jardim, com muita dificuldade, obedecendo ao conselho dado pela enfermeira. Chocada por vê-la assim quase sem forças, recomendou-lhe interromper a caminhada e repousar, e recebeu esta resposta: “Caminho por um missionário. Penso que lá longe algum deles talvez esteja esgotado por suas viagens apostólicas e, para diminuir suas fadigas, ofereço as minhas ao bom Deus”.

Em 13 de julho, disse: “Não posso pensar muito na felicidade que me aguarda no Céu. Só uma espera faz bater meu coração: a do amor que receberei e o que poderei dar. Penso também em todo o bem que gostaria de fazer após minha morte: fazer batizar as criancinhas, ajudar os sacerdotes, os missionários, toda a Igreja…”.

Irmã Teresa na porta da enfermaria em agosto de 1897 pouco antes de falecer.jpg
“Sinto, sobretudo, que vai iniciar-se
minha missão de fazer amar o
bom Deus como eu O amo, de
dar às almas minha
Pequena Via”

Irmã Teresa na porta da enfermaria,
em agosto de 1897, pouco antes
de falecer

Nesse mesmo dia, confidenciou: “‘Se soubésseis como faço projetos, como farei coisas quando estiver no Céu… Começarei minha missão…’. Quais projetos? ‘Projetos de retornar com minhas irmãzinhas para ajudar os missionários nas terras distantes e impedir que os pequenos selvagens morram antes de serem batizados'”.

Vinte dias depois, uma queixa: “Oh! como o bom Deus é pouco amado na Terra!… Inclusive pelos sacerdotes e religiosos…”.

Após sofrer uma terrível hemoptise na madrugada de 17 de julho, disse a sor Inês de Jesus, sua irmã Paulina: “Sinto que vou entrar em repouso… Mas sinto, sobretudo, que vai iniciar-se minha missão de fazer amar o bom Deus como eu O amo, de dar às almas minha Pequena Via. Se o bom Deus satisfizer meus desejos, passarei meu Céu na Terra até o fim do mundo. Sim, quero passar meu Céu fazendo o bem na Terra”.

E acrescentou no dia seguinte: “O bom Deus não me daria este desejo de fazer o bem na Terra após minha morte, se Ele não quisesse realizá-lo”.

“Teresa é o anjo de teu ministério”

Terá Deus realizado realmente esse desejo? Respondemos com toda segurança: Sim.

O número de milagres por ela obtidos após sua morte é impressionante. Sob o título Pluie de Roses – Chuva de Rosas -, foi publicada uma coleção de vários volumes contendo relatos bem detalhados dos mesmos, com depoimentos das testemunhas, declarações dos médicos e outros dados concretos. Grande parte desses milagres beneficiaram sacerdotes e missionários em terras longínquas.

Especialmente significativo para o tema que nos ocupa é o depoimento feito pelo sacerdote jesuíta Anatole-Armand-Marie Flamérion no processo de beatificação de sor Teresinha do Menino Jesus, relatando a assistência recebida no exercício do seu ministério como formador de sacerdotes e exorcista da Diocese de Paris.

O padre Flamérion descreve como a Santa carmelita se empenha em ajudar aqueles que labutam na obra de santificação do clero e a livrar os padres dos demônios que os tentam. E explica que os anjos caídos temem, como muito contrários às suas tramas e favoráveis ao progresso das almas, os atos de obediência, humildade, abandono confiante e amor praticados segundo o espírito da Pequena Via, ensinada pela Santa carmelita. “Em apoio dessas asserções” – declara ele no processo – “apresento aqui, entre muitos outros, alguns dos fatos por mim colecionados”. Difícil escolher entre tantas maravilhas! Reproduzimos aqui uns poucos dos exemplos mais ilustrativos:

“Pela boca de vários possessos, totalmente desconhecidos uns dos outros, declarou o demônio que sor Teresa do Menino Jesus me assiste em meu ministério precisamente porque me ocupo da santificação dos sacerdotes. ‘Desde longo tempo ela estava te preparando’; ‘É ela que dirige teu braço’; ‘É a Virgem que a enviou a ti’ (exorcismo de 20 de janeiro de 1910)”.

Cura de um missionário do Congo Belga realizada pela Santa em 1919 - Carmelo de Lisieux (França).jpg
O número de milagres por ela obtidos
após sua morte é impressionante,
grande parte deles beneficiaram
sacerdotes e missionários

Cura de um missionário do Congo
Belga, realizada pela Santa em
1919 – Carmelo de Lisieux (França)

Muitas vezes, em circunstâncias diversas, viu-se o espírito maligno forçado a confessar: “Teresa é o anjo de teu sacerdócio e de teu ministério junto aos sacerdotes” (especialmente no exorcismo de 30 de julho de 1910); “‘Teresa foi-te dada por causa de tua missão… E te ajuda em favor dos sacerdotes’ (exorcismo de 8 de dezembro de 1910)”.

Morreu de amor, como havia pedido

Em meio a pavorosos sofrimentos e uma terrível aridez espiritual, Santa Teresinha expirou no dia 30 de setembro, apresentando a Jesus seu último ato de amor neste vale de lágrimas. E um êxtase maravilhoso, que durou o tempo de recitar um Credo e foi observado por todos quantos tiveram o privilégio de estarem presentes, dá seguro testemunho de que ela logo alcançou a glória celeste.

Morreu de amor, como havia pedido. E agora, em vista de seu zelo pela santificação dos sacerdotes e das pessoas consagradas ao serviço da Igreja, bem se pode conjecturar que, no momento desse êxtase, teve ela conhecimento do alto grau de santidade de muitas almas totalmente dedicadas à causa da Igreja, e de inumeráveis sacerdotes que a serviriam no futuro. (Revista Arautos do Evangelho, Abril/2015, n. 160, pp. 17 à 21)

 
Comentários