Na Praça de São Pedro, no dia 19 de maio de 2002, vivia-se uma ocasião memorável. Um dia providencialmente próprio para ser honrada e elevada às glórias dos altares aquela que, no país que a adotou como filha, foi chamada de Madre Paulina do Coração Agonizante de Jesus. Aquela que agora, em todo o mundo, passava a ser conhecida como Santa Paulina.
Quem foi Madre Paulina? A primeira Santa brasileira! Na verdade, ela nasceu na Itália, mas, vivendo quase 70 anos no Brasil, compreendeu as características da alma do povo brasileiro como poucos.
Amando e assimilando a vocação que a Divina Providência colocou no coração do povo desse país enorme, ela adotou o Brasil como sua pátria e os brasileiros como irmãos… E foi por isso mesmo que ela compreendeu que o “próprio dos grandes é servir”, que “é a noite que é belo crer na luz” e viveu tendo como única alegria o seu “ser-para-os-outros” empregado no serviço aos irmãos.
Madre Paulina do Coração Agonizante de Jesus, nasceu em Vígolo Vattaro, Trento, na Itália, aos 16 de dezembro de 1865. Era a segunda filha de Antônio Napoleone Visintainer e Anna Domênica Pianezzer. No dia seguinte de seu nascimento, ela foi batizada com um nome cuja sonoridade lembra algo que tem em si uma luz afável e bondosa: Amabile Lúcia.
Amabile era de uma família pobre e precisou trabalhar para ajudar no sustento da casa. Com apenas 8 anos, ela já trabalhava numa fábrica de tecidos, em Trento. Ali mesmo a generosidade de sua alma começou a desabrochar: em seu trabalho repartia com as companheiras mais pobres o lanche que trazia de casa.
Ainda não tinha 10 anos quando sua família emigrou-se para o Brasil. Fugia da pobreza e das dificuldades tremendas pelas quais passava o povo italiano.
Em 1875, com seus pais, seus irmãos e outras famílias da região de Trento ela chegou na cidade de Alferes, Santa Catarina, que, então, passou a denominar-se Nova Trento. Essas famílias iniciaram o povoamento de uma localidade que foi denominada Vígolo. Construíram ali uma pequena capela e deram a ela o mesmo nome da Igreja de Vígolo Vattaro, na Itália: São Jorge.
Amabile crescia como boa menina e boa filha: obediente, honesta, trabalhadora e muito piedosa. Pouco tempo depois da chegada, em 1887, com 12 anos, ela recebeu a primeira comunhão. Foi nessa ocasião que ela pode dizer a Deus, presente em sua alma, um desejo sincero que há tempo acalentava em seu coração: “Quero ser toda de Jesus”.
Apesar das ocupações e trabalhos, desde pequena ajudou na Paróquia de Nova Trento, especialmente na Capela de São Jorge, em Vígolo. Liderou um grupo de jovens na compra da imagem de Nossa Senhora de Lourdes que até hoje se conserva.
Amabile nunca havia tido contato com religiosas, contudo, sentia grande desejo de consagrar-se inteiramente a Deus. Dos 15 aos 25 anos, juntamente com uma grande amiga, Virgínia Nicolodi, a pedido do pároco, Pe. Augusto Servanzi, SJ, ela dedicou-se a uma missão: catequizar as crianças da comunidade, dar assistência aos enfermos e cuidar da Capela. Quando sua mãe faleceu, em 1887, Amábile viu seu desejo de consagrar-se a Deus ser temporariamente ofuscado. Ela estava com 22 anos e teve que assumir todas as tarefas de dona de casa, até que seu pai contraísse um novo casamento.
Parece que a resposta a seu pedido “quero ser toda de Jesus”, feito entre 12 e 13 anos, foi respondido uns dez anos depois. A certeza de que uma semente de vocação para o serviço de Deus havia sido plantada em sua alma eclodiu entre os anos de 1888-1890.
Em três noites consecutivas, Nossa Senhora de Lourdes lhe aparece em sonho e lhe faz um pedido:
– É meu ardente desejo que comeces uma obra…
Amabile pergunta à Virgem: Mas como fazer, minha Mãe? Sem meios, …tão miserável?
Mais adiante, em outro sonho, Nossa Senhora lhe pergunta:
– O que decidistes, minha filha?
Enchendo-se de coragem e de humildade, Amabile responde: Servir-vos, minha querida Mãe! Mas eu sou uma pobre criatura… No entanto, prometo esforçar-me o quanto puder.
A Virgem encerra o diálogo acalentando a esperança de Amabile. Anima-a confirmando a vontade de Deus a respeito dela:
– Dar-te-ei alguém que poderá te auxiliar. Mais tarde mostrar-te-ei as filhas que te quero confiar.
A partir de então, a vida de Amabile confunde-se com a história de sua obra. Uma é a mesma história da outra. Não foram unidas de modo forçado e extemporâneo: as duas formam uma só realidade.
Certo dia chegou a sua pequena cidade uma senhora cancerosa necessitada de ajuda. Amabile e Virgínia foram indicadas pela comunidade para se ocuparem da doente. Deixando a casa de seus pais, elas acolheram a enferma. Com carinho e dedicação, trataram a pobre doente. A ação do Espírito Santo se manifesta aqui, de modo especial, na vida e missão de Amabile inspirando-a a constituir, juntamente com suas jovens amigas, uma casa de acolhida que o povo logo batizou de “Hospitalzinho São Virgílio”. Ela estava situada num velho casebre abandonado que lhes tinha sido oferecido para que pudessem cuidar da pobre senhora que o câncer consumia.
A ação de Amabile não ficou só nesse atendimento. O “Hospitalzinho São Virgílio” foi destinado à atenção material e espiritual de doentes e desamparados que por ali aparecessem. Assim foi que, nessas circunstâncias, com este gesto de amor ao próximo por amor a Deus, que, em 12 de julho de 1890, teve início a primeira Comunidade religiosa do sul do Brasil. E a comunidade nascia para atender planos da Providência Divina. Mais tarde ela seria reconhecida pela Igreja como sendo a “Congregação das Irmãzinhas da Imaculada Conceição”.
Após a morte daquela primeira enferma, em 1891, juntou-se às duas amigas uma outra moça: Teresa Anna Maule. No “Hospitalzinho”, amando a Deus no serviço ao próximo, esse piedoso trio de jovens vivia como pessoas de vidas consagradas, embora nem tudo fosse só alegria e realizações na vida delas. Justo nesse ano de 1891, Amabile passou por uma doença bastante grave. Para imitar mais a Jesus, ela experimentou ali também os sofrimentos. Era também o começo de sua paixão.
Depois de algum tempo no “Hospitalzinho”, em 1894, as três companheiras mudaram-se para a cidade de Nova Trento. Aproveitaram o terreno e a casa de madeira que dois benfeitores lhes haviam oferecido e ali passaram a viver. Na festa de São José, 19 de março, inauguraram oficialmente uma Capela dedicada a São Jorge.
No dia 17 de agosto de 1895 foi escrita uma carta ao bispo Dom José de Camargo Barros, Bispo de Curitiba. As três amigas pediam ao Bispo a aprovação para elas de um estado oficial de vida religiosa, uma irmandade religiosa de vida consagrada, pela qual tanto rezavam e pediam a Deus.
A resposta foi rápida: a 25 de agosto Dom José, constatando que o pedido estava de acordo com “os planos divinos”, concedeu aprovação diocesana para a criação e ereção da “Pia União da Imaculada Conceição”.
A 7 de dezembro de 1895, Amabile e suas companheiras pronunciaram os votos religiosos. Nessa ocasião foi que elas assumiram seus nomes religiosos: Amabile tomou o nome de Irmã Paulina do Coração Agonizante de Jesus; Virgínia passou a chamar-se Irmã Matilde da Imaculada Conceição e Tereza recebeu o nome de Irmã Inês de São José.
Em 1896, ano seguinte à oficialização da congregação, cinco noviças recebem o hábito religioso. Era um novo reforço para a obra recém-fundada, um auxílio vigoroso para a ação junto aos doentes, órfãos e idosos.
Amabile, que já era a Irmã Paulina, passou a ser tratada como Madre Paulina. A congregação continuou crescendo: em 1900, na passagem do século, cinco anos depois de constituída, ela já contava com 20 religiosas. O grupo de Irmãs tomava, cada vez mais, a forma de uma Congregação. No mês de novembro de 1902 foi escrita a primeira carta circular a elas. O Padre Luiz Maria Rossi, SJ, era quem possuía todas as faculdades para a direção das Filhas da Imaculada Conceição. Ele cuidou de modo exímio da organização jurídica da nova Congregação.
No dia 2 de fevereiro de 1903 ele promoveu a reunião das representantes da nova comunidade religiosa. Era o primeiro Capítulo da Congregação. Nele, a comunidade das Irmãs escolheu Madre Paulina como Superiora Geral. E a escolha foi “ad vitam”, ou seja, ela estava sendo eleita como Superiora Geral da nova Congregação por toda a vida.
O governo de Madre Paulina durou 6 anos, nos quais, com o aumento do número das vocações, a Fundadora pôde consolidar a obra e edificar outras Casas.
Foi no ano de 1903, no mês de julho, que Madre Paulina fez a difícil e perigosa viagem de Nova Trento para São Paulo. Ali chegando, logo deu início a uma obra de assistência aos filhos de ex-escravos, localizada junto ao Santuário Sagrada Família, no bairro do Ipiranga. Era o Asilo da Sagrada Família. Neste local foi que ela fixou residência, juntamente com as Irmãs Luiza e Serafina, e a postulante Josefina Pereira Gonçalves que a acompanharam desde Nova Trento. Teve sempre o apoio do Padre Rossi e a ajuda de Benfeitores, especialmente do conde José Vicente de Azevedo.
No ano de 1905 ela deu início à fundação da Santa Casa da Misericórdia de Bragança Paulista. E, em 1909, as dirigidas de Madre Paulina passam a administrar, ainda em São Paulo, a Casa de Saúde Dr. Homem de Mello, localizada no Bairro das Perdizes. Foi ainda nesse ano que Madre Paulina assumiu a direção da Santa Casa de Misericórdia de São Carlos do Pinhal.
Era notório e surpreendente o crescimento da Congregação, sobretudo nos Estados de Santa Catarina e São Paulo. As Irmãs assumem missões evangelizadoras onde lhes for possível: na educação, na catequese, no cuidado às pessoas idosas, doentes e crianças órfãs. A influência da Congregação cresce, o apostolado floresce. Tudo caminhava bem. Mas a via crucis da Madre se aproximava.
Ainda em São Paulo, a Fundadora passou por uma prova terrível.
No mês de agosto de 1909, pessoas estranhas, apoiadas por algumas religiosas e pela maior autoridade eclesiástica local, intrometeram-se nos assuntos internos da Congregação e conseguiram que, por decisão de um manipulado Capítulo Geral, Madre Paulina fosse deposta do cargo de Superiora Geral e substituída por uma nova superiora. Tiraram tudo dela. Restou-lhe apenas o título de “Veneranda Madre Fundadora” o que, aliás, deixar de reconhecê-lo, seria pecar contra o Espírito Santo, negando uma “verdade conhecida como tal”. Além de tudo isso, ela ainda foi desterrada para Bragança Paulista.
Ela enfrentou essa provação com altaneria. E teve a oportunidade de manifestar a todos que seu único desejo era de que a Congregação progredisse e que Jesus fosse conhecido, amado e adorado por todos, em todo o mundo. Quanto a ela, seu desejo era de ser apenas instrumento da obra de Deus. Por isso é que ela costumava dizer: “quero ser a última de todas, contanto que a Congregação vá adiante”.
E este é o tipo de expressão que só pode vir da boca de quem tem uma convicção verdadeira de que realmente sabia ter recebido de Deus uma missão. Aceitou tudo, obedeceu sem reclamar ou murmurar, tomou sua cruz e caminhou para onde pôde testemunhar a heroicidade de suas virtudes de humildade e amor ao Reino de Deus.
De 1909 a 1918 viveu “exilada” em Bragança, na Santa Casa da Misericórdia que ela havia fundado. Em julho de 1910 Madre Paulina foi transferida para o novo asilo São Vicente de Paulo, de Bragança Paulista. Como simples súdita, lavou e consertou a roupa dos asilados, servindo-os carinhosamente em tudo.
Seu livro de cabeceira era o “Imitação de Cristo”, de Tomás de Kempis. Ele interpretava bem a vida que ela levava. Foram nove anos de provações, incompreensões e humilhações materiais. Foi o longo período da noite escura de sua alma. Mas a fé de Paulina lhe dava a convicção de que Deus estava com ela: ” A presença de Deus me é tão íntima que me parece impossível perdê-la.”
Segundo o Padre Rossi, SJ, que a conhecia bastante bem, estes anos foram uma clara permissão de Deus para que Madre Paulina se tornasse “vítima de amor e reparação” pela santificação de suas filhas. E isso é bem verdadeiro. Seu exemplo de caridade e resignação no sofrimento fez com que muitas irmãs deixassem o mundo e abraçassem a causa de Cristo.
Nesse mesmo ano de 1909 outro fato inesperado aconteceu em meio a essa borrasca toda: em 29 de agosto foi definido, de vez, o nome das religiosas de Madre Paulina: “Congregação das Irmãzinhas da Imaculada Conceição”.
Em 1918, Madre Paulina foi trazida de volta para Casa Geral em São Paulo, com pleno reconhecimento de suas virtudes. Ela leva uma vida de santidade e serve de exemplo para as jovens vocacionadas da Congregação… e para as mais antigas também.
Ela passou a ser fundamental na ajuda da elaboração da História e do resgate do Carisma da Congregação. Na Casa Geral de São Paulo pôde rejubilar-se com o Decreto de Louvor dado à Congregação pelo Papa Pio XI, em 1933. Ela era quem orientava e abençoava as Irmãs que partiam em missão para novas fundações. Alegrou-se muito com as aquelas que foram enviadas para a catequese dos índios de Mato Grosso, em 1934.
No período em que ela viveu na Casa Geral de São Paulo ela distinguiu-se mesmo foi pela oração constante, pela amorosa e contínua assistência às irmãs doentes, quer de corpo, quer de alma.
A “via sacra” de Madre Paulina continuou com o agravamento de sua saúde: uma diabetes de há muito tempo vinha tirando-lhe a vida. Com o agravamento dessa doença, em 1938, ela perdeu um dedo da mão direita. Pouco dias depois, seu braço teve que ser inteiramente amputado. Além das progressivas amputações, sua visão também foi piorando até chegar à cegueira total. Outros sofrimentos ainda viriam com o agravamento da moléstia. Com uma jaculatória -“Seja feita a vontade de Deus!”- ela respondia aos comentários feitos sobre sua saúde.
No dia 8 de julho de 1942, a Veneranda Madre Fundadora chegou à situação de pré-agonia. Confortada pelos sacramentos da Igreja, pelas orações, carinho e dedicação de suas filhas espirituais, no dia seguinte, 09 de julho de 1942, ela falecia. Estava com 77 anos e tinha cumprido sua missão. Ela deixava a vida terrena para entrar na história e ingressar na Pátria Celeste.