O mundo moderno tem muitos pontos controversos. Ao mesmo tempo que nos sentimos livres para sermos donos de nossa própria vida, muitas vezes também nos sentimos presos por certas conveniências que favorecem mais uma minoria do que a maioria. Isso leva a algumas atitudes questionáveis, que podem ser, inclusive, contra a Lei de Deus, sem com isso, resvalar na lei humana. Diante disso, até onde deve ir nossa misericórdia? Até onde devemos perdoar, relevar, para que sejamos justos e comecemos a condenar? Justiça e misericórdia: por qual optar num mundo caótico e incerto?
A justiça faz parte de um grupo seleto de virtudes denominadas cardeais, isto é, fundamentais, essenciais para a vida do cristão na sociedade. Junto com ela estão a prudência, fortaleza e temperança, que reforçam a prática cristã no exterior, para com o próximo, e no interior para com si mesmo.
Justiça nada mais é que dar a cada um aquilo que se merece, sem favoritismos ou igualitarismos. É só quando somos justos que de fato criamos verdadeiras oportunidades de crescimento, e não de proselitismo ou oportunismo. Por isso, na comunidade humana, a justiça é a espinha dorsal que regula os relacionamentos e a convivência social. Deus é a justiça, pois a cada um concede segundo seu merecimento, pois, verdadeiramente, Ele é o único que sonda os rins e os corações.
Já a misericórdia revoga uma outra faceta divina: sua definição vem das palavras latinas miserere cordis, que significam “perdoar de coração”. O misericordioso, que segue este conceito, está solicito e sempre pronto a perdoar, como Cristo mesmo se mostra.
Ambas as virtudes não são contraditórias, pois são características do Deus verdadeiro. Ao mesmo tempo que compadecido e clemente, Ele também tem a função de juiz e cumpridor da acusação. Nele, que vê tudo e do qual ninguém pode esconder nada, podemos encontrar a real justiça sem partidarismo e a real misericórdia sem favoritismo. Para a humanidade, que transita pela vida, justiça e misericórdia se configuram alternadamente: ora usamos de uma, ora de outra, e compomos o equilíbrio sabendo atuar em cada caso. Como proceder, então, para alcançar a santidade?
A Igreja tem uma regra santa para algumas circunstâncias: o fiel deve usar de misericórdia quando o insulto ou a falta é dirigida contra si mesmo. Se é uma forma de ofensa, a misericórdia consiste em entender que, se não somos tão ruins quanto a ofensa proferida, é que Deus nos preservou e por isso, só por isso, não chegamos ao nível mais baixo. Assim, a misericórdia também é uma ocasião para praticarmos a humildade, virtude tão cara.
Porém, se a ofensa é contra Deus ou sua obra, é preciso haver justiça, não de uma forma vingativa ou condenativa, mas reparadora. A pessoa que livremente ataca Deus e sua verdade merece ser admoestada com bondade, mas também firmeza, sendo dever de justiça não deixar que ela continue no erro, ou faça cair mais alguém. Assim, nesta nossa zona cinzenta e caótica, preservaremos o partido divino sempre que possível. A nossa dignidade, pois, vem desta defesa, já que é preciso sermos filhos que amam muito o Pai.