Só quando as dificuldades e os sofrimentos de nossos irmãos nos interpelam, só então podemos iniciar nosso caminho de conversão rumo à Páscoa. Trata-se de um itinerário que compreende a Cruz e a renúncia.
O Evangelho de hoje aponta os elementos dessa caminhada espiritual: a oração, o jejum e a esmola (cf. Mt 6, 1-6.16-18). Todos os três comportam a necessidade de não se deixar dominar pelas coisas que aparecem: o que vale não é a aparência; o valor da vida não depende da aprovação dos outros ou do sucesso, mas do que temos em nosso interior.
O primeiro elemento é a oração. Ela é a força do cristão e de toda pessoa crente. Na fraqueza e na fragilidade de nossa vida, podemos voltar-nos para Deus com uma confiança de filhos e entrar em comunhão com Ele. Face a tantas feridas que nos fazem mal e poderiam endurecer nosso coração, somos chamados a mergulhar no mar da oração, que é o mar
do amor infinito de Deus, para saborear sua ternura.
A Quaresma é tempo de oração, de uma prece mais intensa, mais prolongada, mais assídua, mais capaz de cuidar das necessidades dos irmãos; prece de intercessão, para interceder perante Deus por tantas situações de pobreza e de sofrimento.
O segundo elemento característico da caminhada quaresmal é o jejum. Devemos tomar cuidado para não fazer um jejum formal, ou que em verdade nos “sacia”, pois nos faz sentir satisfeitos conosco mesmos. O jejum tem sentido se menoscaba nossa segurança e disso resulta um benefício para os outros, se nos ajuda a cultivar o estilo do bom samaritano, o qual se inclina sobre o irmão em dificuldade, em renúncia a si mesmo, e cuida dele.
O jejum comporta a opção por uma vida sóbria, no seu estilo; uma vida que não esbanja, uma vida que não “descarta”. Jejuar nos ajuda a adestrar o coração à essencialidade e à partilha. É um sinal de tomada de consciência e de responsabilidade face às injustiças, aos abusos, sobretudo com relação aos pobres e aos pequenos; é também sinal da confiança que depositamos em Deus e na sua Providência.
Terceiro elemento, a esmola. Esta indica a gratuidade, porque na esmola dá-se a qualquer um de quem não se espera receber algo em retribuição. A gratuidade deveria ser uma das características do cristão, o qual – consciente de ter recebido tudo gratuitamente de Deus, isto é, sem mérito algum – aprende a dar da mesma forma aos outros, num ato de renúncia.
Hoje, com frequência, a gratuidade não faz parte da vida cotidiana, na qual tudo se vende e se compra. Tudo é cálculo e medida. A esmola nos ajuda a viver a gratuidade do dom, que nos liberta da obsessão da posse, do medo de perder aquilo que se tem, da tristeza de quem não quer compartilhar com os outros o próprio bem-estar.
Excerto da Homilia na Basílica de Santa Sabina, 5/3/2014
(Tradução: Arautos do Evangelho)