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Matrimônio e virgindade
 
AUTOR: REDAÇÃO
 
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Os esposos cristãos têm o direito de esperar das pessoas virgens o bom exemplo e o testemunho da fidelidade à sua vocação até à morte. A fidelidade destas, mesmo na provação eventual, deve edificar a fidelidade daqueles.

Deus criou o homem à sua imagem e semelhança (cf. Gn 1, 26s): chamando-o à existência por amor, chamou-o ao mesmo tempo ao amor.

   Deus é amor (I Jo 4, 8) e vive em Si mesmo um mistério de comunhão pessoal de amor. Criando-a à sua imagem e conservando-a continuamente no ser, Deus inscreve na humanidade do homem e da mulher a vocação, e, assim, a capacidade e a responsabilidade do amor e da comunhão. O amor é, portanto, a fundamental e originária vocação do ser humano.

   Enquanto espírito encarnado, isto é, alma que se exprime no corpo informado por um espírito imortal, o homem é chamado ao amor nesta sua totalidade unificada. O amor abraça também o corpo humano e o corpo torna-se participante do amor espiritual.

Pacto que publicamente se afirma como único e exclusivo

   A Revelação cristã conhece dois modos específicos de realizar a vocação da pessoa humana na sua totalidade ao amor: o matrimônio e a virgindade. Quer um quer outro, na sua respectiva forma própria, são uma concretização da verdade mais profunda do homem, do seu “ser à imagem de Deus”.

   Por consequência a sexualidade, mediante a qual o homem e a mulher se doam um ao outro com os atos pró- prios e exclusivos dos esposos, não é em absoluto algo puramente biológico, mas diz respeito ao núcleo íntimo da pessoa humana como tal. Esta realiza-se de maneira verdadeiramente humana somente se é parte integral do amor com o qual homem e mulher se empenham totalmente um para com o outro até à morte. A doação física total seria falsa se não fosse sinal e fruto da doação pessoal total, na qual toda a pessoa, mesmo na sua dimensão temporal, está presente: se a pessoa se reservasse alguma coisa ou a possibilidade de decidir de modo diferente para o futuro, só por isto já não se doaria totalmente.

A virgindade e o celibato
pelo Reino de Deus
pressupõem e confirmam
a dignidade do matrimônio

João Paulo II durante a
Missa do Jubileu dos Bispos
8/10/2010

   Esta totalidade, pedida pelo amor conjugal, corresponde também às exigências de uma fecundidade responsável, que, orientada como está para a geração de um ser humano, supera, por sua própria natureza, a ordem puramente biológica, e abarca um conjunto de valores pessoais, para cujo crescimento harmonioso é necessá- rio o estável e concorde contributo dos pais.

   O “lugar” único, que torna possível esta doação segundo a sua verdade total, é o matrimônio, ou seja, o pacto de amor conjugal ou escolha consciente e livre, com a qual o homem e a mulher recebem a comunidade íntima de vida e de amor, querida pelo próprio Deus, que só a esta luz manifesta o seu verdadeiro significado.

   A instituição matrimonial não é uma ingerência indevida da sociedade ou da autoridade, nem a imposição extrínseca de uma forma, mas uma exigência interior do pacto de amor conjugal que publicamente se afirma como único e exclusivo, para que seja vivida assim a plena fidelidade ao desígnio de Deus Criador. Longe de mortificar a liberdade da pessoa, esta fidelidade põe-na em segurança em relação ao subjetivismo e relativismo, fá-la participante da Sabedoria Criadora. […]

O amor conjugal exige a indissolubilidade

   Como cada um dos sete Sacramentos, também o matrimônio é um símbolo real do acontecimento da salvação, mas de um modo próprio. “Os esposos participam nele enquanto esposos, a dois como casal, a tal ponto que o efeito primeiro e imediato do matrimônio (res et sacramentum) não é a graça sacramental propriamente, mas o vínculo conjugal cristão, uma comunhão a dois tipicamente cristã porque representa o mistério da Encarnação de Cristo e o seu mistério de aliança. E o conteúdo da participação na vida de Cristo é também específico: o amor conjugal comporta uma totalidade na qual entram todos os componentes da pessoa – chamada do corpo e do instinto, força do sentimento e da afetividade, aspiração do espírito e da vontade –; o amor conjugal dirige-se a uma unidade profundamente pessoal, aquela que, para além da união numa só carne, não conduz senão a um só coração e a uma só alma; ele exige a indissolubilidade e a fidelidade da doação recíproca definitiva e abre-se à fecundidade (cf. Encíclica Humanæ vitæ, n.9). Numa palavra, trata-se de características normais do amor conjugal natural, mas com um significado novo que não só as purifica e as consolida, mas eleva-as a ponto de as tornar a expressão dos valores propriamente cristãos”.1 […]

Dois modos de exprimir e viver um único mistério

   A virgindade e o celibato pelo Reino de Deus não só não contradizem a dignidade do matrimônio, mas a pressupõem e confirmam. O matrimônio e a virgindade são os dois modos de exprimir e de viver o único mistério da aliança de Deus com o seu povo. Quando não se tem apreço pelo matrimônio, não tem lugar a virgindade consagrada; quando a sexualidade humana não é considerada um grande valor dado pelo Criador, perde significado a renúncia pelo Reino dos Céus.

   De modo muito justo diz São João Crisóstomo: “Quem condena o matrimônio, priva a virgindade da sua glória; pelo contrário, quem o louva, torna a virgindade mais admirá- vel e esplendente. O que parece um bem apenas quando comparado ao mal, não é pois um grande bem; mas o que é melhor do que aquilo que todos consideram bom, é certamente um bem em grau superlativo”.2

   Na virgindade o homem está inclusive corporalmente em atitude de espera, pelas núpcias escatológicas de Cristo com a Igreja, dando-se integralmente à Igreja na esperança de que Cristo Se lhe doe na plena verdade da vida eterna. A pessoa virgem antecipa assim na sua carne o mundo novo da ressurreição futura (cf. Mt 22, 30).

A virgindade defende o matrimônio de todo desvio

   Por força deste testemunho, a virgindade mantém viva na Igreja a consciência do mistério do matrimô- nio e defende-o de todo o desvio e de todo o empobrecimento.

   Tornando livre de um modo especial o coração humano (cf. I Cor 7, 32-35), “de forma a inebriá-lo muito mais de caridade para com Deus e para com todos os homens”,3 a virgindade testemunha que o Reino de Deus e a sua justiça são aquela pérola preciosa que é preferida a qualquer outro valor, mesmo que seja grande, e, mais ainda, é procurada como o único valor definitivo. É por isso que a Igreja, durante toda a sua história, defendeu sempre a superioridade deste carisma no confronto com o do matrimônio, em razão do laço singular que ele tem com o Reino de Deus.

   Embora tendo renunciado à fecundidade física, a pessoa virgem torna-se espiritualmente fecunda, pai e mãe de muitos, cooperando na realização da família segundo o desígnio de Deus.

   Os esposos cristãos têm, portanto, o direito de esperar das pessoas virgens o bom exemplo e o testemunho da fidelidade à sua vocação até à morte. Como para os esposos a fidelidade se torna às vezes difícil e exige sacrifício, mortificação e renúncia, também o mesmo pode acontecer às pessoas virgens. A fidelidade destas, mesmo na provação eventual, deve edificar a fidelidade daqueles. (Revista Arautos do Evangelho, Fevereiro/2018, n. 194, pp. 6 à 7)

São João Paulo II. Excertos da Exortação apostólica Familiaris consortio, 22/11/1981
1 SÃO JOÃO PAULO II. Discurso aos Delegados do Centre de Liaison des Equipes de Recherche, n.4, 3/11/1979. 2 SÃO JOÃO CRISÓSTOMO. De virginitate, n.10: PG 48, 540. 3 CONCÍLIO VATICANO II. Perfectæ caritatis, n.12.

 
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