Em tempos de tensão e dificuldades, sobretudo quando o poder das trevas parece ousar tudo contra a Cristandade, costuma a Igreja recorrer com especial fervor e perseverança a Deus, seu Autor e Protetor, invocando a intercessão dos Santos, particularmente a da Santíssima Virgem Maria, cuja proteção tem sido sempre muito eficaz.
Cedo ou tarde, sempre se torna patente o resultado dessas piedosas orações e da confiança depositada na benevolência divina.
Leão XIII fotografado por volta de 1898 |
Ante tais circunstâncias, são insuficientes os remédios humanos
Agora, veneráveis irmãos, bem sabeis que o tempo presente não é menos calamitoso para a Igreja do que os piores dias pelos quais ela já passou. Com efeito, vemos diminuir em muitas almas a fé, raiz de todas as virtudes cristãs; a caridade esfriar-se e a juventude degradar-se nos costumes e nas ideias; a Igreja de Jesus Cristo atacada por todos os flancos, abertamente ou de forma astuciosa; uma implacável guerra contra o Soberano Pontífice; e os próprios fundamentos da Religião socavados com crescente ousadia. São tão notórias estas coisas que não há necessidade de nos estendermos a respeito das profundidades nas quais se atolou a sociedade contemporânea, nem dos projetos que hoje agitam as mentes dos homens.
Ante tão infaustas e problemáticas circunstâncias, são insuficientes os remédios humanos; é preciso, pois, como único recurso, suplicar a assistência do poder divino. É este o motivo pelo qual julgamos necessário nos dirigirmos ao povo cristão e exortá-lo a implorar, com maior fervor e constância, o auxílio do Deus onipotente. […]
Bem sabemos que na maternal bondade da Virgem encontraremos seguro refúgio, e estamos certos de que n’Ela nunca poremos em vão nossa confiança. Se tantas vezes Ela demonstrou seu poder acorrendo em auxílio do mundo cristão, por que haveríamos de duvidar que faça o mesmo agora, quando em todas as partes Lhe dirigimos humildes e constantes preces? Pelo contrário, cremos que sua intervenção será tanto mais extraordinária quanto mais longo foi o tempo que quis Ela ser por nós invocada com súplicas tão especiais.
Uma devoção que progride rumo ao pleno desenvolvimento
Contudo, temos em mente outro objetivo para o qual, veneráveis irmãos, havereis de prestar como de costume vossa diligente cooperação: a fim de que Deus seja mais favorável às nossas preces e venha logo com misericórdia em socorro de sua Igreja, julgamos ser de profunda utilidade para o povo cristão invocarmos continuamente, com grande piedade e confiança, além da Virgem Mãe de Deus, seu castíssimo esposo São José; e temos certeza de que isto será do pleno agrado da própria Virgem Santíssima.
No que diz respeito a esta devoção, da qual hoje falamos publicamente pela primeira vez, sabemos não só que a piedade popular a ela se inclina, mas também que se encontra já de fato estabelecida e progride rumo ao pleno desenvolvimento. Desde os primeiros séculos, os Romanos Pontífices difundiram e incrementaram a devoção a São José; e nós a temos visto crescer em maiores proporções em nossos dias, sobretudo depois que nosso predecessor de feliz memória, Pio IX, atendendo às solicitações de numerosos Bispos, proclamou este Santo Patriarca padroeiro da Igreja Católica.
E como é de grande importância introduzir a devoção a São José nas práticas diárias de piedade dos fiéis, desejamos exortar a isso o povo cristão por meio de nossas palavras e de nossa autoridade.
O Verbo de Deus submeteu-Se São José com o Menino Jesus |
Pai do Filho de Deus e esposo da Virgem Maria
As razões pelas quais o Bem-aventurado José deve ser cultuado como padroeiro especial da Igreja e, por sua vez, a Igreja espera muitíssimo de seu patrocínio, nascem sobretudo do fato de ser ele o esposo de Maria e pai putativo de Jesus. Destas fontes emanam sua dignidade, sua santidade, sua glória.
Por certo, a dignidade de Mãe de Deus se eleva a tal altura que nada pode existir de mais sublime. Porém, dado que entre a Santíssima Virgem e São José se estreitou um laço conjugal, não resta dúvida de que, mais do que qualquer outro ser humano, ele se acercou daquela altíssima dignidade pela qual a Mãe de Deus é muito superior a todas as criaturas.
Já que o matrimônio é o máximo consórcio e, por sua natureza, envolve a comunhão de bens, daí se segue que, tendo Deus dado José como esposo à Virgem Maria, deu-Lho não apenas para ele ser companheiro de vida, testemunho da virgindade e tutor da honestidade, mas também para, mediante o pacto conjugal, participar de sua excelsa grandeza.
Assim, ele se destaca entre todos por sua augusta dignidade, já que por divina disposição foi custódio e, na opinião dos homens, pai do Filho de Deus. Em consequência, o Verbo de Deus submeteu-Se a José, prestou-lhe a obediência, a honra e a reverência que todo filho deve a seu pai.
O lar da Sagrada Família, berço da Igreja nascente
Desta dupla dignidade decorre a obrigação prescrita pela natureza aos pais de família; portanto, José foi legítimo e natural custódio, chefe e defensor da Sagrada Família. E exerceu plenamente esses encargos e responsabilidades durante toda a sua vida. Dedicou-se com grande amor e constante solicitude a proteger sua Esposa e o Divino Infante; por meio de seu trabalho, proporcionou a ambos o necessário para alimentação e vestimentas; livrou da morte o Menino, quando este estava ameaçado pelo ódio de um rei, e O conduziu a um refúgio seguro; nos incômodos da viagem e nas dificuldades do exílio, foi sempre o companheiro, o apoio e o conforto da Virgem e de Jesus.
Ora, o divino lar que José dirigia com autoridade de pai era o berço da Igreja nascente. Pelo mesmo fato de ser a Mãe de Jesus Cristo, a Santíssima Virgem é a Mãe de todos os cristãos, que Ela deu à luz no Monte Calvário, em meio às supremas dores da Redenção; de algum modo, Jesus é o Primogênito dos cristãos, os quais são, por adoção e pela Redenção, seus irmãos.
Por estas razões, o Santo Patriarca se considera, de modo especial, protetor da multidão de cristãos dos quais se compõe a Igreja, isto é, dessa inumerável família espalhada por todo o mundo, sobre a qual ele, como esposo de Maria e pai de Jesus, conserva certa autoridade paterna.
É, pois, coisa justa e sumamente digna do Bem-aventurado José que, assim como outrora amparava santamente a todo momento a Família de Nazaré, defenda e proteja agora, com seu celeste patrocínio, a Igreja de Cristo. (Revista Arautos do Evangelho, Março/2019, n. 207, p. 06-07)
Leão XIII. Excertos da Encíclica Quamquam pluries, 15/8/1889