O Evangelho que ouvimos apresenta-nos um momento significativo do caminho de Jesus, em que Ele pergunta aos discípulos o que as pessoas pensam d’Ele e como eles mesmos O julgam. Pedro responde em nome dos Doze, com uma profissão de fé que se diferencia de modo substancial da opinião que as pessoas têm sobre Jesus; com efeito, ele afirma: Tu és o Messias de Deus (cf. Lc 9, 20).
Devemos sempre “permanecer com Ele”
De onde nasce este ato de fé? Se formos ao início deste trecho evangélico, constataremos que a confissão de Pedro está ligada a um momento de oração: “Jesus rezava num lugar afastado. Os discípulos encontravam-se com Ele”, diz São Lucas (cf. Lc 9, 18).
Ou seja, os discípulos são envolvidos no ser e no falar absolutamente únicos de Jesus com o Pai. E deste modo é-lhes concedido ver o Mestre no íntimo da sua condição de Filho, é-lhes concedido ver aquilo que os outros não conseguem ver; do fato de “estar com Ele”, do fato de “permanecer com Ele” em oração deriva um conhecimento que vai mais além das opiniões das pessoas, para chegar à profunda identidade de Jesus, à verdade.
Aqui nos é oferecida uma indicação bem específica para a vida e a missão do sacerdote: na oração, ele é chamado a redescobrir o rosto sempre novo do seu Senhor e o conteúdo mais autêntico da sua missão. Só quem mantém uma relação íntima com o Senhor é conquistado por Ele, pode levá-Lo aos outros, pode ser enviado.
Trata-se de um “permanecer com Ele”, que deve acompanhar sempre o exercício do ministério sacerdotal; deve constituir a sua parte central, também e sobretudo nos momentos difíceis, quando parece que as “coisas a fazer” devem ter a prioridade. Onde quer que estejamos, o que quer que façamos, devemos sempre “permanecer com Ele”.
A coragem de dizer sim a outra vontade
Gostaria de salientar um segundo elemento do Evangelho de hoje. Imediatamente depois da confissão de Pedro, Jesus anuncia a sua Paixão e Ressurreição, fazendo seguir- -se a este anúncio um ensinamento relativo ao caminho dos discípulos, que consiste em segui-Lo, em seguir o Crucificado, em segui-Lo ao longo do caminho da Cruz. E depois acrescenta – com uma expressão paradoxal – que o ser discípulo significa “perder-se a si mesmo”, mas para voltar a encontrar-se plenamente a si mesmo (cf. Lc 9, 22-24).
Que significa isto para cada cristão, mas principalmente para um sacerdote? O seguimento, mas poderíamos tranquilamente dizer: o sacerdócio jamais pode representar um modo para alcançar a segurança na vida, ou para conquistar uma posição social. Quem aspira ao sacerdócio para um crescimento do seu prestígio pessoal e do seu poder, entendeu de modo totalmente errado o sentido deste ministério. Quem quiser realizar sobretudo sua própria ambição, alcançar um sucesso pessoal, será sempre escravo de si mesmo e da opinião pública.
Para ser considerado, deverá adular, deverá dizer aquilo que agrada às pessoas; deverá adaptar-se à mudança das modas e das opiniões e, deste modo, privar-se-á da relação vital com a verdade, reduzindo-se a condenar amanhã o que terá elogiado hoje. Um homem que delineia desta forma a sua vida, um sacerdote que considera nestes termos o seu ministério, não ama verdadeiramente a Deus e ao próximo, mas apenas a si mesmo e, paradoxalmente, termina por se perder a si próprio.
O sacerdócio – recordemo-lo sempre – está fundamentado sobre a coragem de dizer sim a outra vontade, com a consciência, que se deve fazer crescer todos os dias, de
que precisamente conformando-nos com a vontade de Deus, “imersos” nesta vontade, não só não será anulada a nossa originalidade mas, pelo contrário, entraremos cada vez mais na verdade do nosso ser e do nosso ministério.
Uma experiência de enlevo sempre nova
Caríssimos ordenandos, quereria propor à vossa meditação um terceiro pensamento, estritamente ligado àquele que acabei de expor: o convite de Jesus a “perder-se a si mesmo”, a tomar a cruz, evoca o mistério que estamos celebrando: a Eucaristia.
Hoje, com o Sacramento da Ordem, é-vos dado presidir à Eucaristia! É-vos confiado o sacrifício redentor de Cristo, é-vos confiado o seu Corpo oferecido e o seu Sangue derramado. Sem dúvida, Jesus oferece o seu sacrifício, a sua doação de amor humilde e total à Igreja sua Esposa, na Cruz. É naquele madeiro que o grão de trigo, lançado pelo Pai no campo do mundo, morre para se tornar um fruto maduro, dador de vida.
Todavia, no desígnio de Deus, esta doação de Cristo torna-se presente na Eucaristia graças àquela potestas sacra que o Sacramento da Ordem vos confere, a vós presbíteros. Quando celebramos a Santa Missa, conservamos nas nossas mãos o Pão do Céu, o Pão de Deus, que é Cristo, grão partido para se multiplicar e para se tornar o verdadeiro alimento da vida para o mundo. É algo que não pode deixar de vos cumular de íntima admiração, de profunda alegria e de imensa gratidão: o amor e a dádiva de Cristo crucificado e glorioso já passam pelas vossas mãos, pelas vossas vozes e pelos vossos corações! Trata-se de uma experiência de enlevo sempre nova, ver que através das minhas mãos e da minha voz, o Senhor realiza este mistério da sua presença!
Então, como deixar de rezar ao Senhor, para que vos incuta uma consciência cada vez mais vigilante e entusiasta deste dom, que é colocado no cerne do vosso ser sacerdotes! Para que vos conceda a graça de saber experimentar em profundidade toda a beleza e a força deste vosso serviço presbiteral e, ao mesmo tempo, a graça de poder viver este ministério com coerência e generosidade, todos os dias. A graça do presbiterado, que daqui a pouco vos será concedida, unir-vos-á intimamente, aliás de modo estrutural, à Eucaristia.
Tornar-se cada vez mais semelhante a Cristo
Por isso, vincular-vos-á no profundo do vosso coração aos sentimentos de Jesus que ama até ao extremo, até ao dom total de Si, ao seu ser pão multiplicado para o sagrado banquete da unidade e da comunhão. É esta a efusão pentecostal do Espírito, destinada a inflamar a vossa alma com o próprio amor do Senhor Jesus. Trata-se de uma efusão que, enquanto manifesta a gratuidade absoluta do dom, grava dentro do vosso ser uma lei indelével – a lei nova, uma lei que vos impele a inserir e a fazer reflorescer no tecido concreto dos comportamentos e dos gestos da vossa vida de todos os dias o próprio amor de entrega de Cristo crucificado.
Voltemos a ouvir a voz do Apóstolo Paulo, aliás, nesta voz reconheçamos a voz poderosa do Espírito Santo: “Pois todos vós que fostes batizados em Cristo vos revestistes de Cristo” (Gal 3, 27). Já com o Batismo, e agora em virtude do Sacramento da Ordem, vós vos revestis de Cristo. A atenção à Celebração Eucarística seja acompanhada sempre pelo compromisso em benefício de uma vida eucarística, isto é, vivida na obediência a uma única e grandiosa lei, a do amor que se entrega totalmente e serve com humildade, uma vida que a graça do Espírito Santo torna cada vez mais semelhante à de Jesus Cristo, Sumo e Eterno Sacerdote, Servo de Deus e dos homens. (Revista Arautos do Evangelho, Julho/2019, n. 211, p. 06-07)
Bento XVI. Excerto da homilia na Missa de ordenação presbiteral dos diáconos da Diocese de Roma, 20/6/2010