No dia 6 de maio de 1542, aportava afinal na remota e lendária Índia, depois de conturbada viagem de treze meses, o filho dileto de Santo Inácio de Loyola. Desse modo as portas da Ásia abriam-se diante desse sacerdote de apenas 35 anos de idade.
Assim, seu primeiro campo de ação foi a cidade de Goa, principal colônia portuguesa no Oriente, onde os europeus esquecidos de sua missão civilizadora, dedicavam-se a um lucrativo comércio e se deixavam arrastar pela sensualidade e pelos vícios do mundo pagão.
Em poucas semanas, fizeram-se sentir naquela cidade o benéfico efeito da ação de presença, das pregações e do ativo zelo do novo missionário: “Tantos eram os que vinham se confessar que, se eu fosse dividido em dez partes, todas elas precisariam atender confissões” – escreveu ele em setembro de 1542 aos jesuítas de Roma.
Depois de passar alguns meses nessa cidade, rumou Francisco para terras ainda mais distantes. Toda a costa sul da península indiana foi percorrida por ele. E a partir de então, sua vida tornou-se um ininterrupto peregrinar por terras, mares e ilhas longínquas, alargando sem cessar as fronteiras do Reino de Jesus. Em carta de janeiro de 1544, disse ele a seus irmãos de vocação: “Tanta é a multidão dos que se convertem à fé de Cristo nesta terra por onde ando, que muitas vezes me acontece ter os braços cansados de tanto batizar (…). Há dias em que batizo todo um povoado”.
Com efeito, um ano depois, relatava novas maravilhas operadas por Deus naquelas paragens: “Notícias destas partes da Índia: faço-lhes saber que Deus nosso Senhor moveu muitos, num reino por onde ando, a se tornarem cristãos, de modo que num mês batizei mais de dez mil pessoas.
Assim, enfunadas as velas de sua alma pelo sopro do Espírito Santo, com heróica generosidade Francisco Xavier fez de sua existência um contínuo “fiat mihi secundum verbum tuum”, lançando- se sempre, de ousadia em ousadia, à conquista de mais almas, para a maior glória de Deus.
Entretanto, certo dia, estando na cidade de Malaca, apresentaram-lhe um homem de olhos oblíquos e mirada inteligente, que havia percorrido centenas de milhas tendo por único intuito encontrar-se com o célebre e venerável ocidental que perdoava os pecados… Seu nome era Hashiro e sua terra natal, o Japão.
Inesperadamente, vislumbrou Francisco a riqueza que seria para a Igreja se o povo representado por esse intrépido neófito fosse santificado pelas águas do Batismo. Escreveu então a seu fundador, em janeiro de 1549: “Não deixaria eu de ir ao Japão pelo muito que tenho sentido dentro de minha alma, ainda que possuísse a certeza de que haveria de passar pelos maiores perigos da minha vida, porque tenho grande esperança em Deus Nosso Senhor que nessas terras há de crescer muito nossa santa fé. Não poderia descrever quanta consolação interior sinto em fazer esta viagem ao Japão”.
Entretanto, tendo como objetivo conseguir mais missionários para essa promissora terra, partiu de volta à Índia, deixando no Japão, que não mais o veria, uma robusta e florescente cristandade.
A última viagem
Retornando do Japão, pouco tempo se deteve o Pe. Francisco na Índia. De fato, apenas o suficiente para atender as necessidades da Companhia de Jesus nessas terras e preparar a tão desejada viagem à China.
Sancião era todavia o nome dado pelos portugueses à inóspita ilha de Shangchuan, situada a 180 quilômetros da cidade de Cantão. Nessa ilha, onde os navios europeus costumavam aportar para comerciar com os chineses, desembarcou o santo missionário em outubro de 1552.
Contudo, esforçaram-se ali os portugueses por encontrar, entre os numerosos mercadores chineses, algum que se prontificasse a levá-lo a Cantão. Todos, porém, se escusavam, pois isso era vedado pelas leis imperiais, e os transgressores expunham-se a perder todos os haveres e até a própria vida. Por fim, um deles, decidido a correr o risco, se dispôs a transportar São Francisco numa pequena embarcação, mediante o pagamento de 200 cruzados.
“Os perigos que corremos neste empreendimento são dois, segundo a gente da terra: o primeiro é que o homem que nos leve, depois de receber os duzentos cruzados, nos abandone numa ilha deserta ou nos jogue no mar; o segundo é que, chegando a Cantão, o governador nos mande para o suplício ou para o cativeiro” – escreveu Xavier ao Pe. Francisco Pérez.
Esses perigos, porém, o infatigável apóstolo não os temia. Ele seguro estava de que “sem a permissão de Deus, os demônios e seus asseclas nada podem contra nós”.
Dessa forma, acompanhado de apenas dois auxiliares, um indiano e um chinês, ficou na Ilha de Sancião à espera do retorno do comerciante que se comprometera a transportá-lo. Celebrava diariamente ali o Santo Sacrifício do Altar, olhando sem cessar para o continente pelo qual com tanto ardor suspirava. Mas os dias e as semanas se passaram, e em vão aguardou Francisco a volta do chinês: este infelizmente nunca retornou.
As forças físicas do ardoroso missionário chegaram então ao termo. Uma altíssima febre o obrigou a recolher-se em sua improvisada cabana. Ali, desamparado dos homens e padecendo frio, fome e toda classe de privações, deveria passar os últimos dias.Alguns dias antes de entregar seu espírito, entrou em delírio, revelando então a magnitude do holocausto que a Providência lhe pedia: falava continuamente da China, de seu veemente desejo de converter esse império e da glória que adviria para Deus se esse povo fosse atraído para a Santa Igreja Católica…
Assim, nas primeiras horas da madrugada de 3 de dezembro de 1552, Francisco Xavier expirou docemente no Senhor. Sem uma queixa ou reclamação, divisando ao longe aquela China que não conseguira conquistar e que tanto havia desejado depositar aos pés de seu Rei, Nosso Senhor Jesus Cristo.
Suas derradeiras palavras foram estas frases de um cântico de glória: In te, Domine, speravi. Non confundar in aeternum. Em Vós espero, Senhor. Não me abandoneis para sempre!