Na Solenidade de Todos os Santos a Igreja celebra todos aqueles que já se encontram na plena posse da visão beatífica. Inclusive os não canonizados. Sim, alegremo-nos, porque santos são também todos os que fazem parte do Corpo Místico de Cristo. Não só os que conquistaram a glória celeste, como também os que satisfazem a pena temporal no Purgatório e os que, ainda na Terra de exílio, vivem na graça de Deus.
Filhos de Deus… “nós o somos! Se o mundo não nos conhece é porque não conheceu o Pai. Caríssimos, desde já somos filhos de Deus, mas nem sequer se manifestou o que seremos” (I Jo 3, 1b-2a). De fato, enquanto permanecemos neste mundo, em estado de prova, temos a graça santificante, recebida no Batismo, e as graças atuais, que Deus derrama sobre nós ao longo da nossa existência. Todavia, estamos apenas no começo do caminho. Só quando contemplarmos a Deus face a face é que esta graça se transformará em glória.
Esta é a felicidade absoluta da qual os Santos, já gozam em plenitude na eternidade. Nenhuma consolação desta vida é comparável. Nossa ideia a propósito da felicidade é tão humana, que julgamos, muitas vezes, possuí-la em grau máximo ao obter algo que muito desejamos. A mera inteligência do homem não alcança a compreensão da felicidade do Céu. Em relação a Deus somos como formigas que, andando pela terra, levantassem a cabeça para olhar o voo de uma águia no céu. A diferença entre uma formiga e uma águia é ridícula perto da infinitude existente entre a razão humana e a inteligência divina. E ainda que, dotados de uma capacidade incomum, passássemos trezentos bilhões de anos estudando. Nosso verbo continuaria falho e não encontraríamos termos para nos expressarmos devidamente a respeito de Deus.
Pois bem, em seu infinito amor, Deus quis dar às criaturas inteligentes, Anjos e homens, um empréstimo de sua luz intelectual, o lumen gloriæ. O eminente dominicano padre Santiago Ramírez define o lumen gloriæcomo “um hábito intelectual operativo, infuso per se, pelo qual o entendimento criado se faz deiforme e torna-se imediatamente disposto à união inteligível com a própria essência divina, e se torna capaz de realizar o ato da visão beatífica”.
Esse “fazer-se deiforme” significa que quem entra na bem-aventurança se torna semelhante a Ele. Assim o afirma São João na continuação de sua Epístola:
“Sabemos que, quando Jesus se manifestar, seremos semelhantes a Ele, porque O veremos tal como Ele é” (I Jo 3, 2b).
Só no Céu veremos a Nosso Senhor Jesus Cristo de fato, uma vez que enquanto viveu na Terra ninguém O viu tal qual Ele é.
O homem, ainda quando privado da graça, tem uma apetência de infinito que não descansa enquanto não for saciada pela união com Deus. É o que revela Santo Agostinho, em suas Confissões:
“E eis que Tu estavas dentro de mim e eu fora, e fora Te procurava; e, disforme como era, lançava-me sobre as coisas belas que criaste. Tu estavas comigo, mas eu não estava contigo. Retinham-me longe de Ti aquelas coisas que, se não estivessem em Ti, não existiriam”. Essa felicidade imensa e indescritível, pois para ela todos nós somos criados. Mas só a atingiremos seguindo os passos daqueles que nos precederam com o sinal da Fé.
Peçamos que essa bem-aventurança eterna seja também para nós um privilégio. Peçamos pelos méritos de Nosso Senhor Jesus Cristo, das lágrimas de Nossa Senhora e da intercessão de todos os Santos que hoje comemoramos.
Enquanto lá não chegarmos, podemos nos relacionar com essa enorme plêiade de irmãos celestes, membros do mesmo Corpo, por um canal direto muito mais eficiente do que qualquer meio de comunicação moderno: a oração, o amor a Deus e o amor a eles enquanto unidos a Deus. Tenhamos a certeza de que, do alto, eles nos olham com benevolência, rogam por nós e nos protegem.
DIAS, João S. Clá, O Inédito sobre os Evangelhos Vol VII, Libreria Editrice Vaticana, Città del Vaticano, 2013 RODRIGUES, Pe. Afonso, Exercícios de Perfeição e Virtudes Cristãs, Tip da União Gráfica, Lisboa, 1932
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