Campo Mourão – Paraná (Quinta-Feira, 18/06/2015, Gaudium Press) Dom Francisco Javier Delvalle Paredes, Bispo da Diocese de Campo Mourão, no Paraná, afirmou em seu artigo mensal que, no Brasil, a CNBB está refletindo sobre o Documento de Estudos 107, acerca do laicato na Igreja, com vistas à elaboração de um Documento oficial sobre o tema. Segundo ele, impulsionada pela Conferência de Aparecida, e confirmada pela Exortação Apostólica Evangelii Gaudium do Papa Francisco, a Igreja presente no Brasil deseja recolocar com entusiasmo o papel fundamental da vocação leiga na missão eclesial.
Pensando nisso, ele destacará nessa reflexão algumas informações sobre a atuação leiga nos Atos dos Apóstolos. Para o Prelado, vale notar, porém, que o vocábulo “leigo” não aparece nos Atos e em nenhum outro texto do Novo Testamento, mas ela é utilizada pela primeira vez por São Clemente, terceiro sucessor de Pedro na Sé Romana, de acordo com a lista episcopal de Santo Ireneu de Lion. Clemente escreveu à comunidade de Corinto no ano 97. Etimologicamente, a palavra “leigo” (grego – laykos) deriva de “povo” (grego – laos), uma referência ao profundo significado da Igreja como “Povo de Deus”.
“O que podemos extrair dos Atos dos Apóstolos com respeito ao papel do leigo? São citados os Apóstolos e aqueles por eles escolhidos para empenho direto na missão evangelizadora e organização das comunidades (Estevão, Filipe, Barnabé, Tito, Timóteo, Silas). Existem numerosos outros personagens dedicados à mesma evangelização na modalidade ‘leiga’. Comecemos pelos grupos de convertidos descritos nos cinco primeiros capítulos da obra. Pessoas variadas que abraçaram a fé e o compromisso que a fé impunha”, avalia.
Conforme o Bispo, dessas pessoas Lucas pode dizer: “Eram perseverantes no ensinamento dos Apóstolos, na comunhão fraterna, na fração do pão e nas orações” (At 2,42). Ele diz ainda que os fiéis “eram um só coração e uma só alma… entre eles não havia necessitados… tudo entre eles era comum” (At 4,32-35). Para Dom Francisco, os leigos, figuras anônimas constituintes da Igreja nascente, conservaram o seu testemunho como testemunho da Igreja, por isso seus nomes permanecem no escondimento. Ele destaca que através deles a Igreja nascente pôs em prática o novo modo de manutenção das relações legado por seu Senhor e Mestre.
“Temos, depois, figuras pontuais. Indivíduos que se destacam enquanto personificação do modo de vida cristã. Em At 9,36-43 aparece Tabita, mulher que pela fé recebeu o honroso título de discípula (At 9,36). Aliás, trata-se da única vez que uma mulher é chamada ‘discípula’ nos Atos. Dela Lucas preservou a seguinte lembrança: ‘Ela praticava muitas boas obras e dava grandes esmolas”. Tabita era costureira e usava do ofício para a caridade, costurando mantos e túnicas para as viúvas de Jope. A leiga Tabita se imortalizou na história da salvação pelo serviço da caridade'”, acrescenta.
Também recorda que, avançando a narrativa, no capítulo 10 surge a figura do centurião Cornélio, definido como “homem justo e temente a Deus” (At 10,22). De acordo com o Prelado, justiça e temor de Deus eram qualidades próprias dos judeus piedosos, mas Cornélio é pagão e as possui com largueza, tornando-se um leigo com coração sensível à justiça, ao reconhecimento de Deus (temor) e disponível a ouvir e acolher sua palavra de vida.. É Cornélio quem diz a Pedro: “Estamos todos aqui, na presença de Deus, prontos para ouvir, o que o Senhor o encarregou de nos dizer” (At 10,33).
“No capítulo 16 está guardada a memória de outra leiga importante para a Igreja nascente. Lídia, comerciante de púrpura, da cidade de Tiatira. Acerca de sua personalidade Lucas anotou: ‘Lídia acreditava em Deus e escutava com atenção. O Senhor abrira o seu coração para que aderisse às palavras de Paulo’ (At 16,14). Tendo abraçado a fé cristã, quis acolher Paulo em sua casa. Crer e ouvir e obedecer a Deus, duas qualidades da leiga Lídia. Pela fé ela permitiu que Deus trabalhasse em sua vida, abrindo-lhe o coração às palavras ditas através de Paulo.”
Mais adiante, no capítulo 18, Dom Francisco lembra que a Bíblia menciona os nomes de Priscila e Áquila, que eram fabricantes de tendas, artesãos, membros do povo simples. Eles acolheram Paulo em sua casa, dando-lhe suporte para a evangelização de Corinto. Segundo o Bispo, do lar deste casal o Evangelho se estendeu pela grande cidade portuária, plantando ali os fundamentos de sólida comunidade cristã. No mesmo capítulo, Lucas menciona o nome de Apolo, judeu convertido natural de Alexandria, um entusiasmado pelo cristianismo, que pregava sem acanhamento a verdade de Deus (At 18 25). Priscila e Áquila, ouvindo-o falar, o tomaram consigo e, com mais precisão, lhe expuseram o Caminho de Deus (At 18,26).
“Na atitude do casal refulge a corresponsabilidade catequética inerente a todo batizado. Em vez de rechaçar Apolo pela incompletude do seu conhecimento da fé, Priscila e Áquila se encarregaram de oferecê-lo o autêntico ensinamento cristão. São, portanto, modelo para nossas comunidades cada vez mais desafiadas no aspecto catequético. Pelos testemunhos aludidos, conclui-se, então, que a vocação leiga na Igreja nasce no sentido de colaboração direta na missão evangelizadora deixada pelo Cruficicado-Ressuscitado”, salienta.
Por fim, o Bispo enfatiza que o papel dos leigos nos Atos dos Apóstolos confirma sua importância para a Igreja das origens, e um dos propósitos do Concílio Vaticano II consiste em revisitar o cristianismo antigo como fonte para a missão da Igreja hoje. Ele afirma que, assim sendo, temos estímulo a mais para enfatizar a identidade leiga em virtude da graça batismal que precede os demais sacramentos.
“Pelo batismo somos povo de Deus, enriquecido com multiplicidade de dons e carismas orientados para o bem de toda a Igreja. Que Santo Antônio, São João e São Pedro intercedam por nós. Que a fé eucarística, proclamada com força na Solenidade de Corpus Christi, nos ajude a formar comunidade cada vez mais solidária e samaritana”, conclui. (FB)