São Jorge nasceu na Capadócia (atual Turquia) segundo uma tradição ou em Lydda, segundo outra.
No cânon do Papa Gelásio (+496), São Jorge é mencionando entre aqueles que “foram justamente reverenciados pelos homens e cujos atos são conhecidos somente por Deus”.
Com efeito, muito pouco se conhece a respeito da vida desse santo guerreiro. O único elemento histórico que temos acerca da vida do militar é o seu martírio, que provavelmente se deu em Nicomédia. A Legenda Áurea narra que o martírio de São Jorge teria se dado por ordem de Daciano. No Oriente, ele é conhecido como “megalomártir”, ou seja, “grande mártir”. Ele também é reconhecido como modelo de virgem masculino, ao lado de São João Evangelista e o próprio Jesus Cristo.[1]
Sua memória se comemora no dia 23 de abril, por se crer que ele tenha sido martirizado nesse dia do ano 303. No Oriente a sua data é comemorada no dia 6 de maio, data do feriado em vários locais. Desde a Idade Média, tornou-se uma das maiores devoções populares na Igreja Católica. É também reverenciado na Igreja Ortodoxa. Os seus restos mortais se encontram em Lydda ou Lod, atual Israel.
Entre as inúmeras dúvidas que pairam sobre a vida de São Jorge estão o seu avanço rápido nas hostes militares, a sua organização de uma comunidade cristã em Urmiá (Irã) e a uma viagem empreendida às ilhas britânicas durante uma expedição militar.
Conta-se que Jorge era membro da guarda pretoriana do imperador Diocleciano. Embora sem nomear de modo explícito, a tradição remonta ao santo guerreiro as palavras de Eusébio de Cesareia:
“Assim, logo que foi afixado em Nicomédia o edito contra as Igrejas, sucedeu que um homem, de forma alguma obscuro, mas dos mais ilustres, um dignitário secular, impelido pelo zelo de Deus e movido pelo ardor da fé, retirou, como sendo ímpio e absolutamente irreligioso, o aviso colocado em evidência num lugar público e o rasgou, na ocasião em que dois imperadores, o mais antigo e o que ocupava o quarto lugar no governo, achavam-se presentes na cidade. Este, contudo, foi o primeiro dos habitantes do país a se destacar de tal maneira; e logo, como é óbvio, suportou as consequências de tamanha audácia, mas até o último suspiro conservou a tranquilidade e a calma”.[2]
Contudo, não se sabe com certeza se Eusébio de Cesareia se referia com este trecho a São Jorge.
Conforme a Catholic Encyclopedia (1913), não existe fundamentos para duvidar da existência de São Jorge e esta é opinião dos historiadores de hoje, contudo, é necessário estar atento a dar crédito irrestrito aos detalhes de sua vida.[3]
De acordo com Legenda Áurea:
“Jorge [Georgius] vem de geos, que quer dizer ‘terra’, e de orge, ‘cultivar’, de forma que o nome significa ‘cultivando a terra’, isto é, sua carne”.[4]
Outras interpretações são inseridas a seguir por Jacopo de Varazze:
“Jorge também pode vir de gerar, ‘sagrado’, e de gyon, ‘areia’, significando portanto ‘areia sagrada’. De fato, da mesma forma que a areia, Jorge foi pesado pela gravidade dos costumes, miúdo por sua humildade, seco pela isenção de volúpia carnal.
O nome pode ainda derivar de gerar, ‘sagrado’, e gyon, ‘luta”, significando ‘lutador sagrado’ porque lutou contra o dragão e contra o carrasco. Jorge ainda pode resultar de gero, que quer dizer ‘peregrino’, de gír, ‘cortado’, e de ys, ‘conselheiro’, porque foi peregrino em seu desprezo pelo mundo, cortado em seu martírio e conselheiro na prédica do reino de Deus”.[5]
A ligação entre o São Jorge e o dragão é conhecida sobretudo desde a Legenda Áurea de Jacopo de Varezze, cujas raízes remontam o sexto século. Foram popularizadas na região da Geórgia, no sul do Cáucaso.
De fato, uma remonta legenda aponta que o santo guerreiro salvou uma princesa (e seu povo) do ataque de um dragão (que simboliza tradicionalmente o demônio ou o mal). Na mitologia o dragão também aparece como símbolo de inimizade.
A figura do santo combatente lutando contra o dragão tornou-se uma das maiores referências iconográficas do ideal cavaleiresco na civilização cristã. O salmo 90 é com frequência referido a ele: “Sobre serpente e víbora andarás, calcarás aos pés o leão e o dragão” (Sl 90,13).
A história de São Jorge com o dragão ficou popularizada durante o tempo das cruzadas. O santo militar tinha muita fama no Oriente, de onde provinha, e os cruzados reviveram o culto a ele na Europa.
Diversas ordens de cavalaria se encontram sob a égide de sua proteção ou tem algum símbolo que se refira a ele. Com efeito, ele é padroeiro de todos os combatentes e protetor contra as guerras. De fato, a vitória de São Jorge sobre o dragão é simbolizada como a vitória sobre as hostes islâmicas na época das Cruzadas. Ricardo Coração de Leão o invocava como protetor dos soldados.
O Sínodo de Oxford ordenou em 1222 que sua festa se tornasse festa nacional. Eduardo III o fez padroeiro das ilhas britânicas, além de instituir a Ordem dos Cavaleiros de São Jorge.
São Jorge é padroeiro de Portugal, Etiópia, Catalunha, Aragão, Geórgia (pelo próprio nome), Lituânia e muitas cidades pelo mundo.
O santo guerreiro também é padroeiro do estado do Rio de Janeiro, onde é feriado estadual.
O santo militar também padroeiro dos cavaleiros, dos soldados, dos escoteiros, agricultores, ferreiros, etc.
Por sua proteção contra o dragão, ele é invocado contra a peste, cobras venenosas e contra a lepra, além de outras doenças.
Sim! Na realidade, São Jorge é o nome, adotado pela União Astronômica Internacional, de uma cratera na lua. Nesse sentido, portanto, a resposta é afirmativa.
Contudo, isso nada tem a ver com a ideia difundida por religiões de matriz africana, segundo as quais ele “moraria dentro da lua”, o que não tem nenhuma base na doutrina cristã. Outras superstições invocam a lua como lugar de guerra. Assim, por sincretismo, religiões afro-brasileiras transpuseram mitos africanos (Ogum e Oxum) para a tradicional devoção a São Jorge (não é infrequente encontrar imagens do santo junto a oferecimentos de macumba). Já no plano astrológico, chegaram a identificá-lo ao signo de sagitário.
Obviamente tudo isso nada tem a ver com religião católica. Na realidade, quando ele mesmo venceu o dragão, ele increpou o governador com as palavras da Bíblia (Salmo 95,5): “Todos os deuses dos gentios são demônios, foi o Senhor quem fez os Céus!” Irado, o governador mandou prendê-lo e queimá-lo vivo. Na realidade, ele mesmo foi o holocausto vivo diante de Deus contra o paganismo.
Até a reforma litúrgica de Paulo VI, São Jorge tinha grande proeminência na liturgia. A partir de então (1969) tornou-se apenas memória facultativa. A oração do dia é a seguinte: “Ó Deus, celebrando o vosso poder, nós vos pedimos que São Jorge seja tão pronto em socorrer-nos como o foi em imitar a paixão do Senhor. Por Nosso Senhor Jesus Cristo, Vosso Filho, na unidade do Espírito Santo.”
ELDER, Isabel Hill. George of Lydda: Soldier, Saint and Martyr. London: Covenant, 1949.
EUSÉBIO DE CESAREIA. História Eclesiástica. São Paulo: Paulus, Patrística, v. 15, 2000.
HOADE, E. George, St. New Catholic Encyclopaedia, Gale: Washington, v. 6, p. 143-144.
JACOPO DE VARAZZE. Legenda Áurea – vida de santos. São Paulo: Martins Fontes, 2003, p. 365-270.
RICHES, Samantha J.E. St. George as a male virgin martyr. In: RICHES, Samantha J.E. SALIH, Sarah. Gender and Holiness: Men, women and saints in late medieval Europe. London-New York: Routledge, 2002, p. 65-85.
THURSTON, Herbert. “St. George”. In HERBERMANN, Charles (ed.). Catholic Encyclopedia. New York: Robert Appleton Company, 1913 (online).
WALTER, Christopher. The Origins of the Cult of Saint George. Revue des études byzantines, v. 53, 1995, p. 295-326.