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História da Igreja


Akhenaton: o faraó inovador
 
AUTOR: IR. ALEJANDRO JAVIER DE SAINT AMANT
 
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Do politeísmo vigente à efêmera tentativa de implantação do monoteísmo por um faraó místico e poeta, levanta-se uma intrigante questão histórica a respeito da influência do povo judeu, cativo no Egito.

Tão profunda era a influência da esfera espiritual sobre a vida cotidiana do povo egípcio que, segundo muitos especialistas, é difícil a distinção entre os acontecimentos políticos e a evolução das suas crenças.

No Egito adoravam-se centenas de deuses para os quais se edificaram magníficos templos. Até o século XIV a.C., o politeísmo sempre predominara no país, dando-se maior relevo ora a um, ora a outro deus, dependendo da dinastia reinante. Porém, no ano de 1364 a.C., um acontecimento veio abalar essa situação: a subida ao trono de Amenhotep IV, mais conhecido como Akhenaton. Destoando das ideias em vigor, o novo faraó promoveu profunda revolução técnica, artística e, sobretudo, religiosa, abalando o império até seus alicerces.

Do ponto de vista religioso, foi introduzida uma novidade existente na época apenas entre os hebreus: o monoteísmo. Contrariando frontalmente o próprio cerne da religião politeísta egípcia, Akhenaton propôs o culto apenas a Aton (o disco solar) e o proclamou como único deus.

É verdade que ele não era o primeiro adepto da religião de Aton. Com efeito há traços da existência desse culto algum tempo antes do nascimento do inovador faraó.1 Entretanto, ao declará-lo oficialmente como único deus, o novo soberano direcionava as crenças do país para o monoteísmo. E essa é uma das principais razões pelas quais ele ficou conhecido como “o faraó revolucionário”, sendo aclamado como visionário por uns, e considerado herege e até criminoso por outros.

Profeta ou revolucionário – o que foi ele na realidade? Tratemos de desvendar a questão conhecendo melhor sua história.

Em pleno apogeu do Egito

No quarto ano do reinado de Amenhotep III, pertencente à gloriosa XVIII Dinastia, sua esposa, a rainha Tiy, deu-lhe um filho que recebeu o nome de Amenhotep, ou Amenófis, de acordo com a grafia helênica.

Conhece-se pouco sobre a infância do futuro faraó por não ser costume naquela época documentar a vida das crianças nobres. Sabe- -se, entretanto, que não era o sucessor imediato de seu pai; foi a morte prematura do seu irmão mais velho, Tutmés, que o levou ao trono após o falecimento de seu progenitor. Segundo a maioria dos historiadores, Amenhotep IV ainda não tinha vinte anos de idade quando isso se deu, estando já casado com a bela e famosa Nefertiti. Desse matrimônio nasceriam seis filhas.

O Egito encontrava-se em pleno apogeu, estendendo-se seu território da Síria até o Sudão, após as conquistas de Tutmósis III, um século antes. E durante o reinado de Amenhotep III, Tebas, a Luxor de hoje em dia, brilhava sobre todo Oriente.

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 Até o século XIV a.C., o politeísmo sempre predominara no Egito, dando-se maior relevo
ora a um, ora a outro deus, dependendo da dinastia reinante

Representação dos deuses Tefnut, Hator, Sechat, Osíris, Ísis, Néftis, Amon, Tot e Rá em
uma máscara mortuária do séc. I d.C. – Metropolitan Museum of Art, Nova York

Quando ele celebrou seu trigésimo ano no trono, aproveitou o festival do Sed (jubileu) para nomear seu filho como corregente, tendo eles governado juntos por quatro anos. Tal como o pai, Amenhotep IV julgava conveniente reduzir o poder de Amon, deus principal da cidade de Tebas, onde se encontrava o trono à época, e cujo culto, aliás, superava naquele momento o das outras divindades.

Assim, tão logo subiu ao trono, decidiu reformar a religião egípcia e dar uma nova crença ao povo. Parecia-lhe necessário eliminar as divergências entre os vários dogmas, superar as forças espirituais e políticas contrárias e, ao mesmo tempo, ligar, por um só vínculo espiritual com a metrópole, os povos estrangeiros submetidos ao império. E o culto ao deus Amon era um empecilho a isso.

Motivações políticas ou teológicas?

Amenhotep IV, que significa “Amon está satisfeito”, no quinto ano de governo mudou seu nome para Akhenaton, “aquele que agrada a Aton”, ou, segundo outros, “aquele que serve a Aton”. Nesse mesmo ano, tomou uma decisão impactante, muito provavelmente influenciado pela casta sacerdotal de Heliópolis, cujo deus principal era o Sol: abandonou o culto a Amon em favor do deus Aton, representado pelo disco solar.

A adoração do Astro Rei esteve presente na civilização do Nilo desde suas origens. Aton era considerado o pai dos deuses e tradicionalmente teve a supremacia no panteão egípcio, embora não fosse venerado de forma exclusiva, porém junto com o restante das divindades. Mas a partir do século XVI a. C., o deus Amon havia adquirido preponderância em todo o império pelo fato de Tebas, onde era a divindade por excelência, ter-se tornado a capital do Império Novo.

Segundo a maioria dos egiptólogos, que tendem a realçar os aspectos políticos da história, o objetivo principal de Akhenaton era quebrar o poder do clero de Tebas. Não obstante, as razões aduzidas pelo faraó ultrapassam a esfera política, adentrando-se no terreno teológico.

Proclama ele que, desde tempos remotos, todos os deuses criados por mãos humanas existem sob formas gravadas em pedra. Mas o deus de Akhenaton não é dessa natureza. Cyril Aldred, egiptólogo inglês especialista nesse período, descreve Aton como criando-se a si próprio, renovando-se a cada dia e permanecendo gloriosamente vivo. Tratava-se de um ente supremo e abstrato, um deus e rei celestial.2 É ele quem origina a vida e mantém o universo em funcionamento, manifestando seu poder através dos raios de luz que emanam do Sol.

Essa inédita conceituação do divino causou profunda estranheza no povo, que não concebia um deus sem uma representação material. Todos eles deveriam necessariamente possuir um corpo, seja em forma humana ou animal.

Evidentemente, na sua nova concepção religiosa Akhenaton se considera, mais que qualquer outro faraó, como o único intermediário entre seus súditos e seu deus, sem necessidade de uma classe sacerdotal. A esse respeito afirma a egiptóloga Bárbara Ramírez García: “Akhenaton era o único profeta de Aton, o único que poderia revelar seus ensinamentos, pois ele mesmo era o filho dessa divindade. São muitas as cenas que chegaram até nós nas quais o rei aparece junto a Nefertiti e suas filhas prestando culto a Aton, enquanto o disco solar deita seus raios sobre eles com emblemas de vida e proteção. Desse modo, a própria família real converteu–se em objeto de culto”.3

Mudança da capital

No ano seguinte, o faraó convulsiona o império ao anunciar que construiria uma nova capital numa grande planície no centro do país, a meio caminho entre Tebas e Mênfis, na margem oriental do Nilo.

Ninguém pensaria em governar o Egito a partir daquela região nunca antes habitada. Mas Akhenaton acreditava ter descoberto o lugar onde nascia o Sol, e desejava construir ali uma cidade sagrada em louvor de seu deus. Consegui-lo-á em poucos anos. O local – Da atual Tell el-Amarna – é batizado com o nome de Akhetaton: “o horizonte de Aton”. É nessa cidade que ele compõe seu famoso hino em louvor do único deus criador, semelhante sob vários aspectos ao salmo 104.

Nenhum faraó havia se relacionado tanto com um deus como o fez Akhenaton. A nova religião expressava a gratidão humana para com o deus solar, que com seu calor dá vida a todos os homens e animais. O culto passa a ser celebrado a céu aberto, sem estátuas. No ritual, isso constituía uma verdadeira revolução. São suspensas as procissões, pois já não existem deuses representados em imagens… O rei é a representação carnal da essência solar na terra.

Um faraó poeta e místico

Historicamente não há dúvida alguma de que as ideias de Akhenaton contavam com o apoio irrestrito de sua esposa Nefertiti. O casal se empenhou tanto em implantar a nova religião e preservar a recém-fundada cidade que chegaram a negligenciar outros aspectos do governo, como o interesse por novas conquistas. Os esforços de Akhenaton, poeta e místico, e de sua esposa, estavam principalmente orientados a derrubar a fé politeísta dos seus antepassados e acabar com a influência do clero tebano.

Em Akhetaton, o faraó entregava-se ao seu grande ideal: queria ver seu povo livre da magia e da superstição primitivas e do culto aos muitos deuses. Desejava substituir tudo isso pelo amor à natureza, a alegria de viver e o pacifismo, características representativas da nova fé. Pode-se afirmar que, em termos de religião, foi um grande inovador.

Entretanto, com a morte de Akhenaton, esse período tão controvertido da história egípcia chegou ao fim. Seus dezessete anos de reinado foram imediatamente relegados à sombra: a cidade de Akhetaton foi abandonada, seus templos e outros edifícios, destruídos. Todos os indícios da passagem do singular faraó pelo trono egípcio desapareceram, como se ele jamais houvesse existido.

Seus compatrícios não suportaram a sua intolerância em relação ao politeísmo e ao culto de Amon, o qual foi restabelecido com esplendor por seus sucessores, principalmente pelo famoso Tutankhamon. Quando a capital voltou a Tebas, o clero dessa cidade recuperou seu antigo poder.

Uma hipótese a ser melhor estudada

O reinado de Akhenaton, além de surpreendente, levanta diversas interrogações.

Ele coincide com o período durante o qual se supõe que grande número de hebreus viviam nesse país. E, embora seguindo a opinião de estudiosos como Giacomo Perego, segundo o qual “qualquer reconstrução histórica desse período deve ser vista com muita cautela”4, podemos levantar hipóteses com base nos indícios disponíveis, conforme é praxe em toda atividade científica.

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Akhenaton contou com o
apoio irrestrito de sua
esposa  Nefertiti

Assim, os especialistas consideram que entre 1750 e 1550 a.C., período do domínio hicso5 no Egito, os israelitas se expandiram, favorecidos pelo próprio governo. Porém, a partir desta última data até o reinado de Ramsés II (1290-1224 a.C.), passaram a ser considerados “miseráveis asiáticos, habitantes do deserto”. Particularmente a partir de 1306 a.C., foram “constrangidos a trabalhos forçados na fabricação de tijolos e na construção”. Considera-se que, com Ramsés II, a escravidão dos judeus atinge sua pior fase.6

Será de acordo com o espírito científico tentar desvendar o mistério de Akhenaton sem analisar uma eventual influência do monoteísmo hebraico sobre ele? É forçoso que respondamos pela negativa.

Para bem aquilatar o alcance da questão, é necessário levar-se em conta quão prevalentes eram a idolatria e o politeísmo em todo o mundo de então. Nem sequer o povo mais altamente intelectualizado da época – o grego – escapou disso. A única exceção eram os hebreus.

No presente artigo, mesmo diante desses dados significativos e estimulantes, vamo-nos ater ao prudente conselho de Perego, acima citado, deixando em aberto esta questão aliás, já tratada por muitos estudiosos nas últimas décadas.

Mas convidamos o leitor a reter um dado importante: apesar da predominância do politeísmo na antiguidade, e do empenho dos sucessores de Akhenaton em apagar qualquer rastro de religião monoteísta, a concepção de cultuar um único deus prevaleceu no espírito dos homens e permanece até hoje. Porque é conatural à mente humana a ideia de que, por detrás do universo criado, existe um único Ser, incriado e necessário, que é a causa de tudo.

A respeito dessa tendência inata do ser humano, e referindo-se especificamente a Akhenaton, o Beato João Paulo II comentava: “Embora de formas ainda imperfeitas, muitíssimas pessoas reconheceram na criação a presença do seu Artífice e Senhor. Um antigo rei e poeta egípcio, ao dirigir-se à sua divindade solar, exclamava: ‘Como são numerosas as tuas obras! Elas estão escondidas ao nosso rosto; tu, ó Deus único, fora do qual ninguém existe, criaste a Terra segundo a tua vontade, quando estavas sozinho'”. (Revista Arautos do Evangelho, Julho/2011, n. 115, p. 34 à 37)

 
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