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Eucaristia


A Eucaristia nos une a Cristo e nos transforma n’Ele
 
AUTOR: REDAÇÃO
 
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O sacramento da Eucaristia, ao transformar-nos de certa maneira no próprio Cristo, nos encaminha para a felicidade eterna e nos faz pregustá-la já nesta terra. Este cativante tema é a seguir desenvolvido pelo douto dominicano Frei Ferdinand-Doratien Joret.

A união transformante, ápice da vida mística

A mais bela fórmula da via mística, plenamente vivida na união transformante, é esta: “a alma vive em Deus e Deus vive na alma”. Pois bem, esta frase, repetida várias vezes nos escritos de São João Evangelista, nós a ouvimos pela primeira vez dos lábios do próprio Jesus, justamente quando nos prometeu a divina Eucaristia: “Quem come minha Carne e bebe meu Sangue vive em Mim, e Eu nele” (Jo 6, 56).

Nosso Senhor disse então, a propósito da Eucaristia, o que Ele mesmo e seu discípulo amado, o qual fala sob sua inspiração, repetiram depois, tratando da vida da caridade e da ação do Espírito Santo nas almas.

Nós vivemos em Deus

“Quem permanece na caridade permanece em Deus, e Deus permanece nele” (1 Jo 4, 16). Permanece em Deus, pois a virtude da caridade é obra imediata do próprio Deus. É Ele, é seu Divino Espírito em pessoa que a expande em nossos corações. Ele a dá, esperando que ela suscite e regule seus atos. Toda alma em estado de caridade encontra-se, pois, fundamentada em Deus. Mais ainda, quando sua caridade se desabrocha em atos, torna-se como a vida de Deus comunicando-se ativamente à alma. Na realidade, ela mora em Deus e d’Ele recebe, como de sua própria fonte, a vida.

Deus permanece em nós

Nessa atividade, porém, regressa a alma ao seu princípio vital. A caridade mesma, ao se espraiar sob a ação do Espírito Santo, nos faz retornar ao próprio Deus, que vive em nós. Voltamo- nos para nós mesmos e abraçamos ali essa alma de nossa alma, que é o Espírito Santo e, pela capacidade sobrenatural da virtude da caridade, entramos no gozo desse divino objeto. Então Ele Se dá verdadeiramente a nós. Ele é o fim e, ao mesmo tempo, o princípio de nosso ato de amor. Estamos em Deus e Deus está em nós.

Já se encontrava Ele em nós antes de surgir em nós o amor, pelo simples fato de nos ter dado esse amor em potência e assim o possuirmos. É dessa forma que Deus reside na alma do recém- nascido e recém-batizado. Compreende- se, contudo, que essa residência em razão do amor habitual acaba por fazer-se atual e explícita, logo que praticamos um ato de amor a Deus. É aí que nos unimos a Deus e, em certo sentido, nos abraçamos a Ele.

Um novo progresso se realizará nessa vida quando essa união se torne consciente, como ocorre no estado místico. A alma terá a impressão de ser atraída por Deus, íntimo dela, à maneira de um ímã que atuasse sobre seu coração e mais ou menos sobre todas as suas demais faculdades, que se concentram e se recolhem n’Ele, num único anelo de amor. Chega até a ter a sensação de O tocar. Tal sentimento alcança sua plenitude e se torna contínuo no estado que Santa Teresa denomina “união transformante” ou “matrimônio divino”, que é, nesta terra, a maior antecipação do Céu.

A meu juízo, estão certos os teólogos que consideram esse estado místico, cujas etapas percorremos muito abreviadamente, como um desenvolvimento normal da vida espiritual levada com naturalidade até as suas últimas fases. Mesmo opinando, como outros o fazem, que o estado místico está fora da normalidade da vida sobrenatural da graça, forçoso é reconhecer que a Eucaristia realiza de todos os modos uma união transformante muito real e sumamente profunda. A ninguém deve causar estranheza que particularmente na hora da Comunhão se experimente o estado místico; pois, nesse momento, tudo contribui para induzir a alma ao místico arrebatamento: um sinal sensível nos traz a presença corporal de Cristo, ao mesmo tempo que o Espírito de Deus estimula em nós a caridade, concentrando- a toda no amor extático.

Visto isso, vamos expor como, pela Comunhão, se produz na alma a união com Cristo e a transformação n’Ele.

União a Cristo pela Eucaristia

Nosso Senhor afirma essa união: “Quem come minha Carne e bebe meu Sangue permanece em Mim, e Eu nele” (Jo 6,56). E após a instituição desse Sacramento, quando os Apóstolos experimentavam já a veracidade dessas palavras, Jesus falou outra vez, com insistência, dessa união: “Permanecei em Mim e Eu permanecerei em vós. O ramo não pode dar fruto por si mesmo, se não permanecer na videira. Assim também vós: não podeis tampouco dar fruto, se não permanecerdes em Mim. Eu sou a videira; vós, os ramos. Quem permanece em Mim e Eu nele, esse dá muito fruto” (Jo 15, 4- 5). Todo mundo conhece estes versículos. E como insiste Jesus na idéia: “Permanecei em Mim, permanecei em meu amor!”

A Eucaristia é o grande Sacramento da incorporação a Cristo. Todos os outros apenas encaminham e conduzem a ela.

É ela que realiza a união, o metabolismo da vida entre Cristo e seus membros, entre a videira e os ramos. Cristo, presente realmente nesta terra em todos os sacrários, faz sentir sua comunicação de vida a todos os seus membros, seja por meio dos demais Sacramentos, seja pelas outras graças multiformemente distribuídas às almas em todas as suas vias. Na Comunhão, porém, é Ele mesmo que a alma recebe e sobre quem ela se apóia diretamente, para extrair e tomar d’Ele toda a vida da graça e da caridade.

Aqui está a feliz conseqüência: essa caridade, já mais fervorosa, nos une mais intimamente, de forma tal que Ele mora em nós. É o segundo aspecto da união.

Depois do “vós em Mim”, é o “Eu em vós”. Meu Pai e Eu “viremos a ele e faremos nele nossa morada” (Jo 14, 23), disse Jesus a respeito de todo fiel que O ama nesta terra. Ao crescer esse amor pela Comunhão, que estimula a caridade, produz-se uma penetração cada vez mais íntima do divino Hóspede em nós. Cada vez gozamos mais d’Ele, perdemo-nos n’Ele, fazemo-nos um com Ele. “Não éramos dois, era uma fusão“, escreve Santa Teresinha do Menino Jesus, falando de sua Primeira Comunhão. “Por esse Sacramento – ensina São Tomás – se aumenta a graça e se aperfeiçoa a vida espiritual, a fim de que o homem faça-se mais perfeito pela união a Deus” (III, q. 79, a. 1. ad 1).

Transformação em Nosso Senhor, pela Eucaristia

A idéia de assimilação

Em suas “Confissões”, Santo Agostinho relata que lhe parecia ouvir do alto uma voz a lhe dizer: “Eu sou o alimento dos fortes; cresce e Me comerás, não para Me transformar em ti, mas para te transformares em Mim” (1. VII, c. X). São Tomás aplica à Comunhão essas palavras divinas. Toda nutrição tem por efeito a assimilação. É natural, porém, que o principal elemento, o mais vivente dos dois, seja o que assimila o outro. Ordinariamente, quem come, quem ingere o alimento, é quem o faz passar para sua própria vida. Mas nos encontramos ante um caso extraordinário: na Comunhão, quem é mais vivente é o alimento, e, portanto, Ele é quem transformará em Si aquele que O come. “Daí se segue – afirma São Tomás – que o efeito próprio desse Sacramento é a transformação do homem em Cristo, de maneira a poder dizer: ‘Vivo eu, mas já não sou eu que vivo, é Cristo que vive em mim'” (IV Sent., dist. 12, q. 2, a. 1, q. 1).

A idéia de caridade

Chegamos à mesma conclusão partindo da idéia de que a Eucaristia é o pão do amor, o alimento da amizade divina.

O próprio da amizade é ir transformando o amante no objeto do seu amor. À medida que amamos alguém, vamos-nos assemelhando a seu modo de ser, como se a alma do amado se fosse tornando nossa própria alma, inspirando toda a nossa conduta. Desinteressamo- nos de nós mesmos para nos ocuparmos somente do ser amado. E a partir desse momento nossa vida se transforma. Não somos mais o que éramos. Doravante, o que nos move são suas idéias, seus gostos e afeições, suas intenções e propósitos; e nosso maior desejo é a realização de sua felicidade. Eis o que a caridade, a qual é a amizade com Deus, opera em nosso coração com respeito a Nosso Senhor. Uma vez mais, vem a propósito a palavra do Apóstolo, há pouco citada: “Não sou eu que vivo, é Cristo quem vive em mim“. Escreve São Tomás: “Por esse Sacramento, opera-se uma certa transformação do homem em Cristo, e é este o seu fruto característico” (Ibid., a. 2, q. 1).

Assim, pois, o alimento eucarístico, não menos que nossa virtude da caridade por ele estimulada, nos leva ao esquecimento de nós mesmos, ao sacrifício de nosso egoísmo, para não pensar senão em Nosso Senhor e não viver senão para Ele, jubilosos de entrar no desígnio que Ele teve no mundo e que nos consumará com Ele no Pai. “Eu neles e Tu em Mim, ó Pai, a fim de que todos sejamos consumados na unidade” (Jo 17,23).

SANTA CEIA.JPG

Santa Ceia (Basílica de Notre-Dame, Montreal)

Fotos: Gustavo Kralj

No Céu, efetivamente, Jesus estará em nós, unindo vitalmente todos os membros de seu Corpo místico; e Deus, que está em Cristo glorificado, estará de igual modo em nós, que seremos um com Cristo. A complacência do Pai se estenderá da Cabeça para todos os membros de seu Filho Unigênito: “Eis aqui meu Filho bem-amado!” (Mt 3,17); e nós, inteiramente de acordo com Jesus, todos num só elã, sob seu impulso irresistível, exclamaremos: “Abba! Pai!”

E esse duplo movimento de amor – do Pai para nós e de nós para o Pai – não é senão um prolongamento até nós do Espírito Santo, amor substancial do Pai e do Filho, do qual participaremos. Será a felicidade eterna. Para ela a Comunhão nos encaminha e nos faz pregustá-la desde já.

“Quem come minha Carne e bebe meu Sangue tem a vida eterna” (Jo 6, 54). Notemos que essa promessa está enunciada no tempo presente. Pela Eucaristia, ela começa a se tornar realidade. (Revista Arautos do Evangelho, Fev/2006, n. 50, p. 35 à 37)

 
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