E justamente por isso, faz de sua vida um contínuo sacrifício de louvor, desejando antecipar cada vez mais o dia em que oconvívio com a Santíssima Trindade será eterno. A vida dos santos nos dá prova que, independentemente da vocação à qual foram chamados, ao longo de sua caminhada neste vale de lágrimas, não sabem senão falar com Deus ou de Deus para todos os que os rodeiam.
Santa Teresinha do Menino Jesus, como mestra de noviças no Carmelo de Lisieux, tinha um profundo zelo pela boa formação de suas subalternas, não perdendo nenhuma ocasião de dar-lhes algum ensinamento por meio de palavras e, principalmente, de exemplos. Certa vez em que a comunidade se ocupava com a lavagem das roupas, tocou o sino que indicava o término das funções e convidava todas à oração. Porém, como ainda faltasse muito por ser feito, a superiora julgou conveniente prolongar os trabalhos por mais algum tempo. Santa Teresinha, então, observando que uma das noviças trabalhava com especial ardor, aproximou-se dela e perguntou: “‘Que estais fazendo?’ ‘Eu lavo’, respondeu ela. ‘Está bem, mas interiormente deveis fazer oração; este tempo é do Bom Deus, não temos o direito de tomá-lo'”. 1
Este fato mostra claramente como uma alma verdadeiramente contemplativa pode, mesmo em meio às atividades mais corriqueiras do dia-a-dia, estar em contínua comunicação com Deus, rendendo-Lhe glória. É o que se passava em grau eminente com a Santíssima Virgem, que ao girar, por exemplo, a maçaneta de uma porta, dava mais glória a Deus do que muitos outros santos no momento de seu martírio.2
Tal vigor de alma não pode ser concebido sem se tomar em consideração a vida sobrenatural. O papel da graça consiste exatamente em iluminar a inteligência, em robustecer a vontade e em temperar a sensibilidade de maneira que se voltem para o bem. De sorte que a alma lucra incomensuravelmente com a vida sobrenatural, que a eleva acima das misérias da natureza decaída, e do próprio nível da natureza humana.3
É o que também se passava inúmeras vezes com outra Santa Teresa, a grande reformadora do Carmelo, que, apesar de suas frequentes viagens e trabalhos relativos à fundação de novos conventos, nutria uma intensa vida interior, que era a alma de todo o seu agir. Um dia, preparava ela deliciosas e frescas panquecas que seriam servidas no almoço do convento. Enquanto asfritava, seus pensamentos se elevaram a tão alto patamar que, de repente, viu-se objeto de um êxtase que a deixou transfigurada e extremamente luminosa. O mais interessante foi que, mesmo durante uma tão intensa comunicação sobrenatural, nenhuma panqueca se queimou. Pelo contrário, acabaram ficando ainda mais perfeitas e suculentas. Esse é um “belo símbolo do equilíbrio entre a contemplação e a ação. Quem deseja fazer boas ‘panquecas’ em matéria de apostolado, reze fervorosamente; se orar, o apostolado dará bons frutos; sem oração, os frutos serão menores ou nulos”. 4
Há, porém, da parte de alguns, uma desculpa frequentemente utilizada para deixar de lado o recolhimento: a famosa falta de tempo ou o excesso de ocupações, que preenchem os horizontes do homem, sobretudo na sociedade contemporânea.
Conta-se que Dom Chautard,5 um ilustre monge trapista, autor de “A Alma de todo apostolado”, certa vez foi abordado pelo primeiro ministro da França, Benjamin Clemenceau,6 que o indagou a respeito de como conseguia encontrar tempo para fazer tanta coisa. O religioso, com muita simplicidade, respondeu: “Acrescente às minhas ocupações diárias a celebração da Missa, a leitura do breviário, outras tantas práticas de vida de piedade, e então sobra tempo para as demais atividades”.7 A resposta impressionou profundamente o primeiro ministro, que não imaginava que o fato de acrescentar atos de piedade aos afazeres diários poderia fazer sobrar mais tempo para estes.
É, portanto, um “erro funesto pensar que o espírito prático é o oposto do contemplativo, gerando a falsa ideia de que a piedade de uma pessoa realizadora e dinâmica deve diminuir na proporção de suas obras, e que o tempo por ela dedicado à oração prejudica seus empreendimentos”. Por Ir. Ariane Heringer Tavares, EP
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1 SANTA TERESA DE LISIEUX. Conselhos e lembranças. 4. ed. Trad. Carmelitas Descalças do Carmelo do Imaculado Coração de Maria e Santa Teresinha. São Paulo: Paulus, 1984, p. 71.
2 Cf. SÃO LUÍS MARIA GRIGNON DE MONTFORT . traité de la vraie dévotion à la Sainte Vierge, n. 222. In: Œuvres Complètes. Paris: Du Seil, 1996, p. 638.
3 CORRÊA DE OLIVEIRA, Plinio. Revolução e Contra-Revolução.5.ed.São Paulo: Retornarei, 2002 p.131.
4 Id. Santa Teresa: alma de rara grandeza. In: Dr. Plinio. São Paulo: ano IX, n. 103, out. 2006, p. 29.
5 Jean-Baptiste Chautard (*1858 – †1935), cisterciense trapista, abade do mosteiro de Sept-Fons (França).
6 Jorge Benjamin Eugênio Clemenceau. Político, escritor e médico francês. (*1841 – †1911).
7 CHAUTARD, Jean-Baptiste apud CORRÊA DE OLIVEIRA. Santa Teresa: alma de rara grandeza. Op.cit. p. 28.
8 CORRÊA DE OLIVEIRA. Santa Teresa: alma de rara grandeza .5.ed.São Paulo: Retornarei, 2002 p. 28.