Tendo, pois, Jesus nascido em Belém de Judá, no tempo do rei Herodes, eis que os reis magos vieram do Oriente a Jerusalém. Perguntaram eles: ‘Onde está o rei dos judeus que acaba de nascer? Vimos a Sua estrela no Oriente e viemos adorá-Lo’. Ouvindo isto, o rei Herodes ficou perturbado e toda Jerusalém com ele. Convocou os príncipes dos sacerdotes e os escribas do povo e indagou deles onde havia de nascer o Cristo. Disseram-lhe: ‘Em Belém, na Judeia, porque assim foi escrito pelo profeta: E tu, Belém, terra de Judá, não és de modo algum a menor entre as cidades de Judá, porque de ti sairá o chefe que governará Israel, meu povo’ (Mq 5, 2).
Herodes, então, chamou secretamente os reis magos e perguntou-lhes sobre a época exata em que o astro lhes tinha aparecido. E, enviando-os a Belém, disse: ‘Ide e informai-vos bem a respeito do Menino. Quando O tiverdes encontrado, comunicai-me, para que eu também vá adorá-Lo’. Tendo eles ouvido as palavras do rei, partiram. E eis que a estrela, que tinham visto no Oriente, os foi precedendo até chegar sobre o lugar onde estava o Menino, e ali parou. A aparição daquela estrela os encheu de profunda alegria. Entrando na casa, acharam o Menino com Maria, Sua mãe. Prostrando-se diante dEle, O adoraram. Depois, abrindo seus tesouros, ofereceram-Lhe como presentes: ouro, incenso e mirra. Avisados em sonhos de não tornarem a Herodes, voltaram para sua terra por outro caminho” (Mt 2, 1-12).
No trato com crianças não é difícil constatar o seu senso do maravilhoso. Quando o inocente está em formação e despontam os primeiros lampejos do uso da razão, ele se encanta com tudo quanto vê, acrescentando à realidade algo que ela, de si, não tem. Ou seja, imagina aspectos magníficos e grandiosos por detrás de aparências simples. É isso que constitui a alegria da vida infantil.
Infelizmente, nos tempos hodiernos, que acumulam sobre si o fruto de vários séculos de decadência moral, procura-se arrancar às crianças, o mais cedo possível, o maravilhoso. E com esta perda vai-se embora também a inocência.
Aos poucos os jovens são introduzidos num ambiente onde o hábito de admirar já não existe. Nas escolas e universidades, em geral, o que interessa é o concreto, o exato, a ciência, o número, a prova, o testemunho. Às vezes o que é pior até nos cursos de Religião se nota o empenho dos professores em dizer que nas Sagradas Escrituras muitos episódios não passam de lenda e fantasia, e não aconteceram como estão narrados. Tudo para dissuadir o aluno da ideia do milagre, da intervenção de Deus, do sobrenatural e da relação que há entre o homem, a ordem do universo e Deus.
Tal sede de maravilhoso, tão viva no mundo dos inocentes, deveria permanecer no horizonte dos adultos e, inclusive, crescer. É preciso continuar crendo na maravilha e alimentar a fé com a contemplação das belezas criadas por Deus, pois até um colibri tentando tirar o seu alimento de uma flor, com elegância e agilidade, nos remete a Deus, a seu poder e formosura.
É por este prisma que analisaremos a Solenidade da Epifania sobre a qual encontramos, com frequência, explicações tendentes a demolir o senso do maravilhoso nas almas. Assim, deixando de lado detalhes históricos em alguns casos até discutíveis, se não fazem parte da Revelação, já comentados em artigos anteriores,1 centremos nossa atenção no aspecto sobrenatural e simbólico latente neste acontecimento. Joseph de Maistre dizia: “La raison ne peut que parler, c’est l’amour qui chante!2 A inteligência só sabe falar, o amor é que canta”. Acompanhemos, então, a Liturgia deste dia com amor, considerando os fatos de dentro do olhar de Deus.
Esta Solenidade é para nós mais importante em certo sentido, do que o próprio Natal embora este seja mais celebrado, por nos tocar muito de perto. Como? Era uma época auge… Auge de decadência da humanidade! A situação social, política e, sobretudo, moral, era a pior possível. O mundo, penetrado de desprezos, ódios e invejas, havia chegado ao fundo de um abismo, e a civilização antiga encontrava-se num impasse, pois ninguém vislumbrava uma solução para a crise que lhe minava os fundamentos.
Em poucas e expressivas palavras descreve o Prof. Plinio Corrêa de Oliveira tal situação: “Como afirmou um historiador famoso, toda a humanidade, então, se sentia velha e gasta. As fórmulas políticas e sociais, então utilizadas, já não correspondiam aos anseios e ao modo de ver dos homens do tempo. Um imenso desejo de reforma sacudia diversos povos. […] E todo o mundo sentia que uma crise imensa ameaçava a sociedade de uma ruína inevitável”.3
SAIBA MAIS Os dons do Espírito Santo |
E é esse tempo em que nasce Nosso Senhor Jesus Cristo numa localidade judaica, em Belém, de uma Mãe judia e para os judeus. Ele dirá mais tarde aos Doze, ao enviá-los em missão: “Ide antes às ovelhas que se perderam da casa de Israel” (Mt 10, 6). Também quando a cananeia Lhe pede a libertação de sua filha atormentada pelo demônio, responde: “Não fui enviado senão às ovelhas perdidas da casa de Israel” (Mt 15, 24). Dir-se-ia que a vocação do Messias se restringia ao povo eleito.
Entretanto, alguns dias depois do seu nascimento treze, segundo a Glosa4 recebe os Magos, oriundos de terras longínquas, significando a universalidade da Redenção e antecipando o chamado à gentilidade, que tornaria na iminência de subir aos Céus, ao dar o mandato aos Apóstolos: “Ide, pois, e ensinai a todas as nações; batizai-as em nome do Pai, do Filho e do Espírito Santo” (Mt 28, 19). Ele veio para todos os outros povos, portanto também para nós. A esse propósito, mostra São Tomás que Deus não faz acepção de pessoas, pois Se manifestou a todas as classes sociais, nobres e plebeus, à multiplicidade das raças e nações, a sábios e ignorantes, aos poderosos e aos de condição humilde, sem excluir ninguém.
Um dos elementos principais ao contemplarmos o episódio da Epifania, é a visão da estrela que levou os Magos a se porém a caminho, como está dito na Oração do Dia: “hoje revelastes o vosso Filho às nações, guiando-as pela estrela”.6 De que modo se explica que eles tivessem discernido o simbolismo desse misterioso astro? Conforme muitos autores, os Magos eram potentados ou reis,7 os quais, em certas regiões orientais, para ascender ao trono se aplicavam ao estudo das diversas ciências, destacando-se de maneira especial a astronomia:8 “ninguém pode ser rei dos persas se antes não aprendeu a disciplina e a ciência dos magos”.9
Como na Pérsia se havia difundido a crença de que estava para nascer um magnífico Rei Salvador, essa perspectiva fazia com que se prestasse especial atenção nos sinais celestes que pudessem anunciar a próxima realização de tal oráculo: “Se este fenômeno extraordinário [da estrela] foi interpretado pelos Magos como o sinal do nascimento do Rei dos judeus, isso prova, em primeiro lugar, suas preocupações astrológicas e, em segundo lugar, o conhecimento dessas tradições religiosas, universalmente difundidas no Oriente, segundo o testemunho de Tácito e de Suetônio.
Tradições que anunciavam, para essa época, a vinda de homens originários da Judeia para dominar o mundo”.10 No mesmo sentido opina outro conceituado autor: “na Pérsia esperava-se, por tradição interna, uma espécie de salvador e, além disso, sabia-se que análoga expectativa existia na Palestina”.11
Segundo São Tomás a igreja não era um astro como os demais, pois tinha sido criada por Deus para aquela circunstância, não no céu, mas na atmosfera, perto deles, com o objetivo de manifestar a realeza celeste do Menino que nascera em Belém.Pelo fato de aos judeus o Senhor transmitir suas instruções através dos Anjos, foram estes que anunciaram aos pastores o nascimento do Messias. Aos Magos, contudo, acostumados a contemplar o firmamento, Deus comunica a mensagem mediante uma estrela.
Presume-se que a distância percorrida pelos Reis Magos, para os padrões atuais, não tenha sido grande. Naquele tempo, porém, a viagem era feita, na melhor das hipóteses, de camelo, com uma comitiva a pé. Era preciso ir a passo, o que tornava o deslocamento lento, não sendo possível percorrer mais de 30 ou 40 km por dia. As estradas eram precárias, sem mencionar os imprevistos, como animais ferozes, assaltantes, condições de hospedagem deficientes… Era uma aventura penosa e arriscada. Não obstante, eles não se preocupam com nada disso e põem-se a caminho em busca do Salvador, o Rei dos judeus. Mas quem os impele, realmente?
Tanto aos pastores quanto aos Reis Magos, o Espírito Santo falou no fundo da alma, inspirando-lhes a fé no advento do Messias. Com efeito, muitos outros avistaram a estrela, pois ela não fora invisível, e vários conheceram também o relato dos pastores de Belém, na noite de Natal; todavia, nem todos acreditaram, só aqueles que foram favorecidos por moções do Espírito Santo.
Por isso ressalta São Tomás o papel da graça como um raio de verdade mais luminoso que a estrela, a instruir os corações dos Magos. É, então, mais importante a comunicação direta do Espírito Santo, do que os meros sinais sensíveis. A tal ponto que, para os justos, como Ana e Simeão,14 habituados a discernir a voz de Deus em seu interior, não foi necessária a aparição de Anjos ou o surgimento de estrelas, ou qualquer indicação extraordinária de que aquele era o Filho de Deus, o Messias prometido.
Simplesmente, quando viram o Menino entrar no Templo, nos braços de sua Mãe, foram tomados pelo espírito de profecia e, por ação do Paráclito, compreenderam que ante seus olhos estava a Luz que iluminaria as nações, a glória de Israel (cf. Lc 2, 32). Assim, torna-se patente como para as almas mais puras e elevadas as manifestações sobrenaturais não vêm acompanhadas dos sinais exteriores, sendo estes, contudo, adequados para tocar os menos espiritualizados.
Impelidos por um sopro Divino, os Reis Magos chegam a Jerusalém, imaginando talvez que o povo estivesse em festa pelo nascimento do Rei esperado. No entanto, vão pedir informações sobre o Rei dos judeus ao próprio Herodes. Era o homem a quem nunca deveriam ter procurado! Este fica perturbado, pensando que ia perder o trono. Assim comenta um Santo do século V: “Por que temes, Herodes, ao ouvir que nasceu um Rei? Ele não veio para te destronar, mas para vencer o demônio”.16 E o rei idumeu, embora rico e poderoso, não é capaz de se aproximar serenamente do Menino Jesus para Lhe render homenagem, mas quer matá-Lo.
Eloquente contraste, útil para a vida espiritual. O que mais vale é saber onde está Nosso Senhor Jesus Cristo e adorá-Lo, ou possuir todos os bens da Terra? Muitas vezes Deus faz com que estes nos faltem, porque quando as mãos estão carregadas de riquezas é difícil juntá-las para rezar. Estamos mais aptos a confiar em Deus se temos as mãos vazias. Portanto, não nos perturbemos caso venhamos a passar necessidades. Enfrentar problemas, dramas e aflições é um dom de Deus. Quem não sofre e não experimenta alguma instabilidade deposita a segurança em si mesmo e acaba por voltar as costas ao Criador, o que lhe acarreta o maior dos sofrimentos: ignorar a felicidade de depender de Deus.
Nesse sentido, recolhemos uma preciosa lição da simbologia da mirra oferecida pelos Reis Magos, da qual pouco se fala. De sabor amargo característica evocativa do sofrimento, era usada também para embalsamar os cadáveres. Com tal oferecimento se tornava presente, já desde o momento de vir ao mundo e de dar a conhecer sua grandeza divina, a missão redentora do Menino e sua Morte na Cruz.
Atitude diametralmente oposta à de Herodes é a dos Reis Magos, como afirma o Doutor Angélico: “os Magos são as primícias dos pagãos a crerem em Cristo. Neles apareceram, numa espécie de presságio, a fé e a devoção dos pagãos vindos a Cristo de lugares remotos. Por isso, sendo a fé e a devoção dos pagãos isenta de erro por inspiração do Espírito Santo, também se deve crer que os Reis Magos, inspirados pelo Espírito Santo, se comportaram sabiamente ao prestarem homenagem a Cristo”.17 Eles viram um Menino envolto em panos, numa casa pobre, decerto desprovida de qualquer sinal externo de realeza.
Entretanto, movidos pela fé, O reconhecem como Deus. Ainda para São Tomás,18 não era conveniente que Nosso Senhor manifestasse toda a sua divindade através dos véus da natureza humana, logo ao nascer. Se imaginemos quando Ele ainda estava no berço viesse um Anjo e erigisse em poucos segundos um palácio no centro de Jerusalém, mais estupendo do que o Templo, uma coorte angélica descesse do Céu para anunciar a chegada do Messias e os judeus vissem uma criança em corpo glorioso, reluzente de esplendor, que papel teria a fé? Perderia sua razão de ser, uma vez que ela recai necessariamente sobre as coisas que não se veem. E em torno deste Menino, então, se juntariam, em seguida, todos os pragmáticos, todos os interesseiros, todos os oportunistas que quereriam fazer carreira à custa de seu prestígio.
Porém, acrescenta São Tompas, a Encarnação do Verbo, para ser proveitosa, não podia permanecer oculta à humanidade inteira. Por tal motivo, Nosso Senhor Jesus Cristo quis revelá-la apenas a alguns, aos quais mostrou sua divindade por meio de pequenos sinais acompanhados da graça suficiente em certos casos, superabundante em outros, para que uns servissem de testemunho aos demais.
Um desses diminutos, o próprio Evangelista o menciona, afirma ele que os Reis Magos, ao verem de novo a estrela, “sentiram uma alegria muito grande”. Ainda que não esteja no texto sagrado, é de se supor que, ao contemplarem o Menino, tenham experimentado um júbilo interior intensíssimo, e talvez se tenham comovido até às lágrimas. Ajoelharam-se arrebatados pelo encanto com o Divino Infante, o “mais belo dos filhos dos homens” (Sl 44, 3), diante do qual não cabia outra atitude a não ser a adoração. Tudo marcado por uma suave e intensa alegria, nota distintiva da atuação do Espírito Santo, e que até nossos dias caracteriza as celebrações natalinas.
A grande fé demonstrada pelos Reis Magos na Epifania nos lembra a parábola do grão de mostarda. Ele é minúsculo, mas, uma vez plantado, cresce e torna-se um grande arbusto. Ora, esse Menino que vem ao mundo numa Gruta e hoje manifesta sua divindade aos soberanos vindos do Oriente, vai depois morrer no Calvário e de seu lado traspassado pela lança brotará a Santa Igreja. Esta nasce sem nenhum templo, de forma apagada, se desenvolve e, em certo momento, toma conta do Império Romano, até se expandir por todo o mundo.
Quantas famílias, povos e nações inteiras ao longo da História se porão a caminho, à semelhança dos Reis Magos, para seguir uma estrela: a Santa Igreja Católica Apostólica Romana. Sim! Ela, a distribuidora dos Sacramentos, promotora da santificação e dispensadora de todas as graças, faz o papel de uma estrela a cintilar diante de nossos olhos, através do esplendor de sua Liturgia, da infalibilidade de sua doutrina, da santidade de suas obras, convidando-nos a obedecer à voz do Divino Espírito Santo que fala em nosso interior. Assim, a Igreja promove um novo desabrochar do senso do maravilhoso nos corações de seus filhos, parecendo nos dizer: “Olha como Deus é belo! Ele é o Autor de tudo isso”.
Esta estrela é para nós, portanto, a alegria da existência, a segurança e a certeza dos nossos passos, a sustentação do nosso entusiasmo e do amor a Deus. Sobretudo, esta estrela é a garantia de uma eternidade feliz. Quem a ela se abraçar terá conquistado a salvação, quem se separar dela seguirá por outros caminhos e não chegará à Belém eterna, onde está aquele Menino, agora sim, glorioso e refulgente pelos séculos dos séculos. (O Inédito sobre os Evangelhos, Monsenhor João Clá Dias, EP, pp. 146 à 157).