São Remígio nascera em Laon, no ano 437, de nobre família galo-romana. Desde muito cedo, sua inteligência e uma especial facilidade para a oratória despertaram a admiração de seus mestres e condiscípulos. A fama de sua eloquência espalhou-se a tal ponto que, em 459, quando o Bispo de Reims faleceu, foi ele escolhido para substituí-lo.
A atuação desse jovem de apenas 22 anos à frente de tão importante sé episcopal revelou, em pouco tempo, o acertado da escolha. “São Remígio era um Bispo de uma ciência notável e primeiro tinha se impregnado do estudo da retórica, mas de tal maneira se distinguia também pela santidade, que se igualava a Silvestre nos milagres”3 – descreve São Gregório de Tours em sua célebre Historia Francorum.
A caridade e doçura do jovem Prelado logo conquistaram os corações dos fiéis, pelos quais se desdobrava, aliviando a todos os que solicitavam seu auxílio, quer com esmolas materiais, quer com o consolo e a instrução do espírito. Todavia, sem abandonar o cuidado daqueles, pelo Batismo, já pertencentes ao redil de Cristo, São Remígio ardia no desejo de conquistar novas almas.
Ao norte de Reims, no atual território da Bélgica, havia se estabelecido a tribo dos francos sálios. Em sua origem, talvez, a mais modesta dentre as germânicas, no decorrer dos anos ela alcançou preponderância em todos os campos, sobretudo na arte militar. Suas qualidades não passaram despercebidas ao olhar atento do Bispo de Reims, o qual via pairar sobre esse povo um especial desígnio de Deus. Impelido pelo seu coração de apóstolo, desejava ele atraí-lo para o seio da Igreja.
Remígio fixara sua atenção, sobretudo, no rei Childerico, quem, em 464, retornara junto aos seus após ter passado oito anos exilado na Turíngia. Durante dezesseis anos de paciente apostolado, esforçou-se por atrair a alma do chefe franco para abraçar a Fé Católica. Este, contudo, resistia. Se, por um lado, mantinha bom relacionamento com os eclesiásticos e lhes dava seu apoio, por outro, continuava ferrenhamente apegado a seus deuses.
Certo dia, entretanto, chegou à sé episcopal de Reims a notícia de que Childerico acabava de falecer.
Childerico deixara como sucessor o filho Clóvis, um adolescente de 15 anos, que os francos se apressaram em proclamar rei. Tornava-se indispensável, logo de início, ganhar-lhe a amizade, bem como inculcar-lhe um santo respeito pela Igreja e por seus representantes.
Remígio dirigiu-lhe, então, uma missiva na qual se harmonizavam o afeto do pai e a autoridade do mestre: “Primeiramente, deveis cuidar que o juízo do Senhor não vos abandone, e que vosso mérito se mantenha na altura aonde o levou vossa humildade; porque, segundo o provérbio, as ações do homem se julgam pelo seu fim. Deveis rodear-vos de conselheiros dos quais possais vos ufanar. Praticai o bem, sede casto e honesto. Mostrai-vos cheio de deferência para com vossos Bispos, e recorrei sempre a seus conselhos. […] Diverti-vos com os jovens, mas deliberai com os anciãos, e, se quereis reinar, mostrai-vos digno”.4 Essa sua carta era o primeiro passo de uma longa caminhada que levaria o jovem rei às fontes batismais da Catedral de Reims.
O tão anelado dia chegou afinal na primavera de 496, quinze anos após a ascensão de Clóvis à realeza. Segundo nos conta São Gregório de Tours, a rainha fez então vir em segredo São Remígio para “incutir no rei a palavra da salvação”.7
Assim, começando por mostrar-lhe a inutilidade dos ídolos, o santo Prelado de Reims instruiu o rei nas verdades da Fé. Falou-lhe de Nosso Senhor Jesus Cristo, de seus milagres e de seus divinos ensinamentos enquanto Clóvis escutava-o embevecido. Entretanto, quando ouviu relatar a dolorosa Paixão de Jesus, com espontânea energia e rusticidade o monarca teria se tomado de cólera e exclamado: “Ah! Por que não estava eu lá com os meus francos?”.8
Seus francos, com efeito, arrebatados de sobrenatural entusiasmo, perceberam os avanços de seu soberano rumo à conversão, e haviam decidido seguir seu exemplo. Quando, pois, este os convocou, a fim de comunicar-lhes sua resolução, bradaram a uma só voz: “Nós rejeitamos os deuses mortais, piedoso rei, e estamos prontos a seguir o Deus imortal que Remígio anuncia”.9
A cerimônia transcorreu com a maior solenidade possível. Todavia, nela três mil francos sem contar as mulheres e as crianças, receberam o Batismo junto com o Rei. Entre eles estavam sua irmã, a princesa Albofleda, e o pequeno Thierry, nascido do primeiro matrimônio de Clóvis. Como Simeão, Remígio por fim podia cantar: “Agora, Senhor, deixai o vosso servo ir em paz…” (Lc 2, 29).
Agora com a proteção do rei, Remígio podia dedicar-se a erradicar a idolatria, anunciando por toda parte o Evangelho de Cristo. Todos quantos dele se aproximavam saíam beneficiados: os pagãos se convertiam, os cristãos recebiam o pão da doutrina, os hereges abjuravam seus erros, os Bispos sentiam-se animados a seguir seu exemplo.
Nos últimos anos de sua vida, quis o Senhor adornar com a coroa do sofrimento aquela fronte venerável, já nimbada de glória: numerosas doenças enfraqueceram seu corpo, sem lograr, contudo, abater-lhe o ânimo ou amortecer sua caridade. Finalmente Remígio rendeu sua alma a Deus em 530, aos 93 anos de idade e 70 de ministério episcopal.
(Irmã Clara Isabel Morazzani Arráiz, EP, Revista Arautos do Evangelho, Jan/2012, n. 121, p. 32 a 35)