Com a celebração do Advento, a liturgia cobra dos fiéis uma postura de vigilância, penitência e purificação. Estas são nos legadas através dos evangelhos dos dois primeiros domingos do advento, no qual Jesus pede prontidão de seus amados, pois Ele virá como um ladrão (Mt 24, 37-44), sem que ninguém saiba o dia ou o horário. Porém, diferentemente da Quaresma, o tempo que antecede a Páscoa, o Advento não pede dos cristãos grandes penitências, não preceituando, por exemplo, o jejum e a abstinência nos dias santos. Mesmo assim, no tempo litúrgico que nos encontramos, deparamo-nos com o jejum dos pecados. Que prática é essa?
Para a cristandade, o jejum tem uma familiaridade que acompanhou a sua formação. Logo após a queda de Roma, no ano de 476, com a instabilidade das invasões bárbaras, não havia muitos templos que resistissem a ponto de formar uma comunidade estável. Assim, alguns cristãos, vendo no desmoronar da sociedade um chamado especial, se dedicaram a viver uma existência isolada, longe de tudo e todos. Estes eram os eremitas, herdeiros espirituais dos anacoretas, que viveram no deserto também em solidão no começo na era cristã.
Para estes que viviam completamente só, uma das obrigatoriedades naturais era o jejum, até porque, não estando em comunidade, não havia a condição de produzir alimentos e variá-los. Por isso vemos os eremitas representados como magérrimos, já que não encontravam, em sua solidão, uma nutrição que fosse abundante. Antes, porém, deste conceito natural, o jejum sempre foi uma arma espiritual: através da provação do corpo, havia um fortalecimento de alma. Não atender nossa carne em tudo que ela nos pede, mesmo na parte legítima, como a alimentação, nos torna mais fortes para não lhe conceder os prazeres pecaminosos, como os da luxúria ou da preguiça.
Com São Bento, temos a primeira formação de uma comunidade onde se vive uma solidão comunitária, pois, mesmo em casas comuns com muitos monges, todos aceitam o silêncio e a vida interior como forma de conduzir sua prática religiosa. Sabendo como eram grandes os benefícios do jejum, ainda mantém o santo, em sua ordem, um regime restrito de alimentação, com horários determinados e cardápio reduzido. Hoje, mesmo não estando em uma ordem religiosa, os cristãos continuam aproveitando o bom propósito do jejum: aprender a dominar o corpo para que a alma sempre prevaleça.
O jejum cristão é algo bom, pois nos priva de algo que em si mesmo é permitido, como os alimentos, para que alcancemos uma fortaleza de mente maior. Porém, o que dizer do jejum de pecados? O pecado não é ruim em si mesmo? Não o cometer já não é vontade de Deus? Por que o jejuamos, e não o cortamos logo de vez?
O pecado é uma parasita, um vírus que entra no sistema imunológico, por assim dizer, do cristão, e o destrói. Diz o ditado: nada de grande se faz de repente, e assim é com a gravidade do pecado. Num dia, comete-se o erro de se contar uma pequena mentira. Se este mal não é cortado pela raiz, as mentiras vão aumentando e abrindo espaço para mais maldades. É inevitável; por isso a Bíblia nos narra que um abismo atrai ou abismo.
Como um vício enraizado, o pecado pode ser difícil de ser evitado para sempre, de uma vez. É por isso que falamos no jejum de pecados: é uma forma de encorajar e começar o escape do pecado. Se pedimos que um fumante deixe o cigarro após 10 anos de consumo diário, é probabilidade de que funcione é quase zero. É preciso haver uma reeducação, uma abstenção planejada, de pouco em pouco, para que o vício acabe.
Assim, na proposta do Advento de jejuar o pecado, o que a Santa Igreja quer dos cristãos é que parem e repensem: “qual é o pecado que mais me aflige, que mais me atormenta, e que não consigo largar? Será a mentira, a preguiça, a impureza? Pois bem, vou fazer o propósito de diminui-lo, de semana em semana, ou de dia para dia”. Por mais que o melhor, em absoluto, fosse se desapegar do pecado de vez, ir diminuindo sua frequência é o que mais efetivamente funciona.
Portanto, convido você, caro leitor, a um jejum de pecados com a comunidade cristã neste Advento. Vá até uma igreja e, diante de Jesus-Hóstia, escolha um pecado para jejuar, para ir se afastando pouco a pouco. Faça o propósito de diminuir a frequência de seu vício como um presente para Cristo que nasce. Tenho certeza que você irá se sentir melhor em progredir passo-a-passo, demostrando o amor que tem pelo Senhor.