Ao considerarmos as virtudes teologais: fé, esperança e caridade, percebemos que as duas primeiras se entrelaçam com forte vínculo. A fé – crer sem ver –, coaduna-se com a esperança, aguardando o prêmio a ser concedido.

Da interação das duas ainda sobressai em intensidade uma outra virtude, a confiança, que corresponde à esperança multiplicada pela esperança e somada à fé.

Neste panorama, entretanto, parece sobrar a caridade. Qual a relação dela com a fé e a esperança?

Preceitos da caridade

Antes de falar dessa relação, é preciso pontuar quais são os preceitos a que a virtude da caridade nos obriga. São dois: o primeiro para com Deus e o segundo para com o próximo.

É a estes preceitos que Jesus se refere em seu Evangelho: “Amarás o Senhor teu Deus de todo o teu coração, de toda a tua alma, e de todo o teu entendimento! Esse é o maior e o primeiro Mandamento. O segundo é semelhante a esse: Amarás o teu próximo como a ti mesmo. Toda a Lei e os profetas dependem desses dois mandamentos” (Mt 22, 37-40).

Guardemos estas palavras de Cristo pois elas farão ainda mais sentido no final deste artigo.

De Deus temos uma Lei principal a seguir: os Dez Mandamentos. Nossa caridade precisa alcançar a prática deles e a sua vivência alegre e motivada, pois de nada vale cumprir os preceitos da Lei de má vontade. Deus perscruta o coração e a mente, não podemos enganá-Lo.

Nossos principais deveres para com o próximo derivam das obras de caridade, que se dividem em corporais e espirituais, e precisam ser constantemente praticadas, na medida do possível.

É preciso lembrar também que cada ser humano possui graus de proximidade, sendo errado, por isso, tirar o pão dos filhos para dar a um desconhecido. A caridade nos obriga, dirigida para os homens, a que atendamos primeiro a nossos deveres de estado. São eles, por exemplo, o casamento, a paternidade ou maternidade, relações de sangue ou amizade.

Citamos uma subcategoria relacionada à caridade, e que está englobada no Mandamento de amor ao próximo: a caridade para com a criação de Deus.

Em primeiro lugar, devemos considerar que a natureza e seus elementos são vestígios de Deus e de sua infinitude, e tratá-la com ganância é desvirtuar essa imagem que o Senhor implantou nela.

Em segundo lugar, lembremos que o mundo e a sociedade que deixarmos afetará nossos filhos, nossos netos e os netos deles, de modo que o dever de caridade para com o próximo também regula nossa interação com o futuro da criação.

Como relacionar os preceitos da caridade e da fé?

São Tiago, em sua carta, proclama: “Assim também a fé, por si só, sem obras, está morta” (Tg 2, 17). São Leão Magno, em uma de suas homilias, declara que as obras às quais o apóstolo se refere dizem respeito à caridade.

Desse modo, temos uma nova sentença: "a fé sem a caridade é morta". Esta é a dependência mais sublime que pode haver, e que relaciona a existência de uma à outra.

A isso corresponde também um sentido prático: somente quando nossa crença em Deus é desinteressada, ou seja, existe por amor, é que ela é realmente fé.

De outra forma, com motivações escusas, seja para limpar a consciência ou para aparecer diante dos outros, a fé é como um vaso rachado que derrama todo o líquido da graça  nele depositado.

Por isso, Nosso Senhor cita a caridade como o maior, se não o único Mandamento da Lei; também São Paulo a elogia com todas as suas forças: “Ainda que eu falasse a língua dos Anjos e dos homens, sem a caridade eu nada seria” (1 Cor 13, 1).

A caridade é o fundamento de uma crença verdadeira, que não desiste mesmo quando tudo parece perdido. Ela nos transforma em filhos, de fato, do Pai Eterno: cremos melhor em suas lições quando possuímos a caridade.

Qual a relação da esperança com a virtude do amor?

Dissemos que a esperança multiplicada pela esperança resulta na confiança, uma virtude mais intensa e mais constante, pois a esperança tem um movimento mais passivo, enquanto a confiança, mais ativo; uma aguarda o prêmio, e a outra busca, persegue, corre atrás da recompensa.

Mas não nos enganemos: o motor deste movimento inclinado para Deus e para a recompensa celeste é a caridade. Sem ela, desmotivamo-nos com qualquer dificuldade, ficamos pelo caminho ao sinal de qualquer tropeço. E, quando caímos, se não fosse a caridade, não teríamos coragem de nos apresentar a Deus tal qual o Filho Pródigo.

Se a fé e a esperança, na parábola, consistem na atitude que o filho pecador toma diante do Pai, a caridade são seus pés que o movimentam e o levam de volta a casa paterna.

E não esqueçamos a definição que São João nos dá de nosso Criador: “Deus é amor”, enlevando de modo inédito essa virtude à maior categoria possível. Além disso, das três virtudes teologais, ela será a única que levaremos no pós-vida: a fé se transformará em visão, a esperança em realização, mas a caridade continuará.