Evangelho
Naquele tempo, Jesus disse aos fariseus: 19 “Havia um homem rico, que se vestia com roupas finas e elegantes e fazia festas esplêndidas todos os dias. 20 Um pobre, chamado Lázaro, cheio de feridas, estava no chão à porta do rico. 21Ele queria matar a fome com as sobras que caíam da mesa do rico. E, além disso, vinham os cachorros lamber suas feridas. 22 Quando o pobre morreu, os Anjos levaram-no para junto de Abraão. Morreu também o rico e foi enterrado. 23 Na região dos mortos, no meio dos tormentos, o rico levantou os olhos e viu de longe a Abraão, com Lázaro ao seu lado. 24Então gritou: ‘Pai Abraão, tem piedade de mim! Manda Lázaro molhar a ponta do dedo para me refrescar a língua, porque sofro muito nestas chamas’. 25 Mas Abraão respondeu: ‘Filho, lembra-te que tu recebeste teus bens durante a vida e Lázaro, por sua vez, os males. Agora, porém, ele encontra aqui consolo e tu és atormentado. 26E, além disso, há um grande abismo entre nós: por mais que alguém desejasse, não poderia passar daqui para junto de vós, e nem os daí poderiam atravessar até nós’. 27 O rico insistiu: ‘Pai, eu te suplico, manda Lázaro à casa do meu pai, 28 porque eu tenho cinco irmãos. Manda preveni-los, para que não venham também eles para este lugar de tormento’. 29Mas Abraão respondeu: ‘Eles têm Moisés e os profetas, que os escutem!’ 30 O rico insistiu: ‘Não, pai Abraão, mas se um dos mortos for até eles, certamente vão se converter’. 31 Mas Abraão lhe disse: ‘Se não escutam a Moisés, nem aos profetas, eles não acreditarão, mesmo que alguém ressuscite dos mortos’” (Lc 16, 19-31).
I – A raiz do apego ao dinheiro
Quando a criança começa a conhecer a realidade que a cerca, logo no despontar da luz da razão, sente-se pequenina e débil ante um universo que lhe parece imenso e inabarcável. Por isso, ela facilmente julga que os outros seres lhe são superiores, coloca-se numa posição de contingência em relação às pessoas mais velhas e tem inteira confiança na proteção dos pais. Tal atitude do inocente o leva a aceitar sem dificuldade a existência de um mundo além do alcance dos seus sentidos, que ele não consegue ver nem apalpar, e, portanto, o predispõe a viver em função do sobrenatural.
Com o passar dos anos, porém, manifesta- -se na alma humana uma forte propensão à autossuficiência, pela qual, sobretudo quando lhe falta a virtude, torna-se impenetrável por aquilo que ultrapassa a sua natureza e não pode ser por ela dominado, como o são os princípios da Fé. Desse modo, preferirá ocupar-se com as coisas concretas que concernem à sua capacidade de governar, como o dinheiro, o trabalho, os estudos, a família, e se imaginará segura ao exercer o controle sobre elas.
Assim, à medida que o coração se afasta de Deus e entra pelo caminho do orgulho, dando vazão a essa tendência de querer dominar tudo, vai-se criando uma “religião” em que os cinco sentidos são considerados absolutos: é o culto do palpável, do sensível, do material, daquilo que proporciona ao homem uma aparente estabilidade.
Nessa perspectiva, em todos os tempos, desde quando se estabeleceu o primeiro comércio monetário da História, nenhum elemento foi tão cobiçado quanto o dinheiro. Vê-se nele o principal fator para alguém atravessar com segurança a vida; ambiciona-se ganhar na loteria, encontrar um tesouro, receber uma farta herança ou qualquer outra situação na qual a fortuna bata à porta de um momento para o outro. Entretanto, se é verdade que a abundância de posses favorece uma existência despreocupada, “aquele que ama o dinheiro, nunca se fartará” (Ecl 5, 9), e jamais obterá sossego interior.
É esta a problemática em torno da qual se desenrola a eloquente parábola do rico e do pobre Lázaro, apresentada por São Lucas como desfecho de uma sequência de ensinamentos de Nosso Senhor a respeito do uso das riquezas.
[caption id="attachment_267573" align="alignright" width="213"] Volta do Filho Pródigo – Catedral de Green Bay (EUA)[/caption]II – Uma parábola para os fariseus
O Evangelho deste 26º Domingo do Tempo Comum recolhe uma das pregações de Jesus quando Se encontrava a caminho de Jerusalém, no terceiro ano de sua vida pública. Pouco antes, Ele havia narrado as três parábolas da misericórdia, visando mostrar o quanto Deus está inteiramente aberto para receber a cada um. Logo a seguir, o Evangelista registra a parábola do administrador infiel, a qual é dirigida aos discípulos num discurso que se conclui com as categóricas palavras: “Não podeis servir a Deus e ao dinheiro” (Lc 16, 13).
Em meio ao público ali presente, estavam também “os fariseus, que eram avarentos, e zombavam d’Ele” (Lc 16, 14). Incomodados com aquelas considerações a respeito do dinheiro desonesto, decerto murmuravam contra Jesus e taxavam sua doutrina de louca e absurda. O Salvador então Se volta para eles e, após increpar sua falsidade, passa a pintar em cores vivíssimas uma cena que enfoca de maneira toda especial a soberba e a cobiça humanas. Ele certamente a contou com um luxo de detalhes que não constam no texto de São Lucas, demorando talvez meia hora para desenvolver essa trama cheia de verossimilhança, formativa e convincente.
Deus Se esquece dos orgulhosos
Naquele tempo, Jesus disse aos fariseus: 19 “Havia um homem rico, que se vestia com roupas finas e elegantes e fazia festas esplêndidas todos os dias. 20Um pobre, chamado Lázaro, cheio de feridas, estava no chão à porta do rico”.
Logo de início, um detalhe chama a atenção e indica a nota tônica desta passagem: entre os personagens que figuram nas parábolas de Nosso Senhor, este pobre é o único designado por um nome, Lázaro. O outro, por sua vez, recebe apenas um título, o qual se aplica a todos aqueles que depositam sua segurança nas criaturas: “rico”. Trata-se de um pormenor proposital, para nos ensinar que Deus Se esquece dos orgulhosos e guarda para sempre em sua lembrança o nome dos humildes.
Não há nenhum mal em possuir muitos bens, nem em se vestir com roupas finas e elegantes, desde que nisto não entrem pretensões. Já o fato de fazer festas todos os dias não se justifica, pois estas devem ser realizadas em determinadas circunstâncias e estar marcadas por um tônus sobrenatural; caso contrário, tornam-se ocasião de intemperança e pretexto para fugir do sofrimento. Este homem, ademais, é pródigo consigo mesmo e avesso a qualquer tipo de dor, inclusive à do próximo, não demonstrando a mínima compaixão para com o infeliz que vive à sua porta.
Os que entram pelas vias do egoísmo, preocupando-se apenas com seus próprios interesses, negam para si e para o próximo a felicidade de praticar a virtude e de participar da vida de Deus, e correm o risco de terem o mesmo destino deste avarento.
Um pobre assistido pela graça
21 “Ele queria matar a fome com as sobras que caíam da mesa do rico. E, além disso, vinham os cachorros lamber suas feridas”.
Dotado de bom coração, este homem é resignado, humilde e inteiramente disposto a aceitar o que lhe venha das mãos de Deus. Pobre não só de recursos, mas também de saúde, nada exige e passa os dias desamparado: ninguém o ajuda em sua enfermidade nem o socorre nas terríveis agruras que suporta, a ponto de não ter sequer meios de se proteger dos cães que vêm lamber- -lhe as feridas. Contudo, ele não se revolta contra o rico e se contenta em comer dos restos que caem da sua opulenta mesa.
O mais notável em Lázaro é essa conformidade, equilíbrio e paz de alma perante tantas dificuldades e maus-tratos, o que só pode ser fruto de uma graça. Ele colocava a sua esperança em Deus e, por isso, mantinha-se animado em meio àquela situação de dor e tragédia, sem perder tempo em lamúrias e pena de si.
Não nos esqueçamos de que o Autor desta descrição é Jesus, Segunda Pessoa da Santíssima Trindade encarnada, e, portanto, suas palavras são perfeitas e insuperáveis. Todos os pormenores por Ele pintados têm a finalidade de comover aqueles corações endurecidos e impostá- -los diante do grave cenário da salvação eterna. Não há neles nenhum exagero literário destinado apenas a impressionar seus ouvintes.
O prêmio do humilde e o sepultamento do egoísta
22 “Quando o pobre morreu, os Anjos levaram-no para junto de Abraão. Morreu também o rico e foi enterrado”.
Lázaro, que tivera os cães por companheiros, desfruta agora da máxima honra, sendo conduzido por Anjos à felicidade. Do rico somente se diz que “foi enterrado”: toda a sua fortuna recebe por cima um manto de terra! Tal é o fim de quem se vangloria das próprias qualidades e procura chamar a atenção dos outros sobre si: já está pago nesta vida e termina sepultado no esquecimento.
[caption id="attachment_267574" align="alignleft" width="312"] Bom Samaritano – Igreja de São Patrício, Nova Orleans (EUA)[/caption]Uma conclusão precipitada da leitura dessa passagem seria julgar que a indigência constitui a condição mais propícia para se alcançar a bem-aventurança. Com efeito, quando são escassos o dinheiro, a saúde e até os dotes naturais, torna-se mais fácil juntar as mãos e rezar. Quando, pelo contrário, se tem vigor, recursos, inteligência e prestígio, com frequência se negligencia a oração e a tendência a apegar-se é mais forte. Entretanto, às vezes, uma pessoa que nada possui se revolta, e aquela a quem nada falta é generosa e vive na amizade com Deus.
Vê-se, então, que o cerne do problema apresentado por Nosso Senhor não está na miséria ou na abundância, mas sim no prisma pelo qual cada um se relaciona com Deus, com o próximo e com tudo aquilo de que pode dispor, sejam bens espirituais ou materiais. Lázaro obteve misericórdia após a morte e alcançou o extraordinário sucesso da eternidade feliz por ser desprendido e inocente, aceitando os tormentos e privações desta vida como proporcionados ao que ele merecia por suas faltas.
Uma pálida ideia da humilhação dos condenados
23 “Na região dos mortos, no meio dos tormentos, o rico levantou os olhos e viu de longe a Abraão, com Lázaro ao seu lado. 24Então gritou: ‘Pai Abraão, tem piedade de mim! Manda Lázaro molhar a ponta do dedo para me refrescar a língua, porque sofro muito nestas chamas’”.
Para explicar como é a eternidade de um justo e a de um condenado, Nosso Senhor recorre a imagens consagradas pela tradição hebraica a respeito dos mistérios da outra vida. Segundo essas figuras, o seio de Abraão e a geena correspondiam a duas partes distintas da mansão dos mortos, separadas entre si por um profundo abismo.1 Como o Céu estava fechado para os homens desde o pecado original, as almas santas permaneciam no Limbo à espera da Redenção, repousando junto ao grande patriarca;2 os precitos caíam no inferno, cujas portas sempre estiveram abertas e só se cerrarão no fim do mundo.
Ao expor a parábola, Jesus acrescenta alguns detalhes muito vivos para torná-la mais didática, como, por exemplo, este: os réprobos, para seu maior tormento, veem a felicidade dos que se salvaram. Assim, enquanto o rico padece cheio de desespero em meio às chamas, pranto e ranger de dentes, Lázaro está em paz, na expectativa do dia de alcançar a visão beatífica e contemplar a Deus.
Nosso Senhor não faz menção à pena de dano dos malditos, a qual consiste em sentirem-se atraídos por Deus e saberem que n’Ele se encontra a sua felicidade, mas, ao mesmo tempo, serem odiados e repudiados por Ele. É um suplício muito pior que o fogo, mas não adiantava dizê-lo aos fariseus, pois quem se empederniu na cobiça e no orgulho só se comove com o que toca na própria pele.
Outro pormenor interessante, pintado por Nosso Senhor: o condenado dirige a voz a Abraão, para pedir uma gota d’água. Ora, quem está no inferno não é capaz de querer nada, a não ser a destruição de tudo, inclusive a de Deus. Os precitos O odeiam e, como não conseguem fazê-Lo desaparecer, desejam aniquilar-se a si próprios. Sendo também isto impossível, arrastam-se por toda a eternidade num lancinante desespero. E mesmo se, por absurdo, um condenado quisesse matar a sede, tal é sua soberba que nunca suplicaria este favor a alguém.
Qual terá sido, então, a intenção de Jesus ao dizer essas palavras? Queria Ele dar aos fariseus mais uma chance de conversão, oferecendo-lhes uma pálida ideia da humilhação na qual se afundam os orgulhosos. Aquele que se banqueteava todos os dias e desprezava o pobre, agora rebaixa-se a implorar que o outro molhe a ponta do dedo para refrescar-lhe a língua…
Imensa e eterna separação entre justos e condenados
25 “Mas Abraão respondeu: ‘Filho, lembra- -te que tu recebeste teus bens durante a vida e Lázaro, por sua vez, os males. Agora, porém, ele encontra aqui consolo e tu és atormentado. 26E, além disso, há um grande abismo entre nós: por mais que alguém desejasse, não poderia passar daqui para junto de vós, e nem os daí poderiam atravessar até nós’”.
[caption id="attachment_267575" align="alignright" width="337"] Bom Pastor – Igreja de Nossa Senhora das Mercês, Salta (Argentina)[/caption]A fim de melhor configurar essa lição na mente dos fariseus, Nosso Senhor a coloca nos lábios de Abraão, a quem eles veneravam como o suprassumo da raça judaica e, portanto, alguém digno de ser ouvido. Embora seja fictício, o diálogo nos permite formar uma noção da imensa separação existente entre os que se salvam e os que se perdem.
Abraão o trata por “filho”, o que constitui uma bondade do patriarca, sim, mas também uma ocasião de maior tormento para o condenado, por lembrar-lhe o vínculo que o unia àquele que está na felicidade, rompido por culpa própria e que nunca mais se restabelecerá.
27 “O rico insistiu: ‘Pai, eu te suplico, manda Lázaro à casa do meu pai, 28 porque eu tenho cinco irmãos. Manda preveni-los, para que não venham também eles para este lugar de tormento’”.
Quem padece no inferno não intercede por ninguém; está no completo desespero e não tem compaixão dos outros. Mas, se acontecesse, por um contrassenso, de um precito se mover a ajudar alguém, ele preferiria um de seus parentes, por egoísmo. Até nessa situação extrema, prevaleceria o apego.
Nosso Senhor mostrava assim aos judeus, sempre muito ciosos dos laços de sangue, que se seu apreço pelos familiares fosse verdadeiro deviam, antes de tudo, rezar por eles e empenhar-se em salvá-los durante esta vida.
Nada convence um egoísta
29 “Mas Abraão respondeu: ‘Eles têm Moisés e os profetas, que os escutem!’ 30O rico insistiu: ‘Não, pai Abraão, mas se um dos mortos for até eles, certamente vão se converter’”.
Novamente o rico pleiteia os interesses da família, quiçá na ilusão de que, tendo um parente do outro lado, este conseguiria arrancá-lo daquelas chamas…
A resposta de Abraão é clara e concludente: não faltavam àquela gente meios de conhecer a Lei de Deus e suas promessas, transmitidas por Moisés e os profetas; bastava-lhes ouvi-los com inteira abertura para se converterem. E o mesmo se aplica a todos nós, que temos a possibilidade de receber a doutrina da Santa Igreja e, com o auxílio da graça, viver conforme os Mandamentos.
31 “Mas Abraão lhe disse: ‘Se não escutam a Moisés, nem aos profetas, eles não acreditarão, mesmo que alguém ressuscite dos mortos’”.
Eis o mal daqueles que se apegam aos bens desta terra: não ouvem mais a Palavra de Deus; a voz da graça e as advertências que lhes vêm de fora já não penetram sua alma. Quando a pessoa se entrega à volúpia da riqueza, do gozo da vida e do pecado, não adianta sequer um milagre portentoso, como o é a ressurreição de um morto. O que se comprova, aliás, no próprio Evangelho, com o irmão de Marta e Maria que Jesus fez voltar à vida após quatro dias no sepulcro: os fariseus não se convenceram nem quiseram ouvir o testemunho de Lázaro ressurrecto; pelo contrário, decidiram matar Nosso Senhor.
Nada move um egoísta, um autossuficiente, um pretensioso; mesmo se lhe aparecesse um demônio espalhando pelo ambiente um horrível cheiro de enxofre e, com gargalhadas, vaticinasse sua perdição eterna caso não mude de conduta, não adiantaria, pois o que determina tudo na vida espiritual é a atitude do coração.
[caption id="attachment_267576" align="alignleft" width="286"] Pobre Lázaro Igreja de São Lázaro, Palência (Espanha)[/caption]III – Onde estiver meu apreço, aí se decidirá minha eternidade
Muito mais do que duas situações pecuniárias distintas, esta parábola nos mostra claramente dois estados de alma: um, de humildade; outro, de orgulho. Tanto o pobre quanto o rico são julgados após a morte em função do amor a Deus e a si mesmo, da despretensão ou do apego com que cada um se portou em relação à condição em que vivia.
Ora, todos nós morreremos, tal como morreram o rico e o pobre, e seremos julgados. Assim sendo, precisamos pôr nossa atenção em nosso destino final, a eternidade, onde há dois “portos” para desembarcar: o Céu e o inferno. Eu quererei descer neste último, onde terei como companhia os demônios que me atormentarão para sempre, numa fornalha ardente, de um fogo inteligente, criado e mantido por Deus? Nunca!
Desejo, isto sim, gozar da companhia dos justos na mansão celeste, onde minha inteligência, minha vontade e minha sensibilidade encontrarão a plenitude de todo bem-estar. Ali Deus me dará luz para O compreender como Ele Se compreende, e me infundirá força para amá- -Lo como Ele Se ama; estarei na felicidade completa e fixado na virtude.
O valor da Comunhão diária
Para alcançarmos esse júbilo eterno, necessitamos nos preparar, procurando não as satisfações passageiras e fruitivas, mas as alegrias que nos unem a Deus; sobretudo, devemos nos apegar a algo de que o pobre Lázaro e o rico não dispunham: a Comunhão diária. Nosso Senhor disse: “Quem come a minha Carne e bebe o meu Sangue tem a vida eterna” (Jo 6, 54). A nós foi dada a possibilidade de nos aproximarmos todos os dias da Eucaristia, penhor de salvação, banquete invejado até pelos Anjos!
Nós, batizados, somos chamados a fazer o bem aos outros e, para isso, torna-se imperioso primeiro nos enriquecermos, haurindo graças junto ao Santíssimo Sacramento, praticando a virtude com o auxílio d’Ele e procurando aprofundar no conhecimento de nossa Religião. Só depois de termos obtido esses tesouros poderemos ensinar, ajudar e aconselhar os demais.
A Igreja repete há séculos um pedido no qual os católicos de nossa época estão plenamente engajados: “Enviai o vosso Espírito e a face da terra será renovada”. Se queremos converter o maior número possível de pessoas e instaurar o triunfo de Nossa Senhora sobre os corações, prometido por Ela em Fátima, devemos buscar antes nossa santificação pessoal.
“Quem reza, certamente se salva”
Além disso, para trilharmos o caminho do desprendimento completo, precisamos de muita graça e, portanto, de muita oração. Deixar- -se tomar pela preocupação com as coisas materiais a ponto de não sobrar tempo para rezar pode comprometer a salvação de nossa alma, porque é nesse contato com Deus que obtemos graças especiais para perseverar no bem e evitarmos o inferno. Como ensina Santo Afonso Maria de Ligório, “quem reza, certamente se salva, e quem não reza, certamente será condenado”.3
Nesse sentido, vale a pena lembrar as palavras do Papa Bento XVI a um conjunto de Bispos recém-nomeados: “Os Apóstolos entenderam bem como a escuta na oração e o anúncio do que se escuta devem ter o primado sobre muitas coisas a fazer, porque decidiram: ‘Entregar-nos-emos assiduamente à oração e ao serviço da palavra’ (At 6, 4). Este programa apostólico é muito atual. Hoje, no ministério de um Bispo, os aspectos organizativos ocupam muito tempo, os empenhos são múltiplos, as necessidades sempre tantas, mas o primeiro lugar na vida do sucessor dos Apóstolos deve ser reservado a Deus”.4
O nosso coração precisa estar de tal forma preenchido por um apreço enorme pelo Céu, que os afazeres e bens deste mundo só nos interessem na medida em que sejam úteis para o apostolado e para nos manter no desejo de sermos santos. O desprendimento total é o fundo de quadro para contemplarmos as maravilhas da nossa Fé e vivermos com o olhar posto no sobrenatural.
Se não somos desapegados e flexíveis como o pobre Lázaro, e temos alguns defeitos do rico, o que fazer? Rezar, pedindo a Nossa Senhora forças para combatermos a vaidade, os apegos, o egoísmo, e mudarmos inteiramente nossa mentalidade. Assim alcançaremos o convívio com os Santos, os pobres de espírito que hoje estão na riqueza faustosa da eternidade. (Revista Arautos do Evangelho, Setembro/2019, n. 213, p. 08-15)
1 Cf. FILLION, Louis-Claude. Vida de Nuestro Señor Jesucristo. Vida pública. Madrid: Rialp, 2000, v.II, p.412. 2 Cf. SÃO TOMÁS DE AQUINO. Suma Teológica. Suppl., q.69, a.4. 3 SANTO AFONSO MARIA DE LIGÓRIO. A oração, o grande meio para alcançarmos de Deus a salvação e todas as graças que desejamos. Aparecida: Santuário, 1987, p.42. 4 BENTO XVI. Discurso aos participantes na reunião dos Bispos nomeados no último ano, 22/9/2007.