Ajoelhado aos pés da cama, Marquinhos rezava as orações da noite. Estava ainda tomado pela discussão que presenciara entre os colegas de classe enquanto aguardavam a chegada do professor. Ufanos das próprias qualidades, cada um teimava em proclamá-las e, se o mestre houvesse demorado um pouco mais para iniciar a aula, a querela poderia ter-se tornado bem mais violenta…

Após recitar fervorosamente o “Santo Anjo do Senhor, meu zeloso guardador…”, o menino acrescentou com insistência: “Por favor, meu bom protetor, ajudai-me! Vamos passar o resto do curso debatendo sobre quem é o melhor? Todos temos nossas capacidades e virtudes, mas elas não podem ser motivo de briga. Deve haver algum meio de harmonizá-las!”

“Por favor, ajudai-me! Vamos passar todo o
curso debatendo quem é o melhor?”
Marquinhos fez o sinal da Cruz e deitou-se. Mal tinha pegado no sono, quando um ruído estranho o acordou. Não era o barulho familiar do trem que passava pela estrada de ferro perto de sua casa, nem o habitual falatório dos trabalhadores da fábrica vizinha durante a troca de turno. Eram vozes, sim, mas… vinham do alto, bem do alto!

O menino afastou um tanto as cortinas e, debruçado no parapeito, percebeu tratar-se de uma discussão entre os planetas!

— Vede meus anéis – proclamava, cheio de orgulho, o imponente Saturno – Todos os homens da Terra já quiseram viajar por eles. Olhai quantas cores! Sou o único planeta que as possui tão esplêndidas e suntuosas… Dizei-me, modéstia à parte, não sou o mais encantador?

— Não, não, não! Só falas isso porque nunca paraste para observar o meu incomparável tom vermelho. Sabes de uma coisa? Os cientistas afirmam que eu tenho água, assim como a Terra! – retrucou Marte, um tanto ofegante.

Logo ouviu-se uma sonora risada vinda de muito longe. Com certa dificuldade, descobriram tratar-se de Plutão, o qual, embora pequeno em tamanho, não o era em arrogância.

— Bobinhos! Sou o mais afastado e o menor dentre todos. Alguns nem sequer me consideram um planeta… Entretanto, sou a porta de entrada e saída para um mundo maravilhoso que vós não conheceis. Estais a uma distância enorme das galáxias, nebulosas e outros astros que eu enxergo de perto!

— Sim, mas és muito frio! – atalhou Vênus – Eu não tenho esse problema. Minha temperatura chega a mais de 460 °C, e os habitantes da Terra gostam tanto de mim que até me apelidaram de Estrela d’Alva!

— Tudo bem, tudo bem… Sei que és o mais quente, porém, eu sou o maior! – disse o enorme Júpiter – Meu volume é mil e trezentas vezes o da Terra. Sem contar que minha rotação dura apenas nove horas e cinquenta e quatro minutos, ou seja, sou também o mais rápido!

— O que valem celeridade e tamanho perto de minha extasiante formosura? Olhai-me e vereis o mais gracioso azul de todo o nosso sistema, superior até ao da Terra! E como demoro 164 anos terrestres para percorrer minha órbita em torno do Sol, sobra-me tempo para conversar com estrelas e asteroides, entre os quais tornei-me muito conhecido – disse Netuno vagarosamente.

Contudo, foi logo cortado pelo impaciente Mercúrio:

— Reconhecei, por favor, que se o Sol é realmente o centro de todos os planetas, seu melhor amigo sou eu! Estando mais próximo dele, sou também o mais famoso! Parece que os seus raios foram criados para me iluminar…

De repente, fez-se um profundo silêncio. Em um canto do firmamento, entre Vênus e Marte, ressoava uma voz cristalina. Era a Terra que, extasiada ao ver passar junto a si um belo cometa, exclamava com candura:

— Ó astro cheio de encanto, qual é o teu nome? De onde vens? Nunca tinha notado tua presença por aqui! Que felicidade poder te contemplar!

“Percorri o sistema solar quase inteiro antes
de chegar junto a ti…”
— Ó formosa Terra, a alegria é toda minha! Há quanto tempo ouço histórias e mais histórias sobre ti, nobre planeta, embora não tivesse a oportunidade de conhecer-te pessoalmente. Meu nome e minha procedência pouco importam, mas podes chamar-me Admiração. Deus me criou ágil para percorrer o universo contemplando a grandeza de suas obras; brilhante, para sempre me lembrar de sua glória; pequeno, para nunca me esquecer de minha própria insuficiência.

— Oh, que maravilha! E o que dizes do nosso querido sistema solar?

— Percorri-o quase inteiro antes de chegar junto a ti. É muito bonito e bem ordenado! Nele se vê como o nosso Criador é perfeito: se esses astros estivessem sozinhos, não seriam tão belos como o são neste conjunto! Todos têm uma peculiaridade, insuperável e irrepetível pelos demais!

Ao ouvir isso, os outros corpos celestes, desconcertados, pararam de discutir. Perceberam quão vazias eram as considerações cheias de orgulho que pouco antes faziam. De fato, cada um deles destacava-se sobre os outros em algum ponto, mas essas qualidades e excelências só tinham verdadeiro valor enquanto parte de um conjunto.

Foi então que se voltaram para a fulgurante estrela que os mantinha unidos e dava sentido à sua existência. Todos saudaram o Sol, em torno do qual giravam. Ele era o único indispensável naquele sistema!

Marquinhos voltou-se também para o astro rei. Uma luz quente e forte banhou-lhe o rosto, fazendo-o acordar num sobressalto. Eram seis e meia da manhã! O possante sol matutino inundava o quarto, mas não havia rastro de planetas ou cometas… Aquela conversa não passara de um sonho!

Enquanto se aprontava, ia rememorando os detalhes do acontecido e pensava consigo mesmo: “Como foi fácil acabar com a discussão desses orgulhosos! Bastou aparecer alguém chamado Admiração para que todos se voltassem para o centro. E, à vista do astro rei, as diferenças se transformaram em harmonia!”

Alegre e saltitante, Marquinhos correu para a cozinha, onde a mãe já o esperava com o café recém-feito. Queria contar-lhe o sonho que tivera e, logo que chegasse ao colégio, desvendar a seus colegas a chave para acabar com discussões como a do dia anterior: admirar, em função de Deus, as qualidades únicas que Ele pôs em cada um de nós.

Quem sabe se uma imaginária conversa entre planetas o ajudaria a fazer-se entender…  (Revista Arautos do Evangelho, Junho/2019, n. 210, p. 46-47)